28 setembro 2010

A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma



Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida, me avaliza para fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido à mais alta autoridade do pais, ao Presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo, Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascendente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidene de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palabra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela VEJA faz questão de não ver, protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocoloncial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.

 Leonardo Boff


(*) Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.

(Extraído do site www.cartamaior.com.br)

Neutralidade da Imprensa: quando o poder não tem limite

Volta e meia retorna à pauta a questão da “liberdade de imprensa” no Brasil, mesmo quando ela de modo algum está sendo verdadeiramente contestada. O período de eleições fomenta tal discussão, pois qualquer assertiva não elogiosa torna-se digna de uma refutação cuja essência em geral é meramente retórica e desprovida de fundamento. Por um lado, comentários negativos da imprensa ao governo e aos candidatos; por outro, os governantes e candidatos acusam-na de “tendenciosa” ou “ideologicamente comprometida”.

Crítica e crítica da crítica. Nada mais adequado ao espírito republicano, cujo princípio maior é a transparência. Nada mais adequado ao espírito democrático, cujo princípio maior é o debate político. Todavia, o caráter brasileiro é apegado em demasia aos elogios, o que sempre o torna resistente (às vezes agressivamente) a uma postura mais rigorosa e não complacente. É peculiar a manifesta repulsa que um e outro “lado” (mais acentuadamente os próprios órgãos e profissionais da informação, para surpresa geral) demonstram quando criticados – e pior, acusados de “parciais”.

Esta situação é surreal. Imaginar que a imprensa é neutra e axiologicamente independente é algo desejável. Defender que ela assim o seja é uma necessidade imprescindível à democracia. Acreditar nisso, só por ingenuidade ou interesse. Não existe neutralidade de pensamento em qualquer que seja a atividade humana. Já faz algum tempo que os filósofos do Direito desmitificaram a pretensa “neutralidade” dos juízes; todavia, a chamada “imprensa” (e só esta expressão já é carregada de sentido valorativo) resiste de forma peremptória mediante a afirmação de sua condição de superioridade ética e “técnica”.

Bem se sabe, e a história demonstra de forma exemplar, que os meios de comunicação em geral não são, nunca foram, e nunca serão, neutros. E isso em si mesmo não é um defeito, pois onde há humanidade, há também uma identidade forjada entre razão e sensibilidade. O homem não é um “ser cindido”. Sua condição é estar inserido num contexto que o influencia, que o condiciona e que o faz refém de suas preferências, para além de sua vontade.

O problema é quando a falta de auto-crítica e a “sensação de centralidade” faz com que todos os demais setores tornem-se objeto de uma moralidade formalmente estabelecida como a “mais adequada”, haja vista a legitimidade apriorística de um dos mais fortes poderes do Estado e da sociedade civil: a “imprensa”. É ilustrativa a demonstração prosaica da verdadeira aversão que os órgãos de imprensa possuem de terem suas “informações” refutadas. Basta ser feito um teste: é só observar o destaque que se dá à notícia e a ênfase que se confere à correção da notícia quando ela demonstra-se inverídica.

As auto-correções da imprensa são midiaticamente pífias, no geral. Neste sentido, não muito diferentes que aquelas dos governos e políticos em geral. A demonstração do erro é sempre algo doloroso. Para a imprensa é uma situação comumente marginal e desprovida de importância. De todo modo, as situações mais tormentosas ocorrem quando não há efetivamente um erro, mas apenas uma opção por este ou aquele enfoque, por esta ou aquela reportagem, por esta ou aquela expressão, entre esta ou aquela manchete, por este ou aquele editorial.

O tom de manifesto de alguns editoriais, que chegam a usar de verborragia imperativa para repudiar possíveis tentativas de “controle da imprensa”, que na realidade decorrem apenas de factóides típicos de momentos burlescos, chega a ser tão engraçado quanto o tom usual de seus destinatários. Exagero e exagero do exagero: governos, candidatos e imprensa no Brasil padecem do mesmo auto-engano: a certeza de que uns são melhores que os outros e que os limites nunca são destinados para si.





Emerson Gabardo

Advogado, Doutor em Direito do Estado, Professor de Direito Administrativo da UFPR e Coordenador Adjunto do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da PUCPR. (e.gab@uol.com.br)

QUAL A ORIGEM DESSE ÓDIO?

Um editorial que poderia ter entrado para a história recente da democracia brasileira como exemplo de amadurecimento da liberdade de expressão, respeito ao processo eleitoral e à cidadania, acabou revelando todo o ódio de classe que a elite paulista nutre pelo projeto político petista para o Brasil.

Todo partido político tem direito a um projeto de governo. O PSDB de José Serra e Fernando Henrique Cardoso planejava, em 20 anos, fazer com que o Brasil esquecesse a era Vargas. Escolheu, para viabilizá-lo, a despeito do substantivo composto “social-democracia” em sua sigla, mero embuste semântico, o pensamento neoliberal.

O conceito de modernização com o qual o PSDB trabalhava nos anos FHC passava, necessariamente, pelas teses enunciadas pelo Consenso de Washington. O projeto tucano de desenvolvimento traduziu tal aparente consenso pela (i) estabilização macroeconômica via superávit fiscal, à custa do sucateamento dos serviços públicos, pela (ii) tentativa de realização das ditas reformas estruturais, traduzidas pelas (a) privatizações – que entregaram à iniciativa privada, diga-se de passagem, a preço de banana, a Vale do Rio Doce, destino do qual se safou, por pouco, a hoje primeira maior empresa petrolífera do mundo em lucro sobre faturamento, a Petrobras –, pela (b) redução do papel e da atividade normativa do Estado na economia – dinossauro ao qual recorreram, na recente bancarrota mundial, 9 entre 10 economistas antes neoliberais – e desregulamentação do mercado financeiro, a fim de atrair, pela terceira maior taxa de juros da economia mundial, o que também freava o consumo e mantinha a inflação sob controle, o capital especulativo internacional – grande responsável pela referida bancarrota –, e, por fim, pela (iii) retomada do investimento via iniciativa privada, donde a concentração de renda e de capital na mão de setores empresariais e a tentativa, incompleta, de quebra da coluna vertebral do sindicalismo via flexibilização das leis trabalhistas, o que praticamente anularia seu poder de barganha pela formação de um exército de mão-de-obra de reserva, a chamada “taxa natural” de desemprego.

A mídia oligárquica brasileira, no entanto, não viu maiores problemas na tentativa de continuidade, com José Serra, em 2002, do referido projeto, que, ao fim e ao cabo, ressuscitava a mítica “mão invisível do mercado”. Não se falou, em nenhum momento, em “paixão pelo poder”, no risco de se deixar “a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só” e, muito menos, em “escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder”.

Ora, o Partido dos Trabalhadores tem tanto direito de escolher um projeto nacional quanto o PSDB. Esse projeto, ancorado, essencialmente, na (i) busca de uma política monetária capaz de equilibrar desenvolvimento e poder aquisitivo – nunca o Brasil cresceu e gerou tantos empregos formais quanto nos últimos oito anos, e nunca tantos cidadãos consumiram tanto -, na (ii) dignidade humana, através do resgate da cidadania via políticas públicas de inclusão social e distribuição de renda – nunca tantos cidadãos, antes condenados ao subemprego ou preteridos por raça, estudaram e prosperaram tanto, e nunca tantos cidadãos, antes condenados a viver abaixo da linha de pobreza, hoje possuem o básico para a conquista de sua autonomia –, na (iii) independência e no protagonismo de sua política externa e, sobretudo, no (iv) respeito ao Estado Democrático de Direito – nunca Imprensa, Legislativo, Polícia Federal e Judiciário, p. ex., foram tão respeitados quanto no governo Lula –, é tão legítimo quanto o tucano. E ele não só tem 80% de aprovação popular como, também, segundo as principais pesquisas, será reeleito, em primeiro turno, para um terceiro mandato.

Por que, então, tanta raiva? Qual a origem desse ódio, que vê na figura do Presidente “um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação”; que enxerga um chefe de Estado que, por supostamente “ignorar as instituições e atropelar as leis”, serve de mau exemplo à cidadania, este, por certo, se fosse o caso, um “mal a evitar”? Como o Estadão enxerga um mau exemplo num sujeito reeleito democraticamente e com 80% de aprovação popular, que mal consegue andar, onde quer que vá, mesmo em meio a uma dúzia de seguranças? Como um editorial pode ser tão estreito a ponto de sustentar que o objetivo maior do projeto político petista é assegurar “o bem-estar da companheirada”? Por que o Estadão não alertou o Brasil, em 2002, que o projeto de governo tucano objetivava perpetuar-se no poder a fim de assegurar “o bem-estar da tucanagem”?

A origem de tamanho rancor não pode ser, simplesmente, a falácia de que a democracia precisa ser oxigenada através da rotatividade no Poder. Se tal tese carregasse consigo alguma necessidade, não teríamos como livrar a humanidade da estupidez absoluta, uma vez que não haveria explicação para cada Estado Nacional não estampar, no primeiro artigo de sua Carta Máxima, a exigência de que nenhum partido político pudesse ocupar, por duas vezes seguidas, qualquer posição executiva, condão da prosperidade, da harmonia e do desenvolvimento. Sequer eleições seriam necessárias, uma vez que, nesse melhor dos mundos possíveis, bastaria, candidamente, estabelecer-se uma ordem sucessória entre os diversos postulantes aos cargos executivos. Tal como a “mão invisível do mercado” regula a economia e distribui, equitativamente, toda a riqueza produzida, assim agiria, na política, essa espécie de “democracia natural”.

Qualquer analista político é capaz de perceber, numa leitura superficial, que há qualquer coisa, no editorial do Estadão, mas menos uma defesa sistemática da candidatura de José Serra à Presidência da República. Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, os argumentos do Estado de São Paulo oscilam entre o nada – os supostos méritos do candidato José Serra -, coisa nenhuma – seu currículo exemplar de homem público – e o vazio absoluto – o que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos.

A verdadeira preocupação do Estadão, ao fim e ao cabo, reduz-se à bisonha e esotérica convicção “de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País”.

Sim, pois “o que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a “continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais”, já que isso - algo que, estranhamente, as elites brasileiras não foram capazes de fazer em 500 anos – “todos os candidatos têm condições de fazer”. O que o eleitor decidirá de mais importante, segundo o Estadão, não é a continuidade ou não do projeto petista de desenvolvimento, mas sim “se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção”.

A defesa da candidatura Serra, ensaiada em meio parágrafo, portanto, perde-se num mar de generalidades, e tanto quanto os tímidos elogios às políticas públicas implementadas pelo atual governo – todas elas, diga-se de passagem, relacionadas à era FHC, e não méritos petistas –, desaparece diante do ódio destilado contra a possibilidade de continuidade, com Dilma Rousseff, do projeto petista de desenvolvimento. A impressão que fica não pode ser outra senão a de que a defesa da candidatura oposicionista serve de mero pretexto para o ataque raivoso ao projeto situacionista. Não se trata de um editorial a favor da candidatura José Serra, mas sim contra Lula, o PT e tudo que seu projeto possa representar.

O Estado de São Paulo tem todo o direito – até o dever, alguns dirão – de posicionar-se a favor da candidatura Serra e mesmo contra a petista, desde que apresente bons argumentos em nome da primeira e razoáveis em relação à segunda, uma vez que é público e notório que o projeto petista não é imune a críticas. Só não pode supor que um bom argumento passa, necessariamente, pela desqualificação alheia gratuita.

Do contrário, ao invés de respeito, não conseguirá nada além de transmitir a impressão de que trata o interesse público e seu interesse empresarial como se fossem uma coisa só, submetendo a democracia aos interesses de sua facção. Um jornal que despreza a liturgia que sua investidura exige ao personalizar o debate público e se entrega, descontroladamente, ao desmando e à autoglorificação, não faz mais do que ignorar as instituições e atropelar as leis, deste modo servindo de mau exemplo à cidadania. O Estadão parece ter feito a escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder ao lado de nossos velhos conhecidos da mídia oligárquica, desse modo garantindo o bem-estar da companheirada.

Este é o mal a evitar.

Marcelo da Silva Duarte


(Extraído do site www.cartamaior.com.br)


DEBATE ABERTO

A “mídia” sob profundo impacto de mudanças meteóricas


Nascido por volta de 1870 para dar voz ao crescente movimento republicano das oligarquias cafeeiras paulistas, o Estado (então Província) de São Paulo somente iria aderir ao movimento Abolicionista quando a Abolição já se tornara inevitável. Nascida por volta de 1950, da iniciativa de um imigrante ítalo-americano ligado aos interesses de Walt Disney (e sabe-se lá a que outros interesses), a Editora Abril (irmã da Editorial Abril que o irmão daquele imigrante, na mesma época iria criar em Buenos Aires), depois de fomentar o american way of life entre nós, através de revistas como Pato Donald e Claudia, iria praticamente conquistar, com Veja, o monopólio do mercado das revistas semanais de informação, não por acaso durante o auge da ditadura militar. Nascida nos agitados anos 1920, com o jornal O Globo, as Organizações de mesmo nome, aliadas de primeiríssima hora do golpe de 1964, conquistariam, também durante a ditadura, tanto o monopólio da televisão em todo o país, quanto o da imprensa escrita na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que os ditadores deram decisiva contribuição para a decadência e morte de muitos outros importantes órgãos de imprensa escrita que então disputavam leitores na ex-capital federal, entre eles, os Correio da Manhã, Última Hora, Diário de Notícias e, por fim, recentemente mas depois de longa agonia que teve início naqueles tempos, o Jornal do Brasil.

Se a imprensa (hoje, em dia, chamada “mídia”) chegou dividida à Revolução de 1930, apoiada por Marinho e Chateaubriand mas encarniçadamente combatida pelo Estadão, desde então tem agido como bloco único, no Brasil. Derrubou Vargas duas vezes, na segunda levando-o ao suicídio. Opôs-se, como pôde, aos governos JK e João Goulart. Apoiou e estimulou todos os golpistas de ocasião. Colocou-se contra a última ditadura – depois de ter a ela servido, inclusive fornecendo caminhões para a Oban – só quando o conjunto da burguesia achou que era chegada a hora de mudar para, lampedusamente, tudo continuar como sempre esteve...
Agora, coerente com a sua história, quer derrubar o governo altamente popular do Presidente Lula.

Como explicar a atual posição da imprensa?, perguntou outro dia o professor Venicio Lima.

Certamente, muitas pesquisas precisarão ser feitas para explicar o atual comportamento dos meios de comunicação no Brasil. Se toda unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues, estamos diante de um caso que já se configura paradigmático. Somente idiossincrasias e preconceitos não explicam a posição da imprensa nesta campanha, posição que não é somente a dos “donos dos jornais”, nem apenas a de alguns e algumas importantes e hiper bem remunerados colunistas, mas a de ampla maioria dos profissionais que se dizem “jornalistas” – todos diplomados. Servem com denodo, dedicação e até alegria aos seus patrões assim com os soldados SS serviam a Hitler... É mais do que meramente “cumprir ordens”. É acreditar nelas. É se querer reconhecido e recompensado por cotidiana, diária, contumaz demonstração de absoluta fidelidade a elas. Nas palavras de Serge Halimi, são os novos “cães de guarda”.

Diante da pergunta, arrisquemos alguma hipótese. Não é possível dissociar o papel político-ideológico da “mídia”, de sua organização enquanto empreendimento capitalista e do seu lugar na reprodução do sistema do capital. E, considerando a condição periférica do capitalismo brasileiro, qualquer reflexão nos obriga a tentar entender o papel dessa “mídia” na reprodução de 500 anos de periferia.

A partir dos anos 1950, em parte devido a forças sociais endógenas mas em boa parte devido à configuração internacional do capitalismo sob liderança econômica, cultural e militar dos Estados Unidos, o Brasil, como muitos outros países, ingressou na época de sua industrialização e urbanização desenvolvimentista. Tratava-se de expandir aqui dentro uma sociedade de consumo similar à estadunidense. No entanto, como as forças econômicas que comandavam essa expansão nos eram externas, a concentração de renda era uma condição sine qua non de exportação de parte do excedente internamente gerado pelo próprio desenvolvimento, daí havendo-se que bloquear as possibilidades de sua melhor distribuição social. A sociedade do consumo a brasileira, ao contrário do que acontecia no “fordismo” estadunidense, não poderia estender-se para todos. Foi essa a natureza do debate, nos anos 1950. Para Celso Furtado e os desenvolvimentistas isebianos de esquerda, nacionalistas por obrigação e opção, a industrialização precisaria, principalmente, servir para a oferta e consumo de bens de salário. Para Roberto Campos e os desenvolvimentistas de direita, entreguistas por opção, a industrialização somente deveria servir para a oferta e consumo de bens “supérfluos”.

Para a “mídia” brasileira periférica, a segunda opção seria natural. Vendendo marcas, estilo de vida, valores consumistas, ascensão social, status, isto é, sustentada pela indústria automobilística, eletro-eletrônica, cosmética e similares estrangeiras, a imprensa se colocaria contra o projeto de desenvolvimento que, nas condições da época, exigiria reter a expansão acelerada do consumo conspícuo, de modo a favorecer, em primeiro lugar, a expansão do consumo básico, daí permitindo a inclusão social da maioria menos favorecida. Ela só podia falar para a classe média consumista, não para os pobres – ou, para estes, somente falava de crimes, através dos famosos jornais “espreme/sai sangue”. Falava para a Zona Sul do Rio de Janeiro; para o Morumbi, em São Paulo. Precisava identificar-se com os temores, preconceitos, senso comum, arrogância, identidade elitista dessa classe média, para conquistar os números de circulação que lhe permitiria angariar anunciantes. Por isso, expressando a maneira de pensar desse seu público, colocava-se radicalmente contra qualquer proposta que pudesse cheirar a “populismo”. E para escrever seus editoriais, suas colunas, suas reportagens podia contar com bons jornalistas egressos cultural e intelectualmente do mesmo meio social. Logo, com os mesmos preconceitos e as mesmas ambições.

Para enfrentar tal fogo de barragem, Getulio Vargas pensou em usar a mesma artilharia. Capitalizou Samuel Wainer para que criasse um jornal de alta qualidade que, na forma, na linguagem, nas seções editoriais se mostrasse similar ao que melhor se poderia fazer na “mídia” de então (inclusive com coluna de “mulher boa”), mas politicamente engajado, seja pelos editoriais, seja por opções na pauta e nos lides, com o seu projeto nacionalista popular. A Última Hora de Wainer obteve um estrondoso sucesso. Em poucos meses, superou a circulação individual dos seus principais concorrentes. Em princípio, pela lógica da audiência, deveria atrair copioso faturamento publicitário. Não atraiu. Foi sempre um empreendimento deficitário apesar do sucesso de público. É que sua fachada de indústria cultural não conseguia disfarçar a sua condição de imprensa política, ao não submeter também o seu conteúdo noticioso e editorial àquilo que a “mídia” (e, no caso, a “mídia” periférica), bem como as agências de publicidade, considerariam “objetivo”, “neutro”, “independente”.

O golpe de 1964 iria consolidar, de vez, essa relação entre uma sociedade de consumo excludente para uma “mídia” exclusiva, e uma “mídia” exclusiva para uma sociedade de consumo excludente. A estreita classe média consumista, encurralada por trás dos muros de seus condomínios de elite apartada, confirmou-se como base econômica, cultural e ideológica de uma “mídia” também estreita, aglomerada em seus poucos e imponentes canais oligopolistas de veiculação. É um mercado onde só cabe uma grande revista semanal de grande circulação; um ou dois jornais importantes nas grandes capitais, quaisquer deles com circulação, convenhamos, ridícula; não mais que 400 livrarias em todo o país vendendo best-sellers e auto-ajuda (o mesmo que existe apenas em Buenos Aires, vendendo livros da melhor qualidade); principalmente, duas ou três grandes redes nacionais de televisão.

E assim deveria seguir o mundo. Pelo menos, o Brasil.

Mas o Brasil decidiu diferente. Por um conjunto grande de fatores, não apenas devido aos dois mandatos de Lula, mas também a eles, o país realmente mudou. Aquela classe média estreita e elitista viu-se superada quantitativa e qualitativamente por uma nova classe média, mais popular pelas suas origens, consumista também, mas desconectada e desinteressada da opinião publicada da grande “mídia”. Finalmente, uma grande massa da população foi incorporada à sociedade de consumo. Mas, talvez até pelos seus defeitos, sobretudo o seu baixo nível educacional e cultural, não foi incorporada à leitura semanal de Veja, nem à diária de O Globo. Ao mesmo tempo, neste preciso instante, emergem novos meios de comunicação, todos eles audiovisuais, como a TV por assinatura, a internet, o “celular”, que atraem essa audiência neoconsumidora para novas formas de produção e consumo de cultura industrial e publicidade. A realidade fabricada por aquela “mídia” parece nada dizer a esta audiência. Sobretudo quando ela insiste em denunciar supostos arrivistas da política, já que, de muitos modos, arrivistas são todos esses neoconsumidores.

A velocidade com que essas mudanças estão se dando na sociedade brasileira pode, realmente, estar ameaçando todo o modelo de negócios de oligopólios que se pretendiam eternos, logo também as relações, carreiras e ambições profissionais a eles endógenas. Parece que foram surpreendidos, tanto as empresas, quanto os seus cães de guarda, sejam os assalariados, sejam os PJs, paridos e educados, todos e todas, na mesma arrogante elite social. Daí o desespero...

Se a hipótese estiver correta, ainda testemunharemos, nos próximos anos, grandes mudanças econômicas e políticas nesta centenária “mídia” nativa. No entanto, a vitória de Dilma Rousseff ou a de José Serra será decisiva no encaminhamento de medidas legais e regulatórias, a esta altura inadiáveis, que definirão o tempo e condições de sobre-vida dos dinossauros mediáticos brasileiros. A “mídia” brasileira parece apostar que Serra será o seu Capitão Spurgeon “Fish” Tanner (Robert Duvall) de “Impacto Profundo”, jogando sua nave contra o meteoro econômico-cultural que lhe ameaça a própria sobrevivência... Só que a história é um processo real, não um roteiro hollywoodiano. 


(Extraído do site www.cartamiaor.com.br)

23 setembro 2010

20/09/2010

O poder corrompe?

Algumas frases que correm soltas e parecem, inclusive pela força da sua formulação, parecer evidentes por si mesmas, se prestam a somar-se à desmoralização da política, das ações coletivas, do Estado, favorecendo, como contrapartida, o individualismo, o egoísmo, o mercado – que busca congregar a todos como indivíduos na sua dimensão de consumidores.

Há poderes corruptos e outros não. Absolutizar é fazer o jogo dos que querem governos e Estados fracos, como os monopólios privados da mídia. Como dizer que “político é corrupto”, que “partidos são tudo a mesma coisa”, que “as pessoas não prestam”, que “todo mundo é egoísta”, “que o mundo não tem jeito”, “que as coisas estão cada vez pior no Brasil e no mundo”.

O senso comum costuma ser a representação popular de grandes preconceitos. Aparece como “verdades” evidentes por si mesmas, que nem precisam demonstração. E camuflam valores muito reacionários. Para isso, precisam naturalizar as coisas, tirando seu caráter histórico.

O poder da ditadura, o do Collor, o do FHC e o do Lula são iguais? Basta se chegar ao poder, para alguém se tornar corrupto? O poder de uma grande potência imperialista, como os EUA, é mais ou menos corrupto que o poder de um país da periferia? O poder de um grande conglomerado econômico transnacional é maior ou menor do que o dos governos?

Uma ONG internacional publica anualmente o ranking do que seriam os governos mais corruptos do mundo. Um deles colocou o o Haiti entre os lideres. Será que o governo do Haiti é mais ou menos corrupto que o governo dos EUA?

Mas o principal problema dessa lista é que ela lista os corruptos, mas não os corruptores, que certamente estão entre as grandes corporações multinacionais. Mas se trata de uma ONG, busca criminalizar os governos e, por dedução, absolver as empresas privadas.

Essa visão criminalizadora da política e do poder sugere que as pessoas são “boas” na “sociedade civil” e quando “entram” para o Estado, para a política, se corrompem. É a visão que sustenta a opinião, tão disseminada, de “quanto menos imposto se paga, melhor”, de que “o seu imposto está sustentando aos burocratas”, etc.

Do que se trata é de historicizar o tema. Há poderes e poderes. Todos eles têm natureza de classe. Mas mesmo nesse marco, há poderes assentados diretamente em organizações populares, em dirigentes com compromisso ideológico com os processos de transformação profunda da realidade.

Senão contribuiríamos para a rejeição da política, deixando para que ela seja feita justamente pelos políticos tradicionais, acostumados a tirar proveitos do Estado e dos governos, a desmoralizar a política.


Escrito por EMIR SADER

Extraído do site www.cartamaior.com 

21 setembro 2010

O efeito colateral da escandalização

Ao terceirizar os ataques a Dilma para a mídia, José Serra tornou-se coadjuvante do processo eleitoral
A escandalização do processo sucessório, na visão de quem a alimenta, deveria ter o poder de levar a disputa presidencial ao segundo turno. Até agora, nada. Tudo pode acontecer a uma semana e meia da eleição, mas as posições dos candidatos parecem mais consolidadas do que em 2006, quando a história dos “aloprados” tirou a vitória de Lula no primeiro turno. As pesquisas mais recentes continuam a apontar Dilma Rousseff na liderança folgada. Se os brasileiros fossem às urnas hoje, a petista teria mais de 56% dos votos válidos.
Há, na verdade, um efeito colateral embaraçoso. O clima de guerra na mídia, totalmente contrastante da bonomia do eleitorado nas ruas, fez de José Serra um coadjuvante na sucessão. Em tese maior beneficiado das denúncias contra o governo e gente próxima à petista, o tucano tornou-se prisioneiro da cobertura midiática. Diariamente é chamado a opinar a respeito, mas suas declarações sempre estão alguns tons abaixo do que escrevem e dizem colunistas e editoriais. Tornaram-se redundantes e dispensáveis, portanto. O assunto que mais o interessava, o da quebra de sigilo fiscal de sua filha Verônica, virou nota de pé de página, enquanto os jornalistas despejam uma cascata de novas acusações diariamente. Há coisas graves e há as insignificantes ou equivocadas, mas todas se unem em um ponto: a incapacidade de ligar diretamente a ação dos acusados à candidatura governista.
Como não há clima para se discutir mais nada, as novas propostas de Serra são jogadas ao vento. Salário mínimo de 600 reais? Reajuste de 10% aos aposentados? Ninguém quer ouvir, por mais que apelem aos desejos “populistas” de uma parcela dos eleitores.
O representante do PSDB, indicam as pesquisas, não ganhou votos com a escandalização do noticiário. Ao contrário. A verde Marina Silva avança sobre uma parcela dos indecisos e sobre parte de eleitores de Serra. No programa eleitoral, o tucano contenta-se em reproduzir as denúncias publicadas na imprensa.
Ao “terceirizar” os ataques, Serra passou a assistir o jogo da arquibancada. Parece, no fundo, que quem disputa as eleições com a candidata governista é a mídia.

Sergio Lirio



Extraído do site www.cartacapital.com.br

19 setembro 2010

Para que o Povo brasileiro se ponha de pé.

 

(Um pouco de História não faz mal à ninguém.)

 


Dentro de poucos dias realizaremos, mais uma vez, eleições em todo o país. Elas coincidirão com o 22º aniversário da promulgação da atual Constituição. Quer isto dizer que já vivemos em plena democracia?

 

Nada mais ilusório. Se o regime democrático implica necessariamente a atribuição de poder soberano ao povo, é forçoso reconhecer que este continua, como sempre esteve, em estado de menoridade absoluta.
Povo, o grande ausente

 

Quando Tomé de Souza desembarcou na Bahia, em 1549, munido do seu famoso Regimento do Governo, e flanqueado de um ouvidor-mor, um provedor-mor, clero e soldados, a organização político-administrativa do Brasil, como país unitário, principiou a existir. Tudo fora minuciosamente preparado e assentado, em oposição ao descentralismo feudal das capitanias hereditárias. Notava-se apenas uma lacuna: não havia povo. A população indígena, estimada na época em um milhão e meio de almas, não constituía, obviamente, o povo do novel Estado; tampouco o formavam os 1.200 funcionários – civis, religiosos e militares – que acompanharam o Governador Geral.

 

Iniciamos, portanto, nossa vida política de modo original: tivemos Estado, antes de ter povo. Quando este enfim principiou a existir, verificou-se desde logo que havia nascido privado de palavra.

 

Foi assim que o Padre Antonio Vieira o caracterizou, no Sermão da Visitação de Nossa Senhora, pregado em Salvador em junho de 1640. Tomando por mote a palavra latina infans, assim discorreu o grande pregador:

 

“Bem sabem os que sabem a língua latina, que esta palavra, infans, infante, quer dizer o que não fala. Neste estado estava o menino Batista, quando a Senhora o visitou, e neste permaneceu o Brasil muitos anos, que foi, a meu ver, a maior ocasião de seus males. Como o doente não pode falar, toda a outra conjectura dificulta muito a medicina. (…) O pior acidente que teve o Brasil em sua enfermidade foi o tolher-se-lhe a fala: muitas vezes se quis queixar justamente, muitas vezes quis pedir o remédio de seus males, mas sempre lhe afogou as palavras na garganta, ou o respeito, ou a violência; e se alguma vez chegou algum gemido aos ouvidos de quem o devera remediar, chegaram também as vozes do poder, e venceram os clamores da razão”.

 

Quase às vésperas de nossa Independência, esse estado de incapacidade absoluta do povo afigurava-se, paradoxalmente, não como um defeito político, mas como uma exigência de ordem pública. Em maio de 1811, o nosso primeiro grande jornalista, Hipólito José da Costa, fez questão de lançar nas páginas do Correio Braziliense, editado em Londres, uma severa advertência contra a eventual adoção no Brasil do regime de soberania popular:

 

“Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece mais do que nós, que essas reformas sejam feitas pelo povo; pois conhecemos as más conseqüências desse modo de reformar; desejamos as reformas, mas feitas pelo governo; e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo.”

 

A nossa independência, que paradoxalmente não foi o resultado de uma revolta do povo brasileiro contra o rei de Portugal, mas, ao contrário, do povo português contra o rei no Brasil, não suscitou o menor entusiasmo popular. O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire pôde testemunhar: “A massa do povo ficou indiferente a tudo, parecendo perguntar como o burro da fábula: – Não terei a vida toda de carregar a albarda ? ”

 

A mesma cena, com personagens diferentes, é repetida 67 anos depois, na proclamação da república. “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava“, lê-se na carta, tantas vezes citada, de Aristides Lobo a um amigo. “Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada.”

 

O disfarce partidário-eleitoral

 

Mas afinal, era preciso pelo menos fazer de conta que o povo existia politicamente. Para tanto, os grupos dominantes criaram partidos e realizaram eleições. Mas tudo sob forma puramente teatral. O povo tem o direito de escolher alguns atores, mas nunca as peças a serem exibidas. Os atores não representam o povo, como proclamam as nossas Constituições. Eles tampouco representam seu papel perante o povo (sempre colocado na platéia), mas atuam de ouvidos atentos aos bastidores, onde se alojam os “donos do poder”.

 

No Império, Joaquim Nabuco qualificava a audácia com que os partidos assumiam suas pomposas denominações como estelionato político. Analogamente no início da República, o fato de a lei denominar oficialmente eleições as “mazorcas periódicas”, como disse Euclides da Cunha, constituia “um eufemismo, que é entre nós o mais vivo traço das ousadias de linguagem”.

 

A Revolução de 1930 foi feita justamente para pôr cobro às fraudes eleitorais. Mas desembocou, alguns anos depois, na ditadura do “Estado Novo”, que suprimiu as eleições, sem no entanto dispensar a clássica formalidade da outorga à nação (já não se falava em povo) de uma nova “Constituição”.

 

Após o término da Segunda Guerra Mundial, em que muitos dos nossos pracinhas tiveram suas vidas ceifadas na luta contra o nazifascismo, fomos moralmente constrangidos a iniciar uma nova vida política, sob o signo da democracia representativa. Mas a legitimidade desta durou pouco tempo. Já em 7 de março de 1947, ou seja, menos de cinco meses depois de promulgada a nova Constituição, o Partido Comunista foi extinto por decisão judicial ( nesta terra, a balança da Justiça sempre cedeu aos golpes da espada). Em fevereiro de 1954, com o “manifesto dos coronéis”, teve início a preparação do golpe militar de 1964. O estopim para deflagrá-lo foi a iminência de que as forças de esquerda chegassem eleitoralmente ao poder e executassem o programa das “reformas de base”, com o desmantelamento econômico da oligarquia.

 

Obviamente, para os nossos grupos dominantes, os cidadãos podem votar como quiserem nas eleições, mas desde que se lembrem de que “nasceram para mandados e não para mandar”, segundo a saborosa expressão camoniana.

 

O regime autoritário, instaurado em 1964 pela caserna, com o apoio do empresariado, dos latifundiários e da Igreja Católica, sob a proteção preventiva do governo norte-americano, reconheceu que a assim chamada “Revolução Democrática” não poderia suprimir as eleições e os partidos. Manteve-os, portanto, mas reduzidos à condição de simples fantoches. Era a “democracia à brasileira”, como a qualificou o General que prendeu o grande Advogado Sobral Pinto. Ao que este retrucou simplesmente: “General, eu prefiro o peru à brasileira”.

 

O regime de terrorismo de Estado foi devidamente lavado pelo Poder Judiciário, que decidiu anistiar, com as lamentações protocolares, os agentes públicos que mataram, torturaram e estupraram milhares de oponentes políticos.

 

Chegamos à fase atual, em que as eleições já não incomodam os oligarcas, porque mantém tudo exatamente como dantes no velho quartel de Abrantes. O povo pode até assistir, indiferente ou risonho, uma campanha presidencial, em que os principais candidatos dão-se ao luxo de não discutir um só projeto ou programa de governo, preferindo ocupar todos os espaços da propaganda oficial com chalaças ou sigilos.

 

Tudo parece, assim, ter entrado definitivamente nos eixos. Um olhar atento para a realidade política, porém, não deixará de notar que a nossa tão louvada democracia carece exatamente do essencial: a existência de um povo soberano.

 

Iniciamos nossa vida política, sem povo. Alcançamos agora a maturidade, como se o povo continuasse politicamente a não existir.

 

Sem dúvida, a Constituição oficial declara, solenemente, que “todo poder emana do povo”, acrescentando que ele o exerce “por meio de representantes eleitos ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único). Mas toda a classe política sabe – e o Poder Judiciário finge ignorar – que na realidade “todo poder emana dos grupos oligárquicos, que o exercem em nome do povo, por meio dos representantes por este eleitos”.

 

Daí a questão inevitável: o que fazer para mudar esse triste estado de coisas?

 

A emancipação política do povo brasileiro

 

É preciso atacar desde logo o ponto principal.

 

A soberania, na Idade Moderna, consiste, antes de tudo, em aprovar a Lei das Leis, isto é, a Constituição. Trata-se de uma prerrogativa que só pode ser exercida diretamente. Quem delega o seu exercício a outrem está, na realidade, procedendo à sua alienação. O chamado “poder constituinte derivado” é, portanto, um claro embuste.

 

Ora, neste país, Constituição alguma, em tempo algum, jamais foi aprovada pelo povo. Todas elas foram votadas e promulgadas por aqueles que se diziam, abusivamente, representantes do povo; quando não foram simplesmente decretadas pelos ocupantes do governo.

 

O mesmo ocorre com as emendas constitucionais. A Constituição Federal em vigor, por exemplo, já foi emendada (ou remendada) 70 (setenta) vezes em 22 anos; o que perfaz a apreciável média de mais de 3 emendas por ano. Em nenhuma dessas ocasiões, o povo foi convocado para dizer se aceitava ou não tais emendas.

 

 

Isto, sem falar no fato absurdo de que a Constituição Federal, ao contrário de várias Constituições Estaduais, não admite a iniciativa popular de emendas ao seu texto.

 

É preciso, pois, começar a reforma política (alguns preferem dizer a “Revolução”), reservando ao povo o poder nuclear de toda soberania. No nosso caso, ele consiste em aprovar, diretamente, não só a Constituição Federal, como também as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais, bem como suas subsequentes alterações respectivas.

 

Em segundo lugar, é indispensável reconhecer ao povo o direito de decidir, por si mesmo, mediante plebiscitos e referendos, as grandes questões que dizem respeito ao bem comum de todos. A Constituição Federal  declara, em seu art. 14, que o plebiscito e o referendo, tal como o sufrágio eleitoral, são formas de exercício da soberania popular. Mas determina, no art. 49, inciso XV, que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar plebiscitos e convocar referendos”. Ou seja, o mandante somente pode manifestar validamente a sua vontade, se houver concordância dos mandatários. Singular originalidade do direito brasileiro!

 

Para corrigir esse despautério, a Ordem dos Advogados do Brasil, por proposta do autor destas linhas, apresentou anteprojetos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal (transformados no projeto de lei nº 4.718/2004 na Câmara dos Deputados e projeto de lei nº 001/2006 no Senado), pelos quais o plebiscito e o referendo podem ser realizados mediante iniciativa do próprio povo, ou por requerimento de um terço dos membros da Câmara ou do Senado.

 

A proposta da OAB procurou harmonizar os dispositivos antagônicos da Constituição Federal, interpretando a autorização e a convocação de plebiscitos e referendos, pelo Congresso Nacional, como atribuições meramente formais e não de mérito.

 

Previram ainda os anteprojetos da OAB novos casos de obrigatoriedade na realização de plebiscitos e referendos.

 

Assim é que, para impedir a repetição da “privataria” do governo FHC, passaria a ser obrigatório o plebiscito para “a concessão, pela União Federal, a empresas sob controle direto ou indireto de estrangeiros, da pesquisa e da lavra de recursos minerais e do aproveitamento de potenciais de energia hidráulica”; bem como para a concessão administrativa, pela União, de todas as atividades ligadas à exploração do petróleo.

 

Quanto aos referendos, a fim de evitar o absurdo da legislação eleitoral em causa própria, determinam os projetos de lei citados a obrigatoriedade de serem referendadas pelo povo todas as leis sobre matéria eleitoral, cujo projeto não tenha sido de iniciativa popular.

 

Inútil dizer que tais projetos de lei acham-se devidamente paralisados e esquecidos em ambas as Casas do Congresso.

 

Para completar o quadro de transformação da soberania popular retórica em poder supremo efetivo, tive também ocasião de propor duas medidas indispensáveis em matéria eleitoral. De um lado, o financiamento público das campanhas; de outro lado, a introdução do recall ou referendo revocatório de mandatos eletivos, proposta também pela OAB e objeto da emenda constitucional nº 073/2005 no Senado Federal. Assim, o povo assumiria plenamente a posição de mandante soberano: ele não apenas elegeria, mas também teria o direito de destituir diretamente os eleitos. Para os que se assustam com tal “excesso”, permito-me lembrar que o recall já existe e é largamente praticado em 19 Estados da federação norte-americana.

 

Não sei se tais medidas tornar-se-ão efetivas enquanto eu ainda estiver neste mundo. O que sei, porém, com a mais firme das convicções, é que sem elas o povo brasileiro continuará a viver “deitado eternamente em berço esplêndido”, sem condições de se pôr de pé, para exigir o respeito devido à sua dignidade.



Fábio Konder Comparato  (*)

(*) Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

PENSAMENTOS DO DIA

"Se der ao seu cérebro a mesma atenção que dá ao seu cabelo, você
poderá ser uma pessoa mil vezes melhor." - Malcom X -

"Toda a diferença entre um louco e um sábio é que o primeiro obedece às
paixões e o segundo à razão." - Erasmo de Roterdã -

O CASO LUNUS: A VERDADE DOS FATOS.

(Para reavivar a memória e conhecer os " métodos" do Sr. José Serra.)



Seria apenas risível, não fosse, antes de tudo, muito grave, o surgimento de uma nova e alucinada versão sobre a operação da Polícia Federal, deflagrada em março de 2002, que resultou na apreensão de 1,3 milhão de reais na sede da construtora Lunus, em São Luís, no Maranhão. A empresa, de propriedade da governadora Roseana Sarney (PMDB) e do marido dela, Jorge Murad, tornou-se o epicentro de uma crise política que modificou os rumos da campanha eleitoral de 2002, justamente quando a direita brasileira parecia capaz de emplacar, finalmente, um candidato puro-sangue com real chance de chegar à Presidência da República. Na época, Roseana Sarney era do PFL, atual DEM, e resplandecia numa eficiente campanha de mídia como exemplo de mulher corajosa, determinada e, sobretudo, competente. Resguardada pelo poder do pai, o senador José Sarney (PMDB-AP), e pela aliança pefelista que sustentava o governo Fernando Henrique Cardoso, Roseana sonhou, de fato, em tornar-se a candidata da situação contra Luiz Inácio Lula da Silva.

O desejo da família Sarney de retornar ao Palácio do Planalto revelava, em primeiro plano, o absoluto descolamento da realidade de um clã provinciano e truculento, incapaz de perceber o mundo além das fronteiras do Maranhão. Por outro lado, revelava, ainda, total desconhecimento dos métodos e da sanha de seu verdadeiro adversário, o tucano José Serra, empenhado em ser candidato pelo PSDB a qualquer custo. Serra, ao contrário de Roseana, tinha montado uma máquina de moer inimigos a partir de um “núcleo de inteligência” instalado na antiga Central de Medicamentos (CEME) do Ministério da Saúde, comandada pelo delegado da PF Marcelo Itagiba, atual deputado federal pelo PSDB. Itagiba, no entanto, era apenas o ponto de contato entre Serra a direção-geral da corporação, então nas mãos de outro tucano, o delegado Agílio Monteiro Filho, que chegou a se candidatar, sem sucesso, à Câmara dos Deputados, em 2002, também pelo PSDB. Em 2007, o delegado foi nomeado ouvidor-geral adjunto do Estado de Minas Gerais, uma espécie de ombudsman paroquial, pelo governador Aécio Neves. Um prêmio de consolação, convenhamos, para lá de meia-boca.

Agílio Monteiro Filho comandou de longe uma operação montada em bases políticas, dentro do Palácio do Planalto, com o aval do presidente Fernando Henrique e de seu candidato à sucessão, José Serra. Imputar esse fato ao PT e, mais incrivelmente, a Lula, quase uma década depois do ocorrido, só se justifica pela insana caminhada de parte da mídia ao precipício, onde também se pretende jogar a memória nacional e a inteligência alheia, para ficarmos em termos brandos. O depoimento do tal sindicalista Wagner Cinchetto à revista Veja, como parte da série “grandes entrevistas de dedos-duros do mundo sindical”, tem a pretensão de transformar fatos concretos e apurados numa versão aloprada baseada, unicamente, nos valores invertidos do mundo bizarro em que se transformou boa parte da imprensa brasileira. Trata-se de caso explícito de abandono completo da regras básicas do jornalismo, mesmo a mais primária, a de pesquisar, com um google que seja, aquilo que já foi escrito a respeito.

Digo isso porque, quando da deflagração da Operação Lunus, eu era repórter do Jornal do Brasil, em Brasília, e fui destacado para descobrir os bastidores daquela sensacional ação policial que, inusitadamente, havia sido comemorada tanto pelo Palácio do Planalto como pela oposição petista. Eu tinha boas fontes na Polícia Federal, tanto em Brasília como no Maranhão, e desde as primeiras horas da notícia fui alertado de que, embora a grana dos Sarney fosse mesmo suja, a operação da PF tinha sido armada para detonar Roseana Sarney. Outro que foi avisado cedo sobre o assunto foi o próprio José Sarney. Furibundo, o chefe do clã iniciou um movimento político que resultou em uma de suas raras dissidências governistas e em um ódio paternal profundo pela figura de José Serra.

Na ponta da Operação Lunus estava o delegado Paulo Tarso de Oliveira Gomes, atual adido policial nos Estados Unidos, nomeado pelo diretor-geral da PF, delegado Luiz Fernando Corrêa, imagina-se, por bons serviços prestados à corporação. Gomes era um homem de confiança de Agílio Monteiro Filho e, portanto, do PSDB. A chance de haver alguma ligação dele com o PT ou Lula é a mesma de Marcelo Itagiba se tornar ministro da Justiça em um eventual governo Dilma Rousseff. Ou seja, zero. Jamais houve, contudo, o tal telefonema para o Palácio do Planalto feita por Gomes para avisar FHC do sucesso da empreitada. O delegado Paulo Tarso Gomes enviou, isso sim, de dentro do escritório da Lunus, um fax para o Palácio da Alvorada, à noite, onde o presidente Fernando Henrique, ansioso e de pijamas, aguardava notícias sobre a ação. O texto anunciava a missão cump rida. Foi uma matéria minha, no JB de 2 de março de 2002, que revelou a armação.

Eu soube do fax porque, à época, consegui acessar os dados da companhia telefônica do Maranhão e me deparei com o grau de amadorismo da ação. Incrivelmente, o delegado-chefe da operação, no afã de mostrar serviço, nem esperou voltar para o hotel em São Luís para dar as boas novas a FHC: passou um fax de dentro da empresa investigada! Os números, tanto do telefone da Lunus, como do Palácio da Alvorada, foram registrados pela telefônica e, um dia depois, também foram estampados pelo Jornal do Brasil, a tempo de desmentir uma versão montada às pressas, na assessoria de imprensa da PF, que chegou a apresentar um fax falso para evitar a desmoralização da operação. Tudo isso poderia ter sido checado, sobretudo na Editora Abril, haja vista que o editor-chefe do jornal, que participou diretamente da edição das matérias, era o jornalista Augusto Nun es, atualmente, um dos colunistas da revista Veja.

Mais uma coisinha que ninguém se lembra de falar quando se trata da Operação Lunus: embora tenha sido um sucesso político para os tucanos, foi um fracasso total para a Polícia Federal. Um ano depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou, por falta de provas, o processo contra Roseana Sarney decorrente da ação da PF.

No fim das contas, o neoarrependido Wagner Cinchetto nada mais é o do que um dos cachorros loucos liberados pela mídia neste agosto eleitoral. Ao imputar a Lula e ao PT a tucaníssima Operação Lunus, o sindicalista conseguiu apenas consolidar essa impressão terrível, que cresce com a proximidade das eleições, de que os ventos da derrota não trazem, definitivamente, bons conselhos aos candidatos.

ESPANTO E PAVOR. EM MARTE.

Dilma e o PT vão mexicanizar o Brasil? CartaCapital prevê, pelo contrário, um avanço democrático
Estão na ribalta um candidato a Mussolini, ou a Hitler, ou a ambos, e uma assassina de criancinhas. Ou seja, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Palavras de Fernando Henrique Cardoso, Rodrigo Maia e Mônica Serra. Um alienígena que baixasse à Terra ficaria entre o espanto e o pavor. Quanto a nós, brasileiros, não é o caso de maiores preocupações.
No caso de Lula, cujo estilo mussoliniano o príncipe dos sociólogos aponta, vale admitir que outra citação possível seria a de Luís XIV, personificava o poder todo. “O Estado sou eu”, dizia o monarca por direito divino. Pois segundo FHC, o presidente afirma, nas entrelinhas da sua atuação, “eu sou tudo e quero o poder total”. E isto “não pode”, proclama o ex, com aquela riqueza vocabular que o caracteriza.
Rodrigo Maia percebe outra semelhança, com Hitler, o qual pretendia “extirpar” a raça judia assim como Lula pretende “extirpar” a gente do DEM. Quanto a Dilma Rousseff, a própria mulher do candidato tucano à Presidência, Mônica, enxerga nela, favorável ao aborto, uma matadora de criancinhas. O que talvez soe estranho a ouvidos qualificados para um debate sério sobre a questão, mas casa à perfeição com vetustas ideias pelas quais mastigar bebês era praxe entre comunistas.
A mídia nativa desfralda estas patéticas definições da lavra dos cabos eleitorais de seu candidato enquanto tenta transformar o Caso Erenice em escândalo de imensas proporções. O enredo suscitado pela quebra de certos sigilos passa para o segundo plano, mas ninguém se surpreenda se for ressuscitada a versão da “guerrilheira terrorista Dilma”, capaz de violências inauditas de arma na mão. A revista Veja está aí para estas coisas, enquanto a Folha de S.Paulo reedita na tevê um velho anúncio disposto a evocar Hitler para concluir, à moda fernandista, que algumas verdades constroem uma mentira.
Permito-me anotar que a reportagem de Veja sobre as traquinagens do filho de Erenice Guerra conta uma história, lamentável, de nepotismo e clientelismo, problema gravíssimo da política brasileira em todos os tempos. Aspecto comum, e condenabilíssimo, dos comportamentos de um poder sempre inclinado a instalar cabides de emprego e traficar influências. Certo é, contudo, que a nau capitânia da frota da Editora Abril não consegue provar a ligação entre os fatos denunciados e a campanha de Dilma Rousseff.
Sempre falta algo para fechar o círculo. A despeito, até, de José Dirceu, com sua mania de protagonismo. É dele uma observação cometida por ocasião de uma palestra para petroleiros baianos. Disse ele que o PT depois da vitória de Dilma no primeiro turno vai ficar muito mais forte, hegemônico mesmo. Nada tão estimulante, digamos, para Dora Kramer, em nova apresentação do seu penteado.
Regala-se a colunista, a ponto de anunciar que Lula “quer eliminar da política a possibilidade da oposição”. Ela atende a demandas e convicções da minoria branca, à espera da mexicanização do Brasil, via transformação do PT em PRI, sem contar as soturnas intenções de manietar de vez a nossa indomável imprensa. CartaCapital, como de hábito supõe outros desfechos de um pleito disputado pela atual oposição de forma nunca dantes praticada, em termos de hipocrisias, falsidades e baixezas.
Somos otimistas. Acreditamos que a gestão Lula e Dilma precipitará finalmente o surgimento de uma oposição não golpista, ao contrário da atual, golpistas até a medula, a mesma que, com iguais propósitos, foi situação. Das cinzas do desastre tucano nascerá, esta a aposta, um avanço democrático decisivo. Lula, com seus dois mandatos, é o elemento fatal do enredo, acima e além de alguns méritos do seu governo. O Brasil precisa superar, agora, e superará, uma quadra que ainda o viu tolhido pela presença do partido do golpe, entendido como garantia do privilégio e sustentado pela mídia, seu braço direito e porta-voz.
CartaCapital percebe os sinais, nem tão tímidos, da mudança em andamento. Concordamos com José Dirceu quando defende a liberdade de imprensa. Mas a questão é outra: esta mídia é visceralmente antidemocrática, embora nem por isso deva ser coibida. Está a ser punida, aliás, e de outra maneira: prova-se, já há algum tempo, que não alcança o público na sua maioria. Tal é a nossa convicção, a mudança se dará naturalmente. E por este trilho, a mídia nativa vai perder o emprego.
[republicada às 23h04]

Os jornalistas tucanos, por Marcos Coimbra


Quando, no futuro, for escrita a crônica das eleições de 2010, procurando entender o desfecho que hoje parece mais provável, um capítulo terá de ser dedicado ao papel que nelas tiveram os jornalistas tucanos.
Foram muitas as causas que concorreram para provocar o resultado destas eleições. Algumas são internas aos partidos oposicionistas, suas lideranças, seu estilo de fazer política. É bem possível que se saíssem melhor se tivessem se renovado, mudado de comportamento. Se tivessem permitido que novos quadros assumissem o lugar dos antigos.
Por motivos difíceis de entender, as oposições aceitaram que sua velha elite determinasse o caminho que seguiriam na sucessão de Lula. Ao fazê-lo, concordaram em continuar com a cara que tinham em 2002, mostrando-se ao País como algo que permanecera no mesmo lugar, enquanto tudo mudara. A sociedade era outra, a economia tinha ficado diferente, o mundo estava modificado. Lula e o PT haviam se transformado. Só o que se mantinha intocada era a oposição brasileira: as mesmas pessoas, o mesmo discurso, o mesmo ar perplexo de quem não entende por que não está no poder.
Em nenhum momento isso ficou tão claro quanto na opção de conceder a José Serra uma espécie de direito natural à candidatura presidencial (e todo o tempo do mundo para que confirmasse se a desejava). Depois, para que resolvesse quando começaria a fazer campanha. Não se discutiu o que era melhor para os partidos, seus militantes, as pessoas que concordam com eles na sociedade. Deram-lhe um cheque em branco e deixaram a decisão em suas mãos, tornando-a uma questão de foro íntimo: ser ou não ser (candidato)?
Mas, por mais que as oposições tivessem sido capazes de se renovar, por mais que houvessem conseguido se libertar de lideranças ultrapassadas, a principal causa do resultado que devemos ter é externa. Seu adversário se mostrou tão superior que lhes deu um passeio.
Olhando-a da perspectiva de hoje, a habilidade de Lula na montagem do quadro eleitoral de 2010 só pode ser admirada. Fez tudo certo de seu lado e conseguiu antecipar com competência o que seus oponentes fariam. Ele se parece com um personagem de histórias infantis: construiu uma armadilha e conduziu os ingênuos carneirinhos (que continuavam a se achar muito espertos) a cair nela.
Se tivesse feito, nos últimos anos, um governo apenas sofrível, sua destreza já seria suficiente para colocá-lo em vantagem. Com o respaldo de um governo quase unanimemente aprovado, com indicadores de performance muito superiores aos de seus antecessores, a chance de que fizesse sua sucessora sempre foi altíssima, ainda que as oposições viessem com o que tinham de melhor.
Entre os erros que elas cometeram e os acertos de Lula, muito se explica do que vamos ter em 3 de outubro. Mas há uma parte da explicação que merece destaque: o quanto os jornalistas tucanos contribuíram para que isso ocorresse.
Foram eles que mais estimularam a noção de que Serra era o verdadeiro nome das oposições para disputar com Dilma Rousseff. Não apenas os jornalistas profissionais, mas também os intelectuais que os jornais recrutam para dar mais “amplitude” às suas análises e cobertura.
Não há ninguém tão dependente da opinião do jornalista tucano quanto o político tucano. Parece que acorda de manhã ansioso para saber o que colunistas e comentaristas tucanos (ou que, simplesmente, não gostam de Lula e do governo) escreveram. Sabe-se lá o motivo, os tucanos da política acham que os tucanos da imprensa são ótimos analistas. São, provavelmente, os únicos que acham isso.
Enquanto os bons políticos tucanos (especialmente os mais jovens) viam com clareza o abismo se abrir à sua frente, essa turma empurrava as oposições ladeira abaixo. Do alto de sua incapacidade de entender o eleitor, ela supunha que Serra estava fadado à vitória.
Quem acompanhou a cobertura que a “grande imprensa” fez destas eleições viu, do fim de 2009 até agora, uma sucessão de análises erradas, hipóteses furadas, teses sem pé nem cabeça. Todas inventadas para justificar o “favoritismo” de Serra, que só existia no desejo de quem as elaborava.
Se não fossem tão ineptas, essas pessoas poderiam, talvez, ter impulsionado as oposições na direção de projetos menos equivocados. Se não fossem tão arrogantes, teriam, quem sabe, poupado seus amigos políticos do fracasso quase inevitável que os espera.

17 setembro 2010

PENSAMENTO DO DIA:

"A linguagem política foi desenhada para fazer a mentira soar como verdade,
o assassinato respeitável e dar solidez ao vento". - George Orwell.

13/09/2010

O voto é um direito ou dever?

A cada tanto tempo, cansada de ser derrotada pelo voto popular,
a elite retoma a tese contra o voto obrigatório. Se todo mundo vota,
aumentam sempre as possibilidades dela ser derrotada. O candidato
tucano retoma a tese. Nós republicamos um artigo sobre o tema.

VOTO: DIREITO OU DEVER?

A cada tanto tempo, o tema reaparece: como o voto, de um direito se transformou em um dever? Reaparecem as vozes favoráveis ao voto facultativo.

A revista inglesa The Economist chegou, em artigo recente, a atribuir à obrigatoriedade do voto, as desgraças do liberalismo. Partindo do supostos – equivocado – de que os dois principais candidatos à presidência do Brasil seriam estatistas e antiliberais, a revista diz que ao ser obrigado a votar, o povo vota a favor de mais Estado, porque é quem lhe garante direitos.

Para tomar logo um caso concreto de referência, nos Estados Unidos as eleições se realizam na primeira terça-feira de novembro, dia de trabalho – dia “útil”, se costuma dizer, como se o lazer, o descanso, foram inúteis, denominação dada pelos empregadores, está claro -, sem que sequer exista licença para ira votar, dado que o voto é facultativo. O resultado é que votam os de sempre, que costumam dar maioria aos republicanos, aos grupos mais informados, mais organizados, elegendo-se o presidente do pais que mais tem influência no mundo, por uma minoria de norteamericanos. Costumam não votar, justamente os que mais precisam lutar por seus direitos, os mais marginalizados: os negros, os de origem latinoamericana, os idosos, os pobres, facilitando o caráter elitista do sistema político norteamericano e do poder nos EUA.

O voto obrigatório faz com que, pelo menos uma vez a cada dois anos, todos sejam obrigados a interessar-se pelos destinos do país, do estado, da cidade, e sejam convocados a participar da decisão sobre quem deve dirigir a sociedade e com que orientação. Isso é odiado pelas elites tradicionais, acostumadas a se apropriar do poder de forma monopolista, a quem o voto popular “incomoda”, os obriga a ser referendados pelo povo, a quem nunca tomam como referência ao longo de todos os seus mandatos.

Desesperados por serem sempre derrotados por Getúlio, que era depositário da grande maioria do voto popular, a direita da época – a UDN – chegou a propugnar o voto qualitativo, com o argumento de que o voto de um médico ou em engenheiro – na época, sinônimos da classe média branca do centro-sul do país – tivesse uma ponderação maior do que o voto de um operário – referência de alguém do povo na época.

O voto obrigatório é uma garantia da participação popular mínima no sistema político brasileiro, para se contrapor aos mecanismos elitistas das outras instâncias do poder no Brasil.


Emir Sader

DEBATE ABERTO

Os escândalos políticos midiáticos

Não seria exatamente a tentativa de controlar a esfera propriamente política o último recurso que a grande mídia – declaradamente oposicionista pela voz da presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) – estaria a exercer na construção de escândalos políticos midiáticos a poucas semanas das eleições?
Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Tão logo as pesquisas revelaram que uma das candidatas à presidência da República havia atingido índices de intenção de voto difíceis de serem revertidos, e que os resultados indicavam a possibilidade de decisão ainda no primeiro turno, a grande mídia e seus "formadores de opinião" reagiram prontamente. Insistiram eles que fatos novos poderiam ocorrer e que ainda era muito cedo para cantar vitória.

Um exemplo: sob o título "Festa na véspera", a principal colunista de economia do jornal O Globo escreveu em sua coluna "Panorama Econômico" do dia 31 de agosto:

"Então é isso? Uma eleição cuja campanha começou antes da hora acabou antes que os votos sejam depositados na urna? (...) Fala-se do futuro como inexorável. O quadro está amplamente favorável a Dilma Rousseff, mas é preciso ter respeito pelo processo eleitoral. Se pesquisa fosse voto, era bem mais simples e barato escolher o governante."

Simultaneamente, a poucas semanas do primeiro turno das eleições, os jornalões, a principal revista semanal e a principal rede de televisão abriram fartos espaços para a divulgação de "escândalos" com a óbvia intenção de atingir a reputação pública da candidata favorita.

O primeiro, diz respeito a vazamento de informações sigilosas da Receita Federal ocorridos em setembro de 2009 [antes, portanto, da escolha oficial dos candidatos e do início da campanha eleitoral]. O "escândalo" foi imediatamente comparado com o caso Watergate, que levou à renúncia o presidente dos EUA Richard Nixon, em 1974, e também à prisão de integrantes do PT em hotel de São Paulo, em 2006. A narrativa midiática logo passou a referir-se a ele como "Aloprados II" e/ou "Receitagate".

O segundo, que surge tão logo o primeiro parece não ter atingido os objetivos esperados, faz um incrível malabarismo ao tentar incriminar a candidata favorita através de ações de lobby e tráfico de influência atribuídos ao filho de sua ex-auxiliar. Um exemplo: a manchete de primeira página da Folha de S.Paulo de domingo (12/9): "Filho do braço direito de Dilma atua como lobista".

O que estaria acontecendo na grande mídia brasileira?

Controle e dinâmica
Em abril de 2006, no correr da "crise do mensalão", escrevi neste Observatório [ver "Escândalos midiáticos no tempo e no espaço"] sobre o conceito de "escândalo político midiático" (EPM) desenvolvido pelo professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, John B. Thompson, em seu aclamado O escândalo político – Poder e visibilidade na era da mídia (Vozes, 1ª edição, 2002).

O momento é oportuno para retomar os ensinamentos de Thompson.

Os EPM surgem historicamente no contexto do chamado jornalismo investigativo, combinado com o crescimento da mídia de massa e a disseminação das tecnologias de informação e comunicação. E, sobretudo, no quadro das profundas transformações que ocorreram na natureza do processo político, ainda dependente, em grande parte, da mídia tradicional. Envolve indivíduos ou ações situados dentro de um campo ligado à aquisição e ao exercício do poder político através do uso, dentre outros, do poder simbólico. Fundamentalmente, o exercício do poder político depende do uso do poder simbólico para cultivar e sustentar a crença na legitimidade.

O poder simbólico, por sua vez, refere-se à capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as ações e crenças de outros e também de criar acontecimentos, através da produção e transmissão de formas simbólicas. Para exercer esse poder, é necessário a utilização de vários tipos de recursos, mas, basicamente, usar a grande mídia, que produz e transmite capital simbólico – vale dizer, controla a visibilidade pública. A reputação, por exemplo, é um aspecto do capital simbólico, atributo de um indivíduo ou de uma instituição. O que está em jogo, portanto, num EPM é o capital simbólico do político, sobretudo sua reputação.

Como a grande mídia se tornou a principal arena em que as relações do campo político são criadas, sustentadas e, ocasionalmente, destruídas, a apresentação e repercussão dos EPM não são características secundárias ou acidentais. Ao contrário, são partes constitutivas dos próprios EPM.

Escândalo político midiático, portanto, é o evento que implica a revelação, através da mídia, de atividades previamente ocultadas e moralmente desonrosas, desencadeando uma seqüência de ocorrências posteriores. O controle e a dinâmica de todo o processo deslocam-se dos atores inicialmente envolvidos para os jornalistas e para a mídia.

Jogo de poder
Na verdade, a grande mídia ainda detém um enorme poder de legitimar a esfera propriamente política através do tipo de visibilidade pública que a ela oferece. Os atores da esfera política dependem de visibilidade na esfera midiática para se elegerem e/ou se manterem no poder. Através desse poder, próprio da esfera midiática, a grande mídia tenta submeter e controlar o processo político, em particular os processos eleitorais. É aí que surgem os EPM.

Não seria exatamente a tentativa de controlar a esfera propriamente política o último recurso que a grande mídia – declaradamente oposicionista pela voz da presidente da ANJ – estaria a exercer na construção de EPM a poucas semanas das eleições?

Será que o Brasil de 2010 é o mesmo de 2006, quando tentativa semelhante levou as eleições presidenciais para o segundo turno?

O que está realmente em jogo é o poder da mídia tradicional – e, por óbvio, dos grupos dominantes do setor – em tempos de profundas transformações nas comunicações. Em tempos de internet.

Quem viver verá.

Fatos e versões


Nas eleições, como em tudo na vida, uma coisa são os fatos, outra as versões. E, nem sempre, aqueles são mais importantes. Na luta política, uma versão bem defendida vale mais que muitos fatos.
Uma vitória, por exemplo, pode ficar parecida a uma derrota, de tão diminuída e apequenada. Depende do que sobre ela se diz. Por maior e mais extraordinária que seja, os derrotados podem se vingar, ganhando a batalha das versões. Os vitoriosos, em vez de comemorar e receber elogios, ficam na posição de se explicar, se defender. Os perdedores lhes roubam a cena.
Neste fim de campanha eleitoral, à medida que nos aproximamos da data da eleição, a perspectiva de uma vitória de Dilma por larga margem só tem aumentado. Ao que tudo indica, ela vai conseguir o que Lula não conseguiu em nenhuma das eleições que disputou: ganhar no primeiro turno. A crer nos números das pesquisas, ela está prestes a alcançar, já em 3 de outubro, a votação que ele obteve apenas no segundo turno de 2006, quando chegou a 60% dos votos válidos. Não é nada, não é nada, Dilma tem tudo para se tornar, daqui a três semanas, a pessoa mais votada de nossa história.
Enquanto a eleição real avança, a guerra de narrativas sobre seu provável resultado está em curso. De um lado, a que é formulada pelas forças políticas e as correntes de opinião que não conseguiram apoio na sociedade para levar seu candidato à vitória. Do outro, a dos vencedores.
Paradoxalmente, são os prováveis derrotados na batalha eleitoral real que estão em vantagem na briga das versões. Vão perder, ao que parece, na contagem dos votos, mas têm, pelo menos por enquanto, o consolo de fazer que sua interpretação prevaleça.
É o oposto daquilo que o professor Edgar de Decca, da Unicamp, caracterizou há alguns anos. Escrevendo sobre a Revolução de 1930, ele mostrou que ela entrou para nossa história através da narrativa daqueles que a venceram. Tudo aquilo pelo qual se bateram os derrotados foi ignorado ou desconsiderado. Sobre aquele movimento, nossa historiografia só nos conta a versão dos vencedores. Ninguém mais se lembra do que queria o outro lado. Impôs-se a ele “o silêncio dos vencidos”.
Em 2002, Lula e o PT venceram tanto a eleição quanto a batalha das versões. Quando o resultado objetivo foi proclamado, estava pronto um
discurso: era “a vitória da esperança sobre o medo” e o Brasil podia sentir orgulho de sua própria coragem ao colocar na Presidência um metalúrgico. Ninguém deslegitimou o que as urnas disseram.
Se Lula começasse seu segundo mandato depois de uma apertada vitória sobre Alckmin no primeiro turno da eleição de 2006, seria complicado livrar-se da interpretação de que, depois do mensalão, havia diminuído de tamanho. Mas, no segundo turno, cresceu tanto que até seus detratores tiveram que reconhecer que nada indicava que fosse essa a realidade.
Agora, na véspera do que todos calculam ser a eleição de Dilma, está sendo elaborada uma versão que a reduz. Nela, a vitória é apresentada como um misto de manipulação (“usaram o Bolsa Família para comprar o voto dos miseráveis”), ilegalidade (“Lula passou por cima de nossa legislação eleitoral”) e jogo sujo (“montaram um fábrica de dossiês para derrotar José Serra”).
Nesse tipo de combate, não faz a menor diferença se algo é verdade ou não. Como é apenas uma guerra de versões, o que conta é falar alto. Quem tem meios de comunicação (jornais, revistas, emissoras de televisão) à disposição para propagandear seus argumentos, sempre leva vantagem. Pode até ganhar.
Que importa se apenas 20% do voto de Dilma vem de eleitores em cujo domicílio alguém recebe o benefício (ou seja, que ela tem votos suficientes para ganhar no primeiro turno ainda que esses fossem proibidos de votar)? Que importa se nossas leis são tão inadequadas que até uma passeata de humoristas a modifica? Que importa se nada do resultado da eleição pode ser debitado a qualquer dossiê, existente ou imaginado?
Mas fatos são sempre fatos. E as versões, por mais insistentes que sejam, não os modificam. Ganha-se no grito, mas perde-se no voto. Lá na frente, os fatos terminarão por se impor.
Matéria origalmente publicada no Correio Braziliense

Marcos Coimbra

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense.

05 setembro 2010

Corvos pregam golpe - como sempre

A direita sempre foi derrotada por Getúlio. Em 1930, pelo movimento popular que deu inicio ao Brasil moderno. Em 1945, o candidato de Getúlio derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes, o próprio Getúlio o derrotou em 1950 e JK, com o mesmo bloco de forças de Getúlio, depois da sua morte, derrotou o general Juarez Távora.


Significativamente a direita sempre apelou para militares. Era o seu espaço de oposição – o Clube Militar, os quartéis. E sempre perdeu. Ia perder de novo em 1960, de novo com um militar de origem, Juracy Magalhães – que foi o primeiro ministro de relações exteriores da ditadura, autor da frase “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, avô de dirigente tucano baiano -, mas apelou para um aventureiro, de fora dos seus quadros – Jânio. Ganhou, com o símbolo da vassoura e o lema do “Tostão contra o milhão”, mas não levou , como se sabe.

Sempre que perdeu, a direita – que tinha no corvo-mor, Carlos Lacerda, seu principal expoente – apela para conclamar os militares para o golpe. A famosa afirmação de Lacerda: “Juscelino não pode ser candidato. Se for, não pode ganhar. Se ganhar, não pode tomar posse. Se tomar posse, deve ser derrubado.”, expressa, em estado puro o golpismo da direita dos corvos.

Hoje os militares não se prestam para isso e os corvos contemporâneos apelam para o Judiciário, na busca desesperada de impugnar a candidatura vitoriosa da Dilma. E a Marina se soma a esse coro. (Ninguém mais que se julgue de esquerda, progressista, democrático, pode continuar a apoiar a Marina, quando ela se revela abertamente de direita, golpista.)

Nada de surpreendente. Uma direita dirigida por jornais corvos só poderia desembocar no golpismo. Tentar ganhar no tapetão ou tentar desqualificar o processo eleitoral – ultimo apelo da tucanalhada. Perderão como perderam sempre contra o Getúlio, contra o JK e contra o Lula. Fim melancólico de um partido que se pretendia social democrata, implantou o neoliberalismo no Brasil e terminou como corvo golpista.




- Escrito pelo jornalista e professor universitário Emir Sader.
- Transcrito do site Carta Maior - http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=531

Hipóteses para o caso do vazamento.

Do Blog do Nassif




Há várias hipóteses para o episódio do vazamento das declarações de renda. Uma delas, que os autores tenham sido "aloprados". Outra, que tenha sido fruto de brigas intestinas no próprio PSDB. Uma terceira, que seria uma manobra da própria inteligência de José Serra, visando contrabalançar os efeitos das investigações do jornalista Amaury Ribeiro Junior.

Em relação às duas últimas hipóteses, o relato abaixo me pareceu o mais embasado. Ontem à noite estive com um velho amigo, jornalista mineiro amigo de Andrea Neves. Ele me contou de conversas que teve com ela algum tempo atrás e de sua indignação com manobras de São Paulo visando comprometer a candidatura de Aécio.

O relato confirma a segunda hipótese. A terceira hipótese entra no texto como fruto de deduções. Mas é bastante verossímil - o que não significa necessariamente que seja verdadeira.

A CRONOLOGIA DA BALA DE PRATA

Por Alberto Bilac de Freitas *



Para se entender a lógica desse episódio da violação do sigilo fiscal de Verônica Serra, a gênese de tudo e as entranhas da que seja, talvez, a mais bem-urdida trama de espionagem político-eleitoral jamais tentada, há que se raciocinar como um deles; há que pensar como um, digamos, operador das profundezas do subterrâneo malcheiroso em que se transformaram o entorno e o núcleo da entourage próxima a José Serra.

A cronologia do bestialógico:

2005 – Passado o ápice do mensalão, Serra avaliava que Lula seria reeleito em 2006. A partir daí, seguiu-se o roteiro de empurrar Alckmin para a derrota anunciada. Decidira-se desde aí, que a chance de Serra seria em 2010, quando Lula já não poderia ser candidato. Mas o núcleo da inteligência serrista, coordenado por Marcelo Itagiba, sugeriu um laboratório do que seria aplicado em 2010: o escândalo dos aloprados, em 2006, por pouco não derrota Lula. Mas o objetivo era esse mesmo: um teste, para ver se o método aplicado com sucesso em 2002 com o caso Lunus, implodindo a candidatura Roseana, poderia ser reeditado. A armação com o delegado Edmilson Bruno, levando a eleição presidencial para o segundo turno, mostrara a viabilidade do método.

2008 – Com a articulação de Aécio Neves para o ser o candidato do partido em 2010, o staff de Itagiba começa a fazer um trabalhinho miúdo sobre o mineiro; coisa de pequena monta, que não inviabilizasse o apoio deste a Serra, no futuro, mas o suficiente para afastá-lo da disputa. Quando os esbirros de Serra na mídia lançaram a senha: Pó pará, governador! Aécio entendera que a turma era da pesada e não estava para brincadeiras. Nasceu aí o contra-ataque aecista: Amauri Ribeiro Júnior, então em um periódico mineiro, encabeçaria o projeto do contra-ataque e municiaria a artilharia mineira. Essa batalha subterrânea duraria até o final de 2009, quando Aécio recuaria.

2009 – Durante a batalha entre os dois grupos tucanos, Serra fica sabendo da farta e explosiva munição recolhida por Ribeiro Jr. O núcleo de sua equipe de inteligência, coordenado por Itagiba e que o acompanha desde os tempos do Ministério da Saúde, o adverte então: o material era nitroglicerina pura. Urgia providenciar um fogo de barragem, que pudesse ao menos minimizar o estrago quando o material viesse a público. Nasceu então, aí, nesse espaço-tempo, o hoje famoso dossiê "quebra de sigilo de Verônica Serra"! Notem que os personagens envolvidos na 'quebra de sigilo' são os mesmos do livro do Amauri: José Serra, Ricardo Sérgio de Oliveira, Gregório Marin Preciado, Mendonça de Barros e Verônica Serra (aí leia-se também Verônica Dantas e seu irmão, o querubim Daniel). Eduardo Jorge foi inserido aí como seguro. Próximo a FHC, mas não de Serra, EJ era o seguro contra qualquer atitude intempestiva de FHC, sabidamente não confiável, para que se mantivesse quieto quando a artilharia pesada viesse à tona.

2009 – Tomada a decisão, parte-se para o fogo de barragem. A parte mais fácil foi a montagem da 'quebra' de sigilo fiscal das vítimas. A incógnita, até agora, é que tipo de envolvimento tem o laranja Antônio Carlos Atella com a operação. Se é apenas mais um cavalo, o clássico operador barato, facilmente descartável, com acesso a algumas informações úteis e suficientes e lançador da isca fundamental: "Não me lembro quem foi... com certeza é alguém que quer prejudicar o Serra". Ou se é alguém orgânico, um insider dos intestinos itajibistas!

2010 – Com a desistência de Aécio, o grupo fica com a arma na mão, à espera da publicação do livro. É aí que se opera a clivagem para o quadro definitivo que vemos hoje: não é suficiente esperar o ataque do Aécio, que pode não vir, já que o mineiro recolheu suas baterias para o front de Minas Gerais. É preciso partir para o ataque. Além de neutralizar o grupo de Aécio, jogar pensando na frente, em fubecar a campanha de Dilma Roussef.

Reeditar o mesmo estratagema de 2006. Ganhar a eleição na mão grande. O delegado Onésimo (outro que acompanha o grupo desde os tempos do bureau de inteligência do Ministério da Saúde) seria despachado para contactar o inimigo. Pausa. Agora recortem os informes dos integrantes do ex-comitê de inteligência de Dilma: tanto Lanzetta quanto Amauri reportam que Onésimo sugeriu insistentemente ao comitê, a realização de ações de contra-inteligência contra Serra.

O azar deles é que Amauri, jornalista macaco velho e com conhecimento da comunidade de informações, sentiu logo o cheiro de queimado e cortou, de pronto, as ofertas de Onésimo. Não houvesse a negativa de Amauri, o passo seguinte de Onésimo seria a oferta do dossiê (já pronto) com a quebra de sigilo fiscal dos 05 tucanos. Estaria pronta e armada a reedição do escândalo dos aloprados em sua segunda versão. A campanha de Dilma não resistiria. A versão dos aloprados de 2006, perto desta, seria pinto. Era o modo mais seguro de Serra se eleger presidente. Esse é o modus operandi de Serra.

Com a recusa do ex-comitê de Dilma em morder a isca, tiveram que refazer o plano. O PT aprendera com os aloprados de 2006. Dilma, nesse ponto, muito mais impositiva que Lula, decepa no nascedouro o comitê de inteligência. O projeto original se complicara. Com o dossiê pronto desde 2009, a solução era vazá-lo, aos poucos, para a mídia parceira. Primeiro, vaza-se o EJ. Cria-se uma comoção (se bem que EJ, como vítima, não ajuda muito). Depois, a conta gotas, vem o restante: Ricardo Sérgio, Marin Preciado e Mendonça de Barros. E por fim, a cereja do bolo: Verônica Serra. Observem que o momentum foi escolhido a dedo por Serra: a entrevista em um grande telejornal! De novo, a semelhança: em 2006, os pacotes de dinheiro do delegado Bruno saíram no Jornal Nacional, da Globo; agora, o momento 'pai ultrajado' de Serra, foi encenado no Jornal da Globo! A intelligentsia serrista já foi mais original.

Diante desse quadro, o leitor inquieto deve estar se perguntando: o que deve fazer o PT e a campanha de Dilma? Assistir, inertes, a mais uma escalada golpista, como foi a de 2006? Tentar fazer o contraponto em uma mídia claramente parcial, golpista e oposicionista, conforme confessou dona Judith Brito, diretora da ANJ? O que fazer? O governo sabe onde está o antídoto ao veneno golpista da oposição! Não sei até que ponto o jornalista Amauri Ribeiro Júnior está integrado à campanha de Dilma Roussef. Também não sei até que ponto vai o empenho dele em livrar o país do ajuntamento político mais nefasto que o infesta, desde a redemocratização. O fato é que o seu livro, Os Porões da Privataria, é esse antídoto! Esse livro, verdadeira bateria anti-aérea que pode abater o núcleo duro do tucanato ligado à Serra, e o próprio Serra, de uma só vez, pode ajudar o Brasil a virar uma das páginas mais negras de seu curto período democrático!



- Transcrito do blog do jornalista Luis Nassif.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/hipoteses-para-o-caso-do-vazamento