28 fevereiro 2011

OS APROVEITADORES E INESCRUPULOSOS

APRENDIZES DE MADOFF
GANANCIA INFECCIOSA & LAISSEZ FAIRE

Um grupo de jovens competitivos --alguns, filhos de famílias endinheiradas, todos formados nas melhores faculdades de economia e administração do país--  operava no mercado brasileiro um esquema de pirâmide semelhante ao que gerou um rombo de US$ 30 bi nos EUA, no célebre calote da corrente especulativa administrada pelo financista  Bernard Madoff'(condenado a 150 anos de prisão). A exemplo do que aconteceu lá, a pirâmide dos aprendizes  nativos de Madoff implodiu aqui na semana passada. A ‘Porto Forte',Fomento Mercantil, criada em 2002, captava recursos no mercado , aspas para o jornal Valor de 28/02, "à margem de qualquer tipo de regulamentação ou fiscalização" das zelosas autoridades ortodoxas do BC  tupiniquim. As mesmas que devem anunciar nesta 4º feira mais um aumento na taxa de juros do país em nome da 'estabilidade'.  Os acionistas do fundo especulativo, entre eles José Ermírio de Moraes Filho, herdeiro do grupo Votorantim e membro do ‘conselho consultivo da ‘Porto', prometiam o céu na terra : remuneração mínima sem risco, na base de 160% acima dos CDIs, fosse qual fosse a taxa do CDI (o CDI é um título de transações entre bancos; sua a taxa,cobrada por um banco quando empresta a outro, funciona como um piso do mercado, semelhante a Selic). Há  alguns dias o ‘mercado' descobriu que a ‘Porto Forte' tinha ido a pique. Não dispunha de caixa para entregar o que prometera . Quem ainda estava atracado arcará com o ‘prejú' decorrente da revoada anterior dos mais espertos. O tombo, calcula-se, é  de pelo menos 50% do investimento original. A  seleta turma que levou o ‘beiço' -cerca de 450 gentis cidadãos- pertence  à fina flor das chamadas ‘classes dirigentes' nativas. Um pessoal acostumado ao trato com o dinheiro grosso, escolado nos ardis e picaretagens das finanças. A ganância infecciosa e o laissez faire que subsiste na área financeira, levou-os, porém, a amarrar o dinheiro numa canoa furada. É mais uma história exemplar de estrepolias dos endinheirados, a ser abafada pelos defensores da desregulação e do Estado mínimo.
(Carta Maior, com informações Valor; 3º feira-, 01/03/2011)
 
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Crise nos EUA: "O que estamos esperando para reagir?"
 
 
 
Ralph Nader - Sin Permiso
 
 
 
Os 18 dias de protestos não violentos dos egípcios colocam a questão: o próximo levante popular se dará nos Estados Unidos? Se Thomas Jefferson e Thomas Paine estivessem aqui, seguramente diriam: o que estamos esperando? Estariam consternados pela concentração de poder político e econômico em tão poucas mãos. Recordemos o quanto frequentemente estes dois homens alertaram contra a concentração de poder.

Nossa Declaração de Independência (1776) enumerava as queixas contra o rei George III. Grande parte delas poderia ser dirigida contra o “rei” George W. Bush, que não somente eliminou a autoridade decisória do Congresso em matéria de guerras, conforme prevê a Constituição, como por meio de mentiras mergulhou o país em várias guerras ilegais que levou a cabo violando as leis internacionais. Inclusive conservadores letrados como os republicanos Bruce Fein e o ex-juiz Andrew Napolitano acreditam que tanto ele como Dick Cheney deveriam ser julgados por crimes de guerra e outros delitos relacionados. O conservador Colégio de Advogados Estadunidenses enviou a George W. Bush em 2005-2006 três informes que documentavam claramente suas violações da Constituição que jurou defender.

Em nosso país, o sistema político é uma ditadura bipartidária cujas falsificações manipulatórias convertem a maioria dos distritos eleitorais em feudos de um partido único. Os dois partidos impedem outros partidos e candidatos independentes de competir em igualdade de condições nas eleições e nos debates. Outra barreira para a realização de eleições democráticas e competitivas é o grande capital, principalmente comercial na origem, que envolve de covardia e sinecuras a maioria dos políticos.

Nossos poderes legislativos e executivos em nível federal e estatal podem muito bem ser chamados de regimes corporativos. Quando o governo é controlado pelo poder econômico privado se trata de corporativismo. O presidente Franklin Delano Roosevelt, em uma mensagem formal ao Congresso, em 1938, chamou isso de “fascismo”. O corporativismo fecha as portas à população e oferece a generosidade governamental, paga pelos contribuintes às insaciáveis corporações.

Notemos que, década após década, os resgates, subsídios, doações, benefícios e isenções fiscais para os grandes negócios vêm crescendo. A palavra “trilhões” é utilizada cada vez mais, por exemplo, na magnitude do resgate, por Washington, dos especuladores que saquearam as pensões e as economias da população.

Mas não parece que estas gigantescas companhias demonstrem gratidão alguma com o povo que as salva uma e outra vez. Pelo contrário, elas se apressam em abandonar o país no qual se estabeleceram e prosperaram. Estas corporações que foram construídas com o esforço dos trabalhadores estadunidenses estão enviando milhões de empregos e indústrias inteiras para o exterior, para regimes estrangeiros repressivos como a China.

Mais de 70% dos estadunidenses disseram em uma pesquisa realizada pela revista Business Week, em setembro de 2000, que as corporações tinham “demasiado controle sobre suas vidas”. Na última década, com a onda de corrupção e de crimes corporativos, a situação só piorou.

A Wal-Mart importa mais de 20 bilhões de dólares/ano em produtos fabricados em regime de exploração nas oficinas da China. Cerca de um milhão de trabalhadores da Wal-Mart ganham menos do que US$ 10,50 por hora, sem descontar os impostos, o que faz com que muitos deles recebam cerca de US$ 8,00 por hora. Enquanto isso, os altos executivos da empresa ganham cerca de US$ 11.000,00 por hora, sem contar outros benefícios e gratificações.

Este cenário se alastrou pela economia como um processo de metástase. Um de cada três trabalhadores nos EUA tem o mesmo nível de salários da Wal-Mart. Cerca de 50 milhões de pessoas não têm seguro médico e, a cada ano, morrem aproximadamente 45 mil porque não conseguem um diagnóstico ou um tratamento. A pobreza infantil está subindo a medida que baixam as receitas familiares. O desemprego e o subemprego estão perto de 20%. O salário federal mínimo, ajustado segundo a inflação desde 1968, seria agora de US$ 10,00/hora, mas é de US$ 7,25 .

A riqueza financeira do 1% dos estadunidenses mais ricos equivale à de 95% da população não rica. Os lucros empresariais e as gratificações pagas aos chefes corporativos atingiram um nível recorde. Ao mesmo tempo, as empresas, exceto as financeiras, têm por volta de dois bilhões de dólares em cash.

No dia 7 de fevereiro, o presidente Obama nos mostrou onde reside o poder ao andar por LaFayette Park desde a Casa Branca até a sede da Câmara de Comércio dos EUA. Ante uma ampla audiência de altos executivos, defendeu que investissem mais em empregos nos Estados Unidos. Imaginem altos executivos de megacompanhias mimadas, privilegiadas, frequentemente subvencionadas e com problemas legais, ali sentados enquanto o presidente lhes rende homenagens.

Nos anos 90, com Bill Clinton, os lobbies empresariais apertaram nosso país fazendo passar no Congresso os acordos NAFTA e OMC (Organização Mundial do Comércio), que subordinaram nossa soberania e sujeitaram os trabalhadores ao governo local das corporações empresariais.

Tudo isso vem somar-se ao crescente sentimento de impotência experimentado pela cidadania. A cada ano ocorrem centenas de milhares de mortes que poderiam ser evitadas e muitas outras desgraças nos postos de trabalho, no meio ambiente e no mercado. Os grandes orçamentos e as tecnologias não se dedicam a reduzir esses danos custosos. Ao invés disso, vão para os grandes negócios das exageradas ameaças à segurança.

Enquanto as guerras de Obama/Bush no Afeganistão e no Iraque, financiadas com o déficit, vão destruindo estas nações, nossas obras públicas aqui, como o transporte público, as escolas e os hospitais são sucateadas por falta de manutenção. E as execuções de hipotecas seguem crescendo.

A condição de escravidão dos consumidores por causa de seu endividamento está privando-os do controle sobre seu próprio dinheiro, já que a letra pequena dos contratos, as qualificações e as garantias creditícias arrocham os orçamentos familiares.

Só se manifesta a metade da democracia. É desesperador que não haja muitos estadunidenses participando nas eleições, nos encontros, nas manifestações de rua, em salas de tribunais ou em reuniões municipais. Se “nós, o povo” queremos reafirmar nossa própria soberania constitucional sobre nosso país, temos que poder começar a nos reunir massivamente nas praças públicas e diante dos gigantescos edifícios de nossos governantes.

Em um país que tem tantos problemas injustos e tantas soluções que não são aplicadas, tudo é possível quando as pessoas começam a considerar-se como portadoras do poder necessário para gerar uma sociedade justa.

(*) Ralph Nader tornou-se célebre pelas suas campanhas a favor dos direitos dos consumidores nos anos 60 desenvolvidas em conjunto com a associação Public Citizen. Promoveu a discussão de temas como os direitos dos consumidores, o feminismo, o humanismo, a ecologia e a governação democrática. Nader criticou duramente a política internacional exercida pelos Estados Unidos nas últimas décadas, que vê como corporativista, imperialista, contrária aos valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos. Ralph Nader candidatou-se quatro vezes a presidente dos Estados Unidos da América (nas eleições de 1996, de 2000, de 2004 e de 2008).

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)
 
 
 
 
 
 
 
 
 

27 fevereiro 2011

EDIÇÃO Nr. 30

O QUÊ HÁ PARA LER

-Principalmente os artigos sobre economia, de Antonio Delfim Netto e Paulo Kliass, o primeiro ainda
sobre a crise econômica de 2008, e o segundo sobre os estratosféricos lucros dos bancos brasileiros.
-Luis Carlos Lopes escreve sobre as revoltas e manifestações que acontecem no mundo arábe e no
oriente médio: As novas ruas da liberdade.
-Sobre política brasileira, temos os artigos de Maurício Dias (O blefe tucano) e de Rodrigo Vianna:
O PT rumo ao centro: e a oposição na UTI. Análise bastante interessante sobre o momento atual e
as perspectivas futuras da cena política.
-O artigo "Combate ao consumismo infantil", de Isabella Henriques, nos traz um assunto preocupante
e que envolve todas as esferas: família, governo, mídia...
-E ainda tem Mino Carta, uma leitura que agrada. Bom proveito!  




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BREVE REFLEXÃO
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Por MINO CARTA





Sobre história e cultura árabes e sobre violência e hipocrisia ocidentais


E me vem à mente a Andaluzia, não aquela invadida pelos reis católicos e seus padres vingativos, precursores do nazismo com seus autos de fé, e sim aquela que foi árabe por 700 anos. Quem tiver a ventura de se encontrar com a Alhambra em Granada, ou a Grande Mesquita de Córdoba, ou o Alcazar em Sevilha, não escapará à constatação da grandeza de uma civilização capaz de produzir obras tão deslumbrantes. Comovedoras, poéticas.
Não é que faltem outras provas da extraordinária contribuição da cultura árabe ao progresso da humanidade, e em todos os quadrantes. Por um largo período, séculos e séculos, o pensamento árabe foi decisivo nas artes e nas ciências, da escrita à matemática, da arquitetura à astronomia. Mas eu retorno, neste instante, às cidades andaluzas, onde os templos dos conquistadores aceitavam ao seu redor as juderias, os bairros judeus. Bairros e não guetos.
A conveniência entre árabes e judeus era muito diferente daquela que hoje se verifica no Oriente Médio. Pacífica, então, baseada na colaboração e no intercâmbio, feliz, tudo indica, dentro das possibilidades humanas de viver a felicidade. Diga-se que, longe da Grande Mesquita e da juderia que a cerca, ou ao descer da altura risonha onde se planta a Alhambra, Córdoba e Granada apresentam, fisicamente, alguma semelhança com Sorocaba.
Lembranças suscitam ideias e estas nos permitem viajar no tempo e no espaço. Ocorre-me o devaneio de Lawrence da Arábia em contraste à prepotência e à ferocidade dos turcos otomanos, da Grã-Bretanha e da França, que se esmeraram no projeto de fracionar a terra árabe a seu talante e em exclusivo proveito dos seus interesses imperialistas. Atrocidades morais e materiais foram cometidas pelos donos do poder global às margens daquele imenso golfo do Mediterrâneo, e à constante agressão acabaram por unir-se os Estados Unidos, debaixo do olhar condescendente de todo o Ocidente.
Fala-se muito de Hitler, com excelentes motivos, mas ninguém se incomodou com a chacina de 1 milhão e 200 mil armênios perpetrada pelo Império Otomano, o genocídio do começo do século passado. Resta o fato de que o Estado de Israel nasceu de súbito na Palestina, cujos habitantes ficaram exilados em sua própria terra. Pretendeu-se remir o monstruoso pecado do Holocausto, mas também postar o sentinela da civilização ocidental no coração da área humilhada.
E mais ainda pelos senhores locais, que se prestaram ao jogo ocidental, como Mubarak, por exemplo. Com Kaddafi a política das potências do Oeste ficou entre o cinismo e a hipocrisia, à sombra de uma inextinguível tentativa de negociação de paz e bem do fornecimento ininterrupto do petróleo. Vale lembrar que logo depois do golpe de Kaddafi, a aeronáutica líbia foi equipada com os Mirage franceses, enquanto a Alemanha contribuía para a criação na Líbia de uma indústria química de peso e a Itália baixava a cabeça diante da expulsão de 15 mil italianos do território líbio. Quanto aos Estados Unidos, depois de várias tentativas de assassinar o ditador, em 1986 revogaram as sanções econômicas quando Kaddafi aposentou seus projetos nucleares.
Não se esqueça que em 2009 a Grã-Bretanha libertou e devolveu à Líbia o autor do atentado de 1988 no céu de Lockerbie e que a Itália de Berlusconi de alguns anos para cá trata o coronel como grande estadista, recebe-o com pompa, assina com ele acordos de interesse nacional, sem contar aqueles de interesse privado do premier, talvez tomado de inveja por causa do harém do ditador, sempre incluído no seu séquito onde quer que viaje.
Pode parecer estranho que um forte e sadio exemplo de rebelião parta de uma região tão ofendida neste nosso mundo cada vez mais parvo e desigual. Se penso, porém, nas tradições árabes, na cultura de uma civilização que já foi dominante, não me surpreendo. E recordo os monumentos da Andaluzia.

(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)

PT rumo ao centro: e a oposição na UTI

por Rodrigo Vianna


Dias atrás, escrevi um modesto balanço, centrado nas ações econômicas de Dilma nos primeiros dias de governo. Agora, faço um balanço político.
Os sinais evidentes emitidos por Dilma são de um governo que ruma para o centro. Isso já estava desenhado desde a campanha eleitoral de 2010. Lula havia feito movimento semelhante, ao escolher José Alencar para vice e ao lançar a “Carta aos Brasileiros”, em 2002. Mas o movimento de Lula rumo à centro-esquerda não tinha nitidez institucional. Ele se aproximou de personagens avulsos no mundo empresarial (além de Alencar, Gerdau e Diniz), e não fechou aliança formal com PMDB, mas apenas com pequenos partidos conservadores: PL (depois PR), PTB e PP. Fora isso, Lula manteve-se firme (fora da cartilha liberal) na relação com movimentos sociais e na política internacional – além de ter adotado ações econômicas keynesianas (para irritação dos economistas e colunistas atucanados) no segundo mandato.
O movimento de Dilma é mais claro, mais institucional. Michel Temer na vice. PMDB na aliança formal. Isso tudo já estava desenhado. O início de governo aprofundou esse movimento. Ao adotar, agora, prática econômica apoiada pelos liberais, Dilma capturou a simpatia (real? duradoura?) de setores da mídia que estiveram fechados com Serra durante a campanha. Faz o mesmo em relação à política internacional (menos “terceiro-mundista” do que Lula, como comemora a “Folha” em editorial nessa sexta-feira). E já há sinais de que o governo pode abandonar a proximidade estratégica que mantinha com movimentos como o MST (sinais que vêm de dentro do INCRA, por exemplo – a conferir).
É um movimento claro: Lula já ocupara a esquerda e a centro-esquerda; agora, o projeto petista expande-se alguns graus mais – rumo ao centro!
Isso sufoca a direita e a oposição. E aí chegamos a outro ponto importante. Não é à toa que Kassab movimenta-se para romper com o demo-tucanismo e aderir ao lulismo. Kassab sente-se sufocado e percebe que pode perder suas bases conservadoras para o lulismo. O melhor, talvez, seja juntar-se a esse impressionante movimento político (o lulo-petismo) que – nascido na esquerda -  capturou a centro-esquerda e agora se expande rumo ao centro.
Vejam o tamanho da hecatombe vivida pela oposição. Katia Abreu, a chefe ruralista, deve seguir os passos de Kassab, rompendo com o condomínio PSDB/DEM. Katia deu entrevista à “Folha”, avisando: “a oposição está na UTI”. Kassab vai levar com ele quase duas dezenas de deputados federais do DEM, 3 ou 4 do PPS e mais alguns tucanos desgarrados. A oposição vai minguar. Essa gente toda deve-se acomodar num “novo” partido, mas o projeto final é terminar no PSB de Eduardo Campos (partido que desde 1989 integra a base lulista).
Esse movimento de ocupação do centro pelo lulismo é fruto, também, dos erros de Serra durante a campanha de 2010. Muita gente avalia que a votação expressiva (de 44 milhões de votos no segundo turno) signficou uma meia-derrota para o paulista da Mooca. Do ponto de vista numérico e eleitoral, isso é verdade. Mas a derrota política de Serra foi acachapante.
Vejamos. Serra abriu mão de defender o programa liberal e privatizante do PSDB, e escondeu o ex-presidente FHC. Depois, tentou-se mostrar como o “verdadeiro” herdeiro de Lula, ajudando assim a legitimar o lulismo. Na reta final, de forma errática, aderiu a um discurso conservador amalucado, trazendo temas morais como aborto para o centro do debate (pra isso, apoiou-se nas tropas de choque monarquistas, na turma da TFP e da Opus Dei).
Serra fez, portanto, um duplo tuiste carpado rumo ao precipício: primeiro, legitimou o lulismo; depois, afundou-se rumo à direita. Achou que podia ganhar assim. E, de fato, ficou perto de ganhar (dados os erros da campanha pouco politizada de Dilma). Mas, no fim, a “meia derrota” eleitoral significou “derrota e meia” política.
Restou a Serra (e a parte do tucanismo) brigar para liderar a direita no Brasil. Aécio quer o PSDB no centro. E Kassab quer ser, ele mesmo, o novo centro.
Lula e Dilma sabem que é mais fácil enfrentar os tucanos desde que eles se mantenham na direita. Por isso, Dilma ocupa o centro. Certamente, com aval de Lula.
Nassif acaba de escrever um artigo excelente, tratando exatamente desse tema:
Primeiro, não há a menor possibilidade de apostar em um rompimento dela com Lula. Ambos são suficientemente maduros e espertos para não embarcarem nessa falsa competição.
A sensação que passa é de uma estratégia combinada, na qual caberia a Lula manter a influência sobre movimentos populares, sindicalismo e PT; e a Dilma aproximar-se e desarmar os setores empresários e políticos mais refratários ao lulismo-dilmismo.
Do ponto de vista de estratégia política, conseguiram fechar o melhor dos mundos: o antilulismo está sendo carreado pela velha mídia para um pró-dilmismo, resultando um xeque- mate: se o governo Dilma for bem sucedido, ela é reeleita; se for mal sucedido, Lula volta.
Lula e Dilma jogam de tabelinha. Ele mantém apoio forte entre a “esquerda tradicional”, e também entre sindicalistas e movimentos sociais, além do povão deserdado que vê em Lula um novo “pai dos pobres”. Ela joga para a classe média urbana e pragmática que – em parte – preferiu Marina no primeiro turno.
Dilma, com essas ações, deixa muita gente confusa e irritada na esquerda. Mas reconheça-se: é estratégia inteligente.
Qual o risco disso tudo?
O risco é embaralhar a política e apagar as diferenças. Relembremos o que ocorreu no Chile, ao fim do governo Bachelet. Ela tinha claro compromisso com direitos humanos, com a civilidade e com os valores… Mas na política e na gestão da economia no dia-a-dia, o governo da “Concertación” (coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde a queda de Pinochet) assumiu o programa liberal da direita. Embaralhou-se tudo. Bachelet saiu do governo bem avaliada, mas não fez o sucessor (até porque o candidato dela, Frei, tinha imagem envelhecida e desgastada). Se não há mesmo diferença, pra que votar na “Concertación” de novo? Foi o que levou o eleitorado chileno a escolher Pinera – um megaempresário ligado à Opus Dei e a setores pinochetistas.
Pinera é um Berlusconi sem os arroubos sexuais do italiano. Paulo Henrique Amorim costuma dizer que, sem politização, a classe “C” de Lula vai eleger um Berlusconi em 2014. O Chile já fez isso: escolheu Pinera.
A tática de Dilma e Lula, de ocupar amplo espectro (da esquerda ao centro), parece inteligente. Mas ao embaralhar o jogo, permite que a direita faça  0 mesmo e caminhe para o centro. Desfeitas as fronteiras (Kassab no PSB seria o sinal derradeiro desse movimento), abre-se a incerteza no horizonte, rumo a 2014.
O petismo conta com Pelé no banco. Se o quadro ficar confuso, chama-se Lula. Arriscado. Mas esse parece ser o jogo. Gostemos ou não.


(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)

Um blefe tucano

A oposição quer ignorar que com Lula o mínimo teve ganho real de 53%
O governo aprovou no Congresso o novo salário mínimo de 545 reais. A oposição (DEM) tentou passar 560 reais ou 600 reais (PSDB). As centrais sindicais, inclusive a petista Central Única dos Trabalhadores (CUT), pediam 580 reais, aparentemente alinhadas com o próprio ministro do Trabalho, Carlos Lupi. O valor poderia também ser também o de 2 mil, 194 reais e 76 centavos, projetado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em tese, o piso capaz de satisfazer as despesas de um cidadão com saúde, transporte, Previdência, lazer, educação, moradia, higiene e alimentação. Essa é a meta a ser perseguida.
Governar só tem sentido se o objetivo do governante for o de buscar, sempre e sempre, o bem-estar geral dos cidadãos. Entre essa percepção que deve guiar as ações do poder, o objetivo eleitoral da oposição e o estudo sobre o que seria um salário mínimo perfeito – justo aos trabalhadores que vivem ou têm como referência de ganho esse valor básico – existem, porém, as polêmicas e importantes contas públicas.
Por que, então, José Serra, ex-governador de São Paulo, mantém o discurso da campanha presidencial que perdeu, de que o mínimo de 600 reais não comprometeria a estabilidade das contas federais? E, mais ainda, ao estabelecer o salário básico de 600 reais, o atual governador paulista, Geraldo Alckmin, não estaria provando, na prática, que o que Serra defende é possível?
Aparentemente, sim. Mas esse é apenas um blefe da oposição tucana.
O truque é facilmente desmontável. O salário mínimo regional, ao contrário do que acontece com o mínimo federal, não tem impacto na conta da Previdência local. Ou seja, não interfere nas contas públicas. Regula tão somente o patamar dos trabalhadores da iniciativa privada que não possuem piso definido por lei federal.
Alckmin fixou o mínimo em 600 reais, como Serra quer. Só que, no estado do Rio, vencida a batalha do salário no Congresso, o mínimo deverá ser de 605 reais e 32 centavos, a ser anunciado após o carnaval. O tempo é um cálculo político do governador Sérgio Cabral para evitar pressão no governo federal antes que o Congresso aprove o reajuste do mínimo. Ou seja, o salário mínimo no Rio será maior do que o mínimo em São Paulo, alardeado por Alckmin.
Mágica? Cabral asfixia as contas públicas do Rio de Janeiro? Claro que não.
Considerando os trabalhadores com carteira assinada, a primeira faixa de assalariados que, no Rio, receberá o aumento integral – inflação mais correção do crescimento econômico – representa apenas 0,5% do assalariado. Ou seja, um porcentual sem representação econômica expressiva nas contas do estado. Ou seja, fala-se aqui dos trabalhadores agropecuários e florestais. Raciocínio semelhante se aplica em São Paulo.
Antes que alguém apresente o argumento que esta mesma falácia eleitoral foi sustentada pelos petistas quando os tucanos estavam no poder, o colunista se antecipa. É verdade. Os petistas também usaram esse mesmo recurso com finalidade eleitoral. É preciso considerar, no entanto, dois “poréns” relevantes nesse ponto do debate.
O primeiro: o comportamento anterior do PT oposicionista não justifica o mesmo comportamento do PSDB oposicionista, no poder antes e na oposição agora. O segundo: em oito anos de governo, Lula possibilitou um ganho real de 53% para o salário mínimo.
Isso faz a diferença entre o PT e o PSDB no governo.

FOI MAL...



Esta crise não vai ter solução enquanto não se  impuser algum custo para quem faz as patifarias
O nosso companheiro Luiz Gonzaga Belluzzo produziu um comentário magistral na última edição de CartaCapital (16/2/2011) com o título “Alertas ignorados”,* onde analisa dois importantes documentos recém-liberados, o primeiro da Comissão de Investigação do Congresso dos EUA e o segundo do FMI, tratando da crise que arrasou as finanças e produziu a tragédia do desemprego que atingiu 30 milhões de trabalhadores em todo o mundo.
Quem não leu a edição impressa, deve ir ao sítio colunistas@cartacapital.br para não perder a oportunidade de acesso às finas observações e às conclusões antológicas de meu colega, professor de Economia e brilhante articulista. A certa altura, ele “cravou” o que se pode chamar de “resumo da ópera”, utilizando expressão corrente da garotada, “foi mal…”, ao falar da falsidade da autocrítica dos agentes financeiros nos depoimentos ao Congresso americano, pretendendo eximir-se da responsabilidade moral pelos malfeitos que impuseram ao mundo.
Estou convencido de que esta crise, que não cessou de atazanar as economias europeias, mantém muito tênue o esforço de recuperação americano e, mais recentemente, revela os efeitos sociais e também políticos nas nações africanas, não vai ter solução enquanto não se impuser algum custo para quem fez as patifarias. Porque ela é uma crise moral, mais do que econômica, não é só de responsabilidade do sistema financeiro, mas também dos governos que deviam fiscalizá-lo e, por isso, muito adequadamente estão sendo cobrados nas batalhas de rua.

Como é que essas sociedades podem se conformar com o fato de que 30 milhões de trabalhadores que ganhavam a vida honestamente foram desempregados por 30 sujeitos desonestos? Não vão aceitar, simplesmente, que se socializem os prejuízos que, na realidade, se converteram em lucro dos bancos! Como diria o nosso Lula, esses “caras” não perderam nada até agora…
Vejo neste momento uma transição de governos, com o presidente que se retirou merecendo os mais altos índices de aprovação em nossa história. E vejo com enorme otimismo o modo como a presidenta Dilma Rousseff organizou o núcleo da sua equipe e, mais ainda, pelas diretrizes enunciadas que demonstram a noção clara das necessidades do Brasil e os nossos limites. Vai enfrentar o grande problema da ineficiência da máquina pública e já dispensou a ideia de fazer um “choque fiscal”, que não é necessário. Manteve Guido Mantega, um excelente ministro da Fazenda, homem calmo e prático; a indicação de Alexandre Tombini para o Banco Central foi uma decisão muito importante.  No Planejamento, corretíssima a escolha de Miriam Belchior para continuar o trabalho de Paulo Bernardo, que foi um senhor ministro e assumiu as Comunicações.
Há outros sinais que permitem acreditar numa melhora dos métodos da gestão pública. Um deles foi a convocação do empresário Jorge Gerdau para participar do processo, trazendo toda a grande experiência da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. São dois ícones da excelência de administração empresarial e pública.

A realidade de hoje, após 30 meses da crise, é que o crescimento mundial está em marcha lenta, ainda procurando curar as feridas na economia e nas finanças.  Aquele cenário favorável dos primeiros anos do século XXI mudou radicalmente e isso nos afeta e aos demais “emergentes”, tanto em termos de crescimento interno como no comércio internacional.  Só tem agora vento de frente, acabou o vento de cauda e cada um vai ter de “se virar” do jeito que puder e tiver competência.
A China continua crescendo mais que todos. A Índia praticamente cresce como nós (8% do PIB em 2010) O Brasil precisa ficar esperto e prestar atenção nos negócios da China, que já são bem mais que uma “linha de montagem” – eles são os maiores importadores e exportadores mundiais. Temos um diferencial importante, que é o vigoroso mercado interno que desabrochou com as políticas sociais e os acertos da política econômica no governo Lula. Nosso mercado interno é muito importante em termos globais, temos uma dimensão e um dinamismo semelhantes aos dos Estados Unidos nos anos 1970. As condições estão dadas para o crescimento brasileiro a taxas anuais de 5% ou 6% do PIB. Isso é objetivo perfeitamente factível pelos próximos 15 a 20 anos, a não ser que a economia mundial “vire de ponta-cabeça” pela ação demorada e simultânea de maus financistas e péssimos governos, que num futuro próximo não resistirão por tempo demasiado à pancadaria nas -ruas… Ou à lição das urnas…

Mais uma vez, os incomensuráveis lucros dos bancos

Mais uma vez, as instituições financeiras começam a divulgar no mês de fevereiro, aos poucos, os seus resultados que foram obtidos ao longo do ano passado, 2010. E, obviamente, as informações se mantêm coerentes com o que tem sido o seu desempenho econômico dos últimos anos.

Na condição de setor mais beneficiado pela política econômica implementada desde, pelo menos, a vigência do Plano Real de 1994, o setor financeiro em nosso País tem nadado de braçadas nas águas benevolentes de um ambiente macroeconômico marcado pelo incentivo à financeirização das atividades no conjunto da sociedade, bem como pela execução de uma política de estabilidade econômica ancorada na taxa de juros de juros extremamente elevada.

Nessas condições, com uma dívida pública superando o valor de R$ 1,5 trilhão e com uma disposição do governo federal em remunerar os que se interessam em financiar seus títulos a 11,25% ao ano, a postura estratégica das instituições tem se marcado pela passividade em suas ações empresariais. Com a nossa taxa SELIC ainda liderando em primeiro lugar, absoluta, a competição pela taxa de juros mais elevada do planeta, os administradores dos bancos não têm razão para se arriscarem ou para serem mais ousados no mercado financeiro. Ou seja, não cumprem sua função precípua de emprestar recursos para a atividade produtiva. Afinal, por essas terras, basta comprar e vender títulos públicos para obter níveis de rentabilidade inimagináveis nos países desenvolvidos. Caso busquem ainda sofisticar suas operações e estabeleçam operações no mercado de câmbio, os ganhos ainda se amplificam mais – nossa política cambial assegura a taxa de câmbio de um real sobrevalorizado em relação ao dólar norte-americano e demais moedas importantes no mercado internacional.

Por outro lado, como são poucos e imensos os conglomerados paquidérmicos existentes, sua capacidade de atuar de forma oligopolizada é facilitada. Os bancos operam de forma articulada e pouca concorrência existe nas opções de serviços ou diferenciações de tarifas oferecidas a seus clientes. No fundo, prevalece a idéia de que se o consumidor ou o micro/pequeno empresário estão insatisfeitos, que vão reclamar ao bispo... As instituições pouco se importam e o órgão público que deveria zelar pelo interesse nacional e da maioria da população – o Banco Central – atua mais como uma entidade de defesa das instituições financeiras do que propriamente como um órgão regulador e fiscalizador do sistema. A maioria deve se lembrar da declaração intempestiva proferida pelo ex-Presidente Lula, ainda em seu primeiro mandato, quando chegou a atribuir ao “brasileiro que se recusa a levantar o traseiro da cadeira” a elevada taxa de juros vigente em nossa economia. Como se não houvesse uma assimetria implícita na capacidade de negociação entre um cliente e uma instituição do porte de um Itaú ou de um Bradesco. Fico só imaginando a seqüência da cena: “Sr. Gerente, se o senhor não me abaixar esse juros, eu atravesso a rua e vou ali no seu concorrente da esquina”... Eu, hein?

E aqui chegamos em outro aspecto importante no entendimento da questão. Apesar de o Estado brasileiro, em especial no nível federal, contar com as instituições financeiras de maior porte, maior importância estratégica e maior credibilidade junto à população, o fato é que os sucessivos governos têm tratado o Banco do Brasil – BB e a Caixa Econômica Federal – CEF como se cada uma de tais instituições fosse apenas mais uma empresa a atuar num mercado profundamente marcado pelo viés financista e por uma postura de defesa dos interesses dos agentes privados do setor. É o que eu tenho chamado de “bradesquização” dos bancos públicos federais. Os sindicatos e demais associações dos funcionários desses bancos não têm se cansado de denunciar a cultura de forçar os empregados a “empurrar” produtos desnecessários e anti-éticos a seus clientes, atitudes que não guardam nenhuma coerência com um banco público, que não deveria recorrer a esse tipo de expediente para fabricar lucros extraordinários.

Na verdade, imagino que algo bem diferente era o que se esperaria das autoridades responsáveis e integrantes de um governo representante de um partido que se diz defensor dos interesses dos trabalhadores. Trata-se, pelo contrário, de se valer das condições estratégicas oferecidas por bancos como o BB e a CEF, com o intuito de forçar os grandes bancos privados a atuarem de forma menos prejudicial aos interesses da maioria do povo e do País. Caso essas duas instituições esboçassem uma nova postura em sua intervenção no mercado, aí sim os demais se veriam obrigados a também mudarem sua conduta. Sob pena de perder fatia expressiva de sua clientela. Fico a imaginar aqui apenas dois pontos: redução de seu spread cobrado nas operações e redução dos níveis absurdos das tarifas bancárias cobradas. Nesse caso, sim, brasileiros e brasileiras teriam razão e estímulo para atravessar a rua e trocar de banco.

Mas, não! Infelizmente, a opção dos últimos governos têm sido a de jogar o jogo segundo a lógica e os interesses dos bancos privados. Por vezes, com ímpeto e vontade até mesmo surpreendentes, como se fossem parte integrante da turma deles.

Há poucos dias, o conglomerado do Banco Itaú-Unibanco divulgou os resultados do grupo empresarial obtidos em 2010. Os números, como em geral tende a acontecer, revelam-se assustadores. No caso específico, o banco atingiu a marca de R$ 13,3 bilhões. Exatamente isso: você não se enganou na leitura não! Um valor 32% superior ao obtido em 2009. E mais significativo do que isso: um valor que se revelou maior do que o obtido pelo próprio Banco do Brasil – que ficou com “apenas” R$ 11,7 bi no ano passado.

Se agregarmos outros valores já anunciados até o momento, ficaremos com os seguintes resultados de lucros para 2010: Bradesco com R$ 10 bilhões, Santander com R$ 7,4 bi e CEF com R$ 3,8 bi. Ou seja, apenas com os lucros desses 5 bancos, nos aproximaríamos dos simbólicos R$ 50 bilhões de corte orçamentário anunciados de forma tão solene, e com ares de dureza e seriedade, pela Presidenta Dilma há poucas semanas. Tudo isso para tentar reforçar a imagem de bom-mocismo e de responsabilidade fiscal, fatos que não enganam os que nela não confiam e que prejudicam a maioria da população que tanto depende de políticas públicas compensatórias!

Finalmente, é importante registrar que a divulgação de resultados econômico-financeiros de instituições de tal porte é apenas o resultado final que envolve um conjunto bem mais amplo de variáveis, ao contrário do que ocorre com a imensa maioria de empresas atuantes no País. Na verdade, o “número de chegada” só torna-se público depois de um longo e cauteloso tratamento contábil que se orienta pelo chamado “planejamento tributário”. Ou seja, um conjunto de ações e procedimentos que visam a redução do pagamento de impostos devido pelas empresas ao fisco, seja no plano municipal, estadual ou federal. E os momentos que se aproximam da apuração do resultado final são os que mais decisões estratégicas envolvem por parte dos gestores das empresas. O ideal seria, no limite, não ter lucro algum, para não pagar Imposto de Renda... Mas as empresas precisam mostrar-se lucrativas e robustas perante os demais agentes atuantes no mercado. Afinal, no sistema capitalista os lucros auferidos são um dos elementos simbólicos mais expressivos da capacidade da empresa. Além disso, as empresas são geralmente cotadas em ações em Bolsas de Valores e têm acionistas que esperam a distribuição dos resultados na forma de dividendos e outros bônus. Assim, uma série de artifícios contábeis, com toda a certeza, foram utilizados para diminuir formalmente o montante do lucro realmente realizado para o lucro contabilmente declarado. E mesmo assim, os valores ainda são enormes.

Os bancos continuam, portanto, a ser aquelas instituições que mais se beneficiam da política econômica do governo. Apesar do flagrante tropeço ocorrido na primeira reunião do Comitê de Política Monetária – COPOM do governo Dilma (quando a taxa SELIC foi elevada em 0,5%), abre-se agora em fevereiro uma nova oportunidade para que a Presidenta defina sua opção a respeito do desejo de aproveitar o potencial de retomada do desenvolvimento econômico sem curvar-se perante os desejos do capital financeiro. Ao que tudo indica, as forças interessadas na continuidade da taxa elevada começam a se articular para pressionar o COPOM por novo aumento. É a velha e conhecida estória do bode. Põe o bode na sala e depois, ao tirar o bicho da sala, todo o mundo parece ficar satisfeito... Triste engano!

À grande maioria de nossa população, porém, não resta outra alternativa que não a redução da Taxa SELIC . Seria a sinalização inequívoca de um compromisso do governo com um projeto de desenvolvimento e de inclusão social e econômica. Aguardemos, assim, o resultado da reunião de 1° e 2 de março próximos.



(*)Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)

AS NOVAS RUAS DA LIBERDADE

Nas últimas semanas, o mundo foi surpreendido por uma sucessão de revoltas populares genuínas que partiram de um profundo descontentamento com a forma de governar e de estruturar a sociedade no Oriente Médio e em alguns países árabes. Estas revoltas ganharam maior amplitude, inicialmente, na Tunísia, ex-colônia italiana e paraíso turístico europeu à beira do Mar Mediterrâneo.

O eixo político midiático imaginou uma crise na região, a partir das complexas relações Palestina-Israel com o problema do Irã. As forças que controlam as grandes mídias e o pensamento geopolítico ocidental não atentaram para que os problemas dos países onde eclodiram as revoltas eram muito graves e que a história pode surpreender-nos. Foi o que aconteceu. Inicialmente, a chama da revolta nasceu com moderação.

Parecia que o ditador tunisiano, como em outras vezes, domaria mais este levante (que, aliás, nunca foram muito grandes em seu país). Como se sabe, as forças repressivas perderam o controle da situação e as ruas foram tomadas de assalto. Estas só se acalmaram quando Ben Ali e sua gananciosa esposa passaram a estar fora do poder e do país. No entanto, estes carregaram o que puderam roubar em seus últimos dias de fausto, opressão e corrupção.

O caso tunisiano foi a primeira carta a cair, inspirando vizinhos que têm realidades similares, apesar de diferenças importantes. O caso do Egito é bem mais complexo, pois é mais rico, mais populoso e cheio de diferenças socioculturais internas. Mesmo assim, com o impressionante esforço da população, que enfrentou armas com pedras, o velho ditador foi derrubado. Faltam, no entanto, acertar o problema da sua permanência no país e da insistência dos seus ex-colaboradores a ficar no governo depois de mais de três décadas de mamata.

Sucedeu-se o caso de Bahrein, pequeno principado que abriga a frota naval americana estacionada na região e pronta para atacar a quem decidir. Neste país, o Estado usou de extrema força logo no início das revoltas. Quase ao mesmo tempo, instalou-se uma rebelião na Líbia, de modo surpreendente. Parece que neste pequeno país, com mais de mil mortes até agora, segundo as fontes disponíveis, o genocídio será campeão. O ditador Gadafi não aceita cair e até a aviação está sendo usada contra a população civil, que se manifesta contra o seu governo nas maiores cidades do país.

Por meio das reivindicações da população rebelada, é possível perceber quais os problemas que eles enfrentam, em todos os casos. Em primeiro lugar, a ilegitimidade do poder político. Os habitantes desses países foram forçados a aceitar que essas pessoas os governassem, os roubassem e os obrigassem a viver de um modo que interessassem a uma minoria. Os que não eram reis de fato os imitavam, seguindo a tradição oriental de direito familiar eterno. Os que já eram soberanos mantinham e ainda mantêm hábitos milenares. As maiorias querem alguma coisa próxima a uma democracia direta e estão dispostas a morrer por isso. Em países com profundas contradições sociais, deve surpreender bastante a descoberta de tais níveis de corrupção, feita de modo pouco cuidadoso.

O movimento popular não deseja que isto seja mantido e pede a sua imediata supressão, assim como uma maior divisão de renda. Não se trata de um movimento de inspiração socialista, mas de socorro aos mais pobres, desempregados, mal-pagos e mais uma infinidade de problemas que os pobres bem conhecem. Deseja-se justiça social básica. Estes movimentos também não vêm se caracterizando por ser claramente anti-imperialistas.
Não se viu bandeiras norte-americanas ser queimadas nas ruas, nem ataques a política externa do gigante do Norte, mesmo havendo razões para isso. Todavia, os populares preferiram atacar os alvos internos de seus problemas, desnorteando a política dos EUA. Trata-se de movimentos espontâneos, não havendo nenhum partido político que os fomentem. Eles vêm se organizando na instantaneidade, apoiando-se em estruturas organizativas pré-existentes.

As religiões existentes nesses países não atrapalharam nem tentaram dirigir absolutamente as rebeliões. Entretanto, viu-se a unidade entre política e religião a favor dos interesses populares. Na famosa praça Tahrir, agora símbolo universal da liberdade dos povos escolherem seus próprios caminhos, marcharam juntas cristãos e muçulmanos. Estes incidentes, entretanto, trazem novas lições sobre as relações políticas internas de qualquer país. Alertam também para que os possíveis interesses externos podem fazer água ao concordarem com situações iníquas, só porque seus responsáveis lhes dão passe-livre. Um belo dia, o efeito da manipulação pode estancar e a coragem, recuperada do nada. Um mundo melhor será sempre mais justo, com liberdade, autodeterminação e justiça social.



(*)Luís Carlos Lopes é professor e escritor.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)

COMBATE AO CONSUMISMO INFANTIL

Isabella Henriques(*)


O ano de 2010 começou com novas esperanças de que a discussão em torno da abusividade do direcionamento de publicidade às crianças se torne ainda mais intensa e resulte em mudanças efetivas.
É com essa expectativa que o Projeto Criança e Consumo lançou o blog Consumismo e Infância, um espaço de comunicação com a sociedade que traz o debate de assuntos diários e, principalmente, de temas relacionados ao consumo infantil. O objetivo é despertar uma reflexão em torno do assunto, além de difundir informações relevantes sobre a questão.
Vemos hoje o impacto que o consumismo infantil tem nas crianças em todo o mundo. Problemas como erotização precoce, crescente obesidade infantil, violência na juventude, materialismo excessivo, desgaste das relações sociais e diminuição progressiva das brincadeiras criativas são algumas das consequências ligadas à influência da comunicação mercadológica e do incentivo ao consumo, tão presentes na nossa sociedade.
A obesidade infantil, por exemplo, atinge níveis alarmantes. De cada três crianças entre 2 e 7 anos no País, uma está acima do peso, segundo o IBGE. A expectativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o final de 2010 era de que 42 milhões de crianças com menos de cinco anos estivessem acima do peso em todo o mundo. Como resultado, vemos que a população obesa mundial dobrou em três décadas.
Os dados chamam a nossa atenção para o debate sobre obesidade, consumo infantil e publicidade, principalmente quando esta está direcionada a um público hipervulnerável. Há inúmeras pesquisas científicas que comprovam que a criança é extremamente vulnerável à comunicação mercadológica por não ter capacidade suficiente de julgamento. Direcionar uma mensagem que a criança não é capaz de absorver de forma crítica é estabelecer uma relação desigual. Na maioria dos casos, são usados artifícios para criar um sentimento de identificação da criança com determinada publicidade – cores vibrantes, músicas infantis, desenhos animados ou atores mirins, entre muitos outros recursos. E isso é muito delicado, pois a criança acaba acreditando que aquele bem ou serviço é necessário, que ela precisa daquilo. Pior: que ela precisa daquilo para ser feliz.
Foi pensando nisso que diversos países já estabeleceram algum tipo de regulamentação da publicidade voltada a crianças. Na Suécia, por exemplo, é proibida a publicidade dirigida a crianças de até 12 anos na TV. O mesmo acontece na Noruega. No Canadá, é proibida a publicidade de produtos não destinados a crianças em programas infantis. Na cidade canadense de Quebec, a lei é mais rígida e proíbe qualquer publicidade de produtos destinados a crianças de até 13 anos, em qualquer mídia.
Não é a toa que, em 2010, a própria OMS publicou, entre suas recomendações para o combate a obesidade, um pedido para que os governos mundiais criassem políticas públicas que regulamentassem a publicidade de alimentos com alto teor calórico e baixo teor nutritivo, ciente da forte influência da publicidade na formação dos hábitos alimentares não saudáveis.
Sabemos que o problema do consumismo infantil é plural, e não deve ser atacado apenas por essa ótica jurídica. É necessária a atuação em diversas frentes, como por meio da educação para o consumo e da regulação do setor publicitário, além de uma ação conjunta de educadores, Estado e mídia.
No entanto, os meios de comunicação também têm de assumir a responsabilidade e respeitar o desenvolvimento das crianças e deixar de se aproveitar da vulnerabilidade delas. O papel do Estado é criar políticas públicas que regulem a comunicação mercadológica dirigida ao público infantil, além de garantir os direitos que já estão estabelecidos pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código de Defesa do Consumidor.




(*)Isabella Henriques é coordenadora-geral do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana.


(Transcrito do site http://www.carosamigos.terra.com/ )

20 fevereiro 2011

Í N D I C E - Edição nr. 29

O QUE HÁ PARA LER


Postagens


"Lula, Dilma e a velha mídia", de Emir Sader e "O que falar de Dilma?", de Marcos Coimbra,
tratando do modo como a chamada grande imprensa está encarando o governo da presidenta
Dilma Rousseff, tentando, de todo modo, criar atrito entre o "criador e a criatura" , criatura que
na campanha eleitoral era chamada de poste.

"Paranoia e Pererecas", de Antonio Delfim Netto, sobre meio-ambiente, ONGs com atuação
na Amazônia e o interesse e a cobiça que essa região desperta. A propósito, lembro de algo
que li há tempos sobre a quantidades de ONGs internacionais que atuam na Amazônia em
comparação às atuantes no nordeste brasileiro, região de poucos recursos e necessidades
bem maiores. Por quê?

"Alertas ingnorados", de Luiz Gonzaga Belluzzo, analisando dois relatórios recentemente
publicados, sobre a crise financeira que detonou a economia mundial a partir de 2007.

"A fama de Pochmann e o pernil de Delfim", de Rodrigo Viana, do blog O Escrevinhador,
sobre o início  do governo Dilma, no que concerne ao aspecto econômico, sugerindo ficarmos
de olhos bem abertos. ("Pra não dizer que não falei de flores")

"O faraó, camelos e facebook" de Francisco Carlos Teixeira, nos trazendo um pouco de história
do oriente médio, particularmente do Egito, em face da onda de manifestações que sacode a
região, e o preconceito do Ocidente ao encarar esses fatos.


Literatura


Livros - Obra-mãe da literatura russa - "O capote e outras histórias", de Nikolai Gógol - Três
das mais importantes e mais bem-acabadas pequenas obras-primas da literatura russa, os contos
de Nikolai Gógol (1809-1852) O Capote, O Nariz e Diário de um Louco, estão reunidas no
volume O Capote e Outras Histórias, muito bem traduzidas, diretamente do russo, por Paulo
Bezerra (tradicionalmente as edições brasileiras de ficção russa eram feitas a partir da tradução
francesa). Perfeito na forma e no conteúdo, o conto O Capote foi considerado por ninguém
menos que o escitor Fiódor Dostoievski como a obra inaugural da grande literatura russa.
(Renato Poupeu - revista CartaCapital, edição 633)


O QUE HÁ PARA OUVIR


CD - A dama indigna - Cida Moreira - Selo Jóia Moderna - "Sempre rascante e essencialmente
teatral, Cida Moreira honra sua concisa discografia no econômico A DAMA INDIGNA. O vínculo
brechtiano faz a delícia de caprichos em vozeirão e piano como Soul, love de David Bowie quando
era Ziggy Stardust, Palavras (com tempo ruim/todo mundo também dá bom-dia) do intenso e pala-
vroso Gonzaguinha, a mítica Mãe de Caetano Veloso (cantada originalmente por Gal Costa) e,
tudo a ver com a atmosfera geral, Back to Black, da rebelde sem causa Amy Winehouse."
(Pedro Alexandre Sanches - revista CartaCapital, edição 633)

        

LULA, DILMA E A VELHA MÍDIA

EMIR SADER


O esporte preferido da mídia é fazer comparações da Dilma com o Lula. Sem coragem para reconhecer que se chocaram contra o país – que deu a Lula 87% de apoio e apenas 4% de rejeição no final de um mandato que teve toda a velha mídia contra – essa mídia busca se recolocar, encontrar razões para não ser tão uniformemente opositora a tudo o que governo faz. O melhor atalho que encontraram é o de dizer que as coisas ruins, que criticavam, vinham do estilo do Lula, que Dilma deixaria de lado.

Juntam temas de política exterior, tratamento da imprensa, rigor nas finanças públicas, menos discurso e mais capacidade executiva, etc., etc. Como se fosse um outro governo, de outro bloco de forças, com linhas politica e econômica distinta. Quase como se a oposição tivesse ganho. Ao invés de reconhecer seus erros brutais, tratam de alegar que é a realidade que é outra.

Como se o modelo econômico e social – âmago do governo – fosse distinto. Como se a composição do governo fosse substancialmente outra, como partidos novos tivessem ingressado e outros saído do governo. Apelam para o refrão de que “o estllo é o homem” (ou a mulher), como se a crítica fundamental que faziam ao Lula fosse de estilo.

No essencial, a participação do Estado na economia está consolidada e, se diferença houver, é para estendê-la. Os ministérios econômicos e sociais são mais coerentes entre si, tendo sido trocados ministros de pastas importantes – como comunicação, saúde e desenvolvimento – para reafirmar a hegemonia do modelo de continuidade com o governo Lula.

A política externa de priorização das alianças regionais e dos processos de integração foi reiterada na primeira viagem da Dilma ao exterior, à Argentina, assim como no acento no fortalecimento dos processos latino-americanos, como a ênfase na aproximação com o novo governo colombiano e a contribuição ao novo processo de libertação de reféns comprova.

O acerto das contas publicas se faz na lógica do compromisso do governo da Dilma de estabelecimento de taxas de juros de 2% ao final do mandato, alinhadas com as taxas internacionais, golpeando frontalmente o eixo do principal problema econômica que temos: as taxas de juros reais mais altas do mundo, que atraem o capital especulativo. A negociação do salário mínimo se faz com o apoio do Lula. A intangibilidade dos investimentos do PAC já tinha sido reafirmada pelo Lula no final do ano passado.

Muda o estilo, ênfases, certamente. Mas nunca o Brasil teve um governo de tanta continuidade como este, desde que se realizam eleições minimamente democráticas. A velha mídia busca pretextos para falar mal de Lula, no elogio a Dilma, tentando além disso jogar um contra o outro. A mesma imprensa que não se cansou de dizer que ela era um poste, que não existiria sozinha na campanha sem o Lula, etc., etc., agora avança na direção oposta, buscando diferenças e antagonismos onde não existem.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)

O QUE FALAR DE DILMA?

Pelo que parece, a “grande imprensa” vai passar quatro anos a se remoer. Achava que a presidenta seria cópia piorada de Lula. Dá-se o caso que, neste início de governo, ela surpreendeu a mídia. Exatamente no que menos
se esperava: está fazendo, desde o primeiro momento, o governo dela

É engraçado ler nossa “grande imprensa” nos dias que passam. Seus colunistas e comentaristas vivem momentos difíceis, dos quais tentam escapar com saídas cômicas.
A raiz de seus problemas é que não sabem como lidar com Dilma Rousseff. Talvez achassem que seu governo seria óbvio. Que ela seria uma personagem que conseguiriam explicar com meia dúzia de ideias prontas.
Imaginavam, talvez, que o compromisso que ela assumiu com a continuidade do trabalho de Lula faria com que ficasse de mãos atadas. E, quando ela confirmou vários ministros e auxiliares do ex-presidente na sua equipe, devem ter tido certeza de que suas expectativas se confirmariam.
Achavam que Dilma seria uma cópia carbono de Lula. Piorada, naturalmente, pois sem sua facilidade de comunicação e carisma. Estava pronta a interpretação do novo governo: na melhor das hipóteses, uma repetição sem brilho das coisas que conhecíamos. Para quem, como nossos bravos homens e mulheres da “grande imprensa”, achou que o governo Lula havia sido uma tragédia, o de Dilma seria uma farsa. Como dizia o velho Karl Marx, quando a história se repete, é isso que acontece.
Dá-se o caso que, neste início de governo, Dilma os surpreendeu. Exatamente naquilo que menos esperavam: está fazendo, desde o primeiro momento, o governo dela.
Não há sinal mais evidente que a mudança que experimentou a parcela do ministério que manteve. Ficaram parecidos com os novos. São ministros dela e não ex-ministros de Lula.
Na verdade, esse é apenas um sintoma de que, em pouco mais de um mês, o governo Lula virou passado. Algo que era difícil antever aí está. Em grande parte, porque Dilma ocupou seu lugar, deixando claro que não é igual ao antecessor.
A “grande imprensa” brasileira estava preparada para essa hipótese, mesmo que a achasse improvável. Era o cenário da crise entre criador e criatura, tão frequente na política, que vem na hora em que o “poste” se rebela contra quem lhe deu vida. Não era pequena a torcida em favor desse desfecho: Dilma desentendendo-se com Lula, este aborrecido, ela enciumada, ele se sentindo traído, ela sozinha no Planalto.
Não é isso o que está ocorrendo. Lula não parece achar errado que Dilma tenha se sentado na cadeira que ele ocupou por oito anos e começado a governar desde o primeiro dia.
A frustração de perceber que quase nada do que imaginava está se verificando tem levado a “grande imprensa” a atitudes patéticas. Não há maior que a recusa em aceitar a decisão de Dilma de ser tratada como presidenta.
A insistência dos “grandes veículos” em só designá-la como presidente é pueril. Na língua portuguesa, as duas palavras existem, o que faz com que qualquer uma possa ser empregada. Se Dilma escolheu uma, que argumento justificaria negar-lhe o direito de usá-la?
É provável que os historiadores do futuro achem graça da implicância de nossos “grandes jornais”. Seu consolo acabou sendo pequeno: o que lhes resta é pirraçar, bater pé e chamá-la “presidente”.  Um dia, quem sabe, farão como os jornalões argentinos, que acabaram respeitando a mesma opção de Cristina Kirchner (os jornais chilenos, mais educados, nunca recusaram a prerrogativa a Michelle Bachelet).
Nesta semana, nossos vibrantes “grandes jornais” passaram a achar ruim que Dilma houvesse feito uma foto colorida para acrescentar à galeria dos presidentes da República. Queriam que fosse em branco e preto, talvez por picuinha. Sugeriram que ela quer “aparecer demais”.
E assim vamos. Pelo que parece, a “grande imprensa” vai passar quatro anos se remoendo.


PARANOIA E PERERECAS

É preciso esforço permanente para levar às pessoas o conhecimento dos verdadeiros problemas ambientais. O desenvolvimento não prejudica a qualidade de vida



Antes de sair por aí “tietando” certas figurinhas carimbadas que desembarcam no Brasil sob patrocínio de ONGs de obscura origem, nossos honestos ambientalistas deviam desconfiar de tanto amor que declaram aos nossos indígenas, cuja sobrevivência dependerá da preservação da Floresta Amazônica, obviamente sob garantia de supervisão internacional. Os brasileiros são muito mal informados sobre a qualidade de vida dos 23 milhões de amazônidas, seus irmãos brancos, pardos, negros,
amarelos e de pele morena: a grande maioria deles ainda não viu a luz e somente “intelectuais” podem imaginar que eles – os verdadeiros interessados – combatem a construção das hidrelétricas porque desejam continuar vivendo na escuridão e no atraso.

Além dessa forma de alienação, que julga seu dever impedir a duplicação de uma rodovia vital em nome da proteção a um tipo de perereca ameaçada de extinção, existe no mundo desenvolvido um interesse bem justificado sobre a utilização dos imensos recursos amazônicos em benefício da humanidade… A riqueza de sua biodiversidade, um rico subsolo praticamente virgem e oceanos de água doce obviamente são objetos de consideração nas projeções das equipes de planejamento do desenvolvimento nos próximos 30 anos em muitos países.

Não julgue o leitor que se trata de mais uma teoria conspiratória. Também não sei até que ponto se pode referendar o vazamento atribuído ao WikiLeaks, segundo o qual um graduado funcionário do Departamento de Estado americano classificou de paranoia a preocupação do governo brasileiro quando ouve críticas de estrangeiros à forma como lida com os problemas amazônicos. Não há nada de paranoico nesses cuidados da nossa parte. Um comentário descuidado pode não dizer nada ou pode ser bastante significativo.

Muita gente pode duvidar que no subsolo amazônico, do lado brasileiro, haja petróleo. Talvez haja. No início dos anos 80, auge da crise produzida pela explosão dos preços do petróleo, num jantar em Washington com o então secretário do Tesouro John Connally, ouvi um desses comentários despretensiosos. Lembrei-me do episódio durante a recente discussão das leis de imigração do estado do Arizona, que pretendem restringir o ingresso de estrangeiros e estão causando enorme desconforto aos antigos imigrantes. Connally era o governador do Texas que recepcionava o presidente Kennedy em Dallas e foi atingido no ombro e na perna por uma das balas assassinas, a qual ainda lhe causava desconforto ao caminhar.

A conversa no jantar (e não podia mesmo ser outra) era sobre o velho vício texano. Ele falou do petróleo de Angola e demonstrou curiosidade sobre as pesquisas da Petrobras no litoral norte angolano, se não me engano em Cabinda. Apesar das tensões ocasionadas pelas duras discussões sobre os problemas do endividamento brasileiro para garantir as importações do produto, tínhamos construído um relacionamento bastante civilizado e quase sempre cordial.

Num dado instante, Connally  quis saber das prospecções na Amazônia e, como quem tivesse alguma carta na manga, comentou descontraidamente: “Vocês sabem por que continuam donos da Amazônia?” E ele mesmo, rindo, respondeu: “Seus vizinhos são menos competentes: se vocês fossem vizinhos do Arizona, a Amazônia teria outros donos…”

Lembro-me que devolvi, na hora, com outro non sense: “Pode ser, mas vocês já não fazem John Waynes como antigamente…”

Na época, não era para levar muito a sério; depois, a crise do petróleo amainou e as pessoas tendem a esquecer esse tipo de problema. Hoje, com o aumento das tensões produzidas pela explosão demográfica e o crescimento agressivo da demanda por espaço para a produção de alimentos e para exploração das matérias-primas essenciais na produção industrial, talvez seja uma boa coisa tratar de reforçar as fronteiras.

Mais importante do que isso: no caso brasileiro, é preciso um esforço permanente para levar às pessoas o conhecimento dos verdadeiros problemas ambientais, para que não se deixem iludir com a ideia falsa que o desenvolvimen to econômico prejudica a qualidade de vida atual ou comprometerá a saúde das futuras gerações.

Temos absoluta necessidade de construir toda uma infraestrutura de transportes para aproximar os brasileiros entre si, acelerar a construção de hidrelétricas para proporcionar a oferta de energia e levar o progresso aos rincões mais pobres. Isso aumentará a segurança do sistema de energia, beneficiando todas as regiões. E podem fazê-lo com proteção inteligente ao meio ambiente.


ALERTAS INGNORADOS

Nas últimas semanas foram produzidos dois importantes documentos sobre a crise financeira deflagrada entre 2007 e 2008. No dia 27 de janeiro, a Comissão de Investigação do Congresso americano deu a público o Financial Crisis Inquiry Report e no dia 10 de fevereiro, o Fundo Monetário Internacional liberou o trabalho do Independent Evaluation Office, órgão interno encarregado de avaliar o desempenho da instituição no aconselhamento dos países. Resumo da peça: a coisa foi mal. Entre tanta autocrítica, sobressai a lamentosa constatação da pagina 25. “A autocensura parece ter sido um fator significativo (para inúmeros equívocos), mesmo na ausência de pressões políticas.”

 Poucas matérias jornalísticas cuidaram do relatório elaborado pela Comissão do Congresso sobre a crise financeira. O Financial Times e a revista The Economist, entre outros menos votados, são honrosas exceções. Em vários artigos, seus jornalistas e colunistas apresentaram avaliações do relatório, algumas críticas e ácidas. É divertido observar que mesmo em publicações de alta qualidade como as supracitadas, as opiniões se dividem apaixonadamente entre a turma da “culpa é de Wall Street” e os que atribuem a responsabilidade aos reguladores, ou seja, ao governo intrometido.

Before Our Very Eyes, assim  é denominado o primeiro capítulo do Relatório do Congresso. Em linguagem popular: “Estava na Cara”. É difícil negar que ao longo dos anos de gestação da crise, os olhos – os da mídia incluídos – estiveram vendados pela trava que os hipócritas apontam na visão alheia (palavras de Cristo, de admirável sabedoria). Já no caso de muitos economistas eminentes, sempre procurados para opinar, os olhos estavam travados, mas as imagens e palavras do documentário de Charles Ferguson, Inside Job, sugerem que os bolsos estavam arreganhados para a grana que escorria das façanhas da haute finance.

No relatório do Congresso, o percurso em direção é ana lisado mediante a narrativa de episódios esdrúxulos e de depoimentos patéticos de banqueiros, altos executivos e autoridades. A articulação entre as falas e as narrativas permite uma avaliação do papel desempenhado pelos vários fatores e protagonistas que levaram a economia global da euforia à depressão: as inovações financeiras geradoras de instabilidade, a omissão sistemática das autoridades encarregadas de supervisionar os mercados de hipotecas e, finalmente, a farra da emissão de securities lastreadas em empréstimos imobiliários.

 O episódio Ed Parker é emblemático. Parker era chefe do Departamento de Investigação de Fraudes da Ameriquest, então líder no mercado de financiamento de hipotecas. Em 2003, um mês após sua contratação, o diligente funcionário detectou fraude nos empréstimos efetuados pela companhia. Comunicou à administração superior da empresa. Os relatórios foram ignorados. Enquanto isso, os demais departamentos queixavam-se da excessiva preocupação do chefe de investigação de fraudes com a qualidade dos empréstimos. Em 2005, Parker foi rebaixado de manager a supervisor.  Em maio de 2006 recebeu um aviso, outrora chamado de “bilhete azul”.

Em 2003,  o subprocurador-geral de Minnesota, Prentiss Cox, pediu informações à Ameriquest sobre os empréstimos hipotecários realizados pela empresa. Recebeu dez caixas de documentos. Examinou aleatoriamente os contratos e, perplexo, observou que, em quase todos, os tomadores eram designados como “corretores de antiguidades”, um eufemismo para designar a condição de desempregados dos pretendentes ao crédito. Essas falsificações empalidecem diante da descrição do emprego de um senhor de 80 anos que só conseguia se locomover com o auxílio de um andador. Profissão? “Trabalhos Leves na Construção.”

Cox indagou-se das razões que levaram uma empresa de tal porte ao cometimento de malfeitorias. Um amigo atilado sugeriu: “Olhe para cima”. Cox acordou para a realidade: as instituições que concediam créditos hipotecários estavam simplesmente gerando produtos para Wall Street empacotar e distribuir mundo afora.

As instituições federais bloquearam sistematicamente as tentativas de regulamentar e coibir a multiplicação de empréstimos irregulares. No pelotão de frente estavam duas autoridades federais: o Office of the Controller of the Currency (OCC), encarregado de fiscalizar os bancos comerciais nacionais – incluídos o Bank of America, o Citibank e o Wachovia; e o Office of Thrift Supervision (OTS), incumbido de vigiar as instituições nacionais de poupança. Em 2001, Julie Willians, chairman do conselho do Controller of de Currency, ministrou uma palestra para as autoridades estaduais. Em sua arenga, Willians advertiu os presentes de que iria “aniquilar” quem insistisse na investigação das práticas das instituições nacionais de crédito. Bingo!


A fama de Pochmann e o pernil de Delfim

Por Rodrigo Vianna, do blog O Escrevinhador



Essa história de oferecer “Cem Dias” de trégua para o governo que se inicia é um modismo que vem dos EUA, mas faz algum sentido. É um tempo mínimo para que as equipes se (re) organizem e para que as primeiras diretrizes sejam tomadas, indicando os rumos da nova administração.
O governo Dilma não chegou nem à metade dos “Cem Dias”. Ainda assim, é possível já identificar algumas tendências – não só do governo que começa, mas também do quadro político brasileiro.
Nesse primeiro texto, do que pretende ser um modesto “balanço” do início de governo, vou-me concentrar mais na economia.
Os primeiros sinais do governo Dilma indicam reversão da política “expansionista” adotada no segundo governo Lula para enfrentar a crise. O ministro Mantega, da Fazenda, teve papel fundamental em 2009 e 2010, ao adotar um programa que – em tudo – contrariava a velha fórmula utilizada pelos tucanos em crise anteriores: quando o mundo entrou em recessão, com os EUA lançados à beira do precipício, o Estado brasileiro baixou impostos, gastou mais e botou os bancos estatais para emprestar (forçando, assim, o setor privado a também emprestar).
O Brasil saiu bem da crise – maior, gerando emprego, e ainda distribuindo renda. Lula, quando falou em “marolinha” naquela época, foi tratado como um néscio. E Mantega, ao abrir as torneiras do Estado, como um estúpido economista que se atrevia a rasgar a bíblia (neo) liberal.  Lula pediu que o povo seguisse comprando. Os tucanos (e os colunistas e economistas a serviço do tucanato) diziam que era hora de “apertar os cintos”. Lula e Mantega não apertaram os cintos. Ao contrário: soltaram as amarras da economia, e evitaram o desastre.
As primeiras medidas adotadas por Dilma vão no sentido inverso: corte de despesas estatais, alta de juros, aumento moderado do salário mínimo. É fato que a inflação em alta impunha algum tipo de medida para frear a economia. Mas a fórmula adotada agora indica um “conservadorismo”, ou “tecnicismo”, a imperar nas primeiras decisões do governo Dilma. Não é à toa que a velha imprensa derrama-se em elogios à nova presidenta, tentando abrir entre Dilma e Lula uma “cunha”, como a dizer: Lula era o populismo “atrasado” e “irresponsável”, Dilma é a linha justa (discreta, moderada, a seguir a velha fórmula liberal de gestão).
Há alguns sinais – preocupantes, eu diria – de que Dilma estimula esse movimento de proximidade com os setores mais conservadores da velha imprensa. Mas voltarei a isso no texto seguinte, na segunda parte desse balanço…
Voltemos à economia: as centrais sindicais fazem grande barulho por conta do salário mínimo subir “apenas” para R$ 545. Acho positiva essa pressão. O movimento sindical pode – e deve – criar um espaço para mais autonomia em relação ao governo. E deve perguntar, sim: por que, na crise, o governo quebrou regras para favorecer as empresas (corte de impostos), e não pode quebrar a regra do reajuste do mínimo para dar um aumento maior? É preciso mesmo tensionar o governo, pela esquerda. Ok. Mas, modestamente, acho que a medida mais danosa adotada pela administração Dilma, nesse início, não é o freio no salário mínimo – até porque, pelas regras acertadas durante o governo Lula (o salário sobe sempre com base na inflação do ano anterior mais o PIB de dois anos antes), o mínimo deve ter em 2012 um crescimento robusto, passando dos R$ 610. O que preocupa mais é outra coisa: a alta dos juros.
Explico: o impacto de juros altos é devastador para a estrutura econômica brasileira. O aumento da taxa serve para frear um pouco a demanda (e, assim, segurar a inflação), mas tem o efeito colateral de atrair cada vez mais dólares para o Brasil. Isso é ruim? Em parte, é. Com os juros brasileiros em alta, investidores do mundo inteiro despejam aqui dinheiro que não vem pra investimento, mas pro cassino financeiro. E qual a consequência? O real fica cada vez mais forte em relação ao dólar. Já bate em R$ 1,65. Isso provoca um estrago sem precedentes na indústria nacional. Fica muito mais fácil importar do que produzir qualquer coisa aqui no Brasil.
Meses atrás, entrevistei na “Record News” o professor Marcio Pochmann, presidente do IPEA. Ele é uma das melhores cabeças do governo – cabeça que, aliás, corre riscos, porque o IPEA foi colocado sob a guarda (guarda?) de Moreira Franco, que já andou espalhando pela imprensa o desejo de demitir Pochmann. Hum… Seria mais um sinal negativo. Mas, por enquanto, não se confirmou.
Na entrevista, o presidente do IPEA dizia-me que, por causa da equação econômica que expus dois parágrafos acima, o Brasil corre o risco de se perder na fórmula fácil da “fa-ma”.
Não se trata do Big Brother Brasil. Mas de algo mais sério. A “fa-ma”, diz Pochmann, é a mistura de fazenda com indústrias maquiladoras (como as existentes no México).
Ou seja: com câmbio desfavorável (por causa dos juros altíssimos que inundam o país com dólares), o Brasil só conseguiria manter competitividade na agricultura, contentando-se com o papel de grande fazenda do mundo, a fornecer grãos e carne para chineses e europeus. Do lado da indústria, aconteceria algo parecido ao que ocorreu no México, depois de assinar o Nafta, tratado de livre comércio com EUA e Canadá. A indústria mexicana foi dizimada. Quase tudo vem pronto de fora, e o México mantem apenas “maquiladoras” para fazer a “montagem” final dos produtos (aproveita-se, pra isso, a mão-de-obra barata do país).
O Brasil tem um parque industrial sofisticado – construído a duras penas, desde a era Vargas. Nossa indústria parece ter resistido às ondas de abertura recentes. Mas tudo tem limite.
Em artigo  na “CartaCapital”, o ex-ministro Delfim Netto – a quem se pode criticar por ter servido à ditadura, mas que nunca desistiu de pensar no futuro do Brasil –  tratou desse assunto de forma incisiva:
“Não é preciso ser economista para entender uma coisa simples: cinco anos atrás, quando não se falava de desindustrialização, as condições importantes para o trabalho das indústrias eram as mesmas que são hoje. Qual é a única grande diferença entre o que tínhamos naqueles anos e o que temos hoje? É um câmbio extremamente valorizado por uma política monetária que mantém a taxa de juros brasileira no maior nível do mundo. O Brasil continua sendo aquele pernil com farofa à disposição do sistema financeiro internacional, mesmo fora da época das festas.
Todas aquelas discussões não levaram a nada: só agora os mais sabichões começam a entender que a questão-chave que o Brasil tem de resolver não é um problema de câmbio; o que resolve é construir uma política monetária que, num prazo suportável, leve a taxa de juros interna ao nível da taxa de juros externa.”
As primeiras medidas econômicas tomadas pela equipe de Dilma podem indicar um caminho perigoso, na direção da “fama” do Pochmann e do “pernil com farofa” do Delfim.
Lula e Palocci, dirão alguns, começaram do mesmo jeito em 2003, lançando os juros na estratosfera. A diferença é que o Brasil vinha de uma campanha eleitoral, em 2002, em que se tinha vendido para o mercado (ou pelo mercado) o “risco Lula”. Era preciso evitar o “risco”. Agora, Dilma encontrou o país crescendo, bem arrumado.
Os economistas de linha liberal diriam que, para baixar os juros e fugir do estigma da fama e do pernil, é preciso “primeiro” cortar os gastos públicos. É a velha lenga-lenga: “precisamos fazer a lição de casa”. Dilma fez exatamente isso, com o corte recente de 50 bilhões no Orçamento. E elevou os juros ao mesmo tempo. Eles cairão mais à frente?
Na época de Malan/FHC, a gestão liberal ficava sempre pelo meio do caminho: corte de gasto, seguido de… mais cortes de gastos. Fora as privatizações. E a hora de baixar os juros? Não chegava nunca.
Não era à toa. Juros altos garantiam o real equiparado ao dólar (“moeda forte”, lembram? Foi assim que FHC se reelegeu em 98; depois, desandou tudo).
Mais que isso: juros altos fazem a alegria dos banqueiros e daqueles que vivem de aplicar dinheiro a taxas estratosféricas, “ajudando” assim  a financiar a dívida pública (sempre crescente, por causa dos juros!). Malan, depois de deixar o Ministério da Fazenda, foi trabalhar num banco. Palocci teve sua campanha a deputado, dizem, financiada por banqueiros…
Palocci, agora, está na Casa Civil.
Hum…
O governo Dilma vai significar um movimento em direção ao centro, com a gestão “técnica” da economia – que tanto encanta colunistas e economistas tucanos?
A presença de Mantega na Fazenda parece indicar que não… Ou que “nem tanto”.
Dilma chegou a afirmar em entrevistas que uma das metas de seu governo – além de eliminar a pobreza extrema – seria trazer os juros reais do Brasil para patamares “civilizados”. Pode ser que a meta seja essa, a médio prazo.
Mas o risco é perder-se no meio do caminho.
Cinquenta dias são muito pouco para qualquer leitura definitiva sobre as escolhas de Dilma.
Mas é bom olhar com atenção para essas escolhas – especialmente na economia. E torcer para que a nova gestão não se deixe encantar pela “fama”, e nem sirva o Brasil na mesa da banca internacional – como se fosse um suculento “pernil com farofa”.

O FARAÓ, CAMELOS E FACEBOOK

Berlim. Os últimos acontecimentos no Egito, em especial os últimos 18 dias entre 25 de janeiro e 11 de fevereiro colocam por terra algumas teses tradicionais das ciências políticas e da percepção política e social do Mundo Árabe pela opinião pública ocidental. A tese, velha da Guerra Fria, sobre a pretensa “excepcionalidade árabe”, da sua incapacidade para a democracia e, portanto, a aceitação alegre, pelo Ocidente, de todo tipo de ditadura pós-colonial (claro, sendo pró–ocidental). Da mesma forma, a crença na inexistência de uma opinião pública no mundo árabe, explicaria a ausência de democracia. Ambas as teses devem, agora, ser severamente revistas.

O Egito de Hosni Mubarak
O Egito é um país central para o mundo árabe, para os muçulmanos em geral e para o equilíbrio no Oriente Médio e no Mediterrâneo. Os últimos dados confiáveis – já que o censo demográfico, e conseqüentemente o acesso à condição de eleitor, é um dado secreto, só sabido pelas forças de segurança – dão ao país pouco mais de 80 milhões de habitantes, extremamente concentrados no Cairo e na longa e estreita faixa fértil ao longo do Nilo. Isso faz do Egito o país árabe mais populoso do mundo (o país muçulmano mais populoso é a Indonésia, logo seguida do Paquistão, países não-árabes). Ao mesmo tempo a população egípcia é extremamente jovem. Cerca de 33% de todos os egípcios possuem menos 15 anos de idade e a média nacional de idade é de 24 anos.

Temos aqui um primeiro dado que ilumina profundamente a revolta, e a conseqüente revolução, no país: a extrema juventude da população, a maioria nascida quando Mubarak já era o raís – o líder e chefe – do Egito. Estes jovens não são contemporâneos da Guerra dos Seis Dias, em 1967, e da Guerra do Yom Kippur, de 1973, nas quais Hosni Mubarak conquistou suma fama de defensor da pátria. É em verdade uma juventude marcada pela presença da globalização, dos meios eletrônicos e da busca de uma boa carreira profissional e um padrão de vida melhor (a média salarial egípcia está em torno de 100 euros mensais).

Contudo as vantagens param por aí: apenas 71% desta imensa população é alfabetizada, sendo que entre as mulheres apenas 59% delas podem ler e escrever. Tal restrição não decorre, como rapidamente poder-se-ia dizer no Ocidente, do Islã. Muitas mulheres egípcias ocupam postos importantes na universidade, nos hospitais e nas escolas. Trata-se, em verdade, de deficiência do regime.

As reformas falhadas
A economia egípcia depende de uma agricultura tradicional, centrada na produção de algodão, arroz, trigo aos quais se soma a indústria têxtil e a exploração do petróleo, apenas relevante. Contudo o turismo e os direitos decorrentes do trânsito do Canal de Suez geram grande parte da riqueza do país e o fato de serem atividades diretamente controladas pelo Estado são, também, fontes da ampla corrupção e do enriquecimento ilícito da elite mantida pelo regime de Mubarak.

Mubarak buscou, desde a crise de 2008, “abrir” o país aos investimentos e aos capitais estrangeiros, nomeando um ministério de tecnocratas altamente influenciados por um impiedoso neoliberalismo tardio. Os resultados foram catastróficos. O deficit público atingiu 8% do PIB e o desemprego espraiou-se por toda a população, atingido quase 10% da população ativa do país, enquanto a inflação saltava para 12% ao ano. Assim, somava-se à ausência de democracia e a imposição do espetáculo da corrupção das elites, a pobreza crescente das populações. Não é de estranhar que o primeiro egípcio a se imolar contra o regime Mubarak fosse um desempregado.

O Egito é, ainda, um dos mais importantes parceiros na “ajuda” militar dos Estados Unidos, logo abaixo de Israel e pouco antes da Colômbia. A grande parceria entre Estados Unidos e Egito emergiu quando Anwar Al-Sadat (o sucessor de Gamal Abdel Nasser e que governou entre 1970 e 1981) rompeu as tradicionais relações com a então URSS, em 1972, expulsou milhares técnicos e militares russos, e voltou-se para o Ocidente. Em troca de uma política externa “aceitável” para o Ocidente – ou seja, garantia de segurança para Israel, manutenção da liberdade de navegação no Canal de Suez e fechamento do acesso aos palestinos na região de Gaza – os EUA mantêm as FFAA do país em alto nível de desempenho e com o equipamento necessário para dar aos militares egípcios o sentimento de superioridade e segurança no Mundo Árabe.

A elite militar
O país, contudo, gasta 3.4% do seu PIB de U$ 500 bilhões com os militares, que formaram ao longo dos trinta anos de regime Mubarak (1981-2011), uma elite muito acima dos níveis sociais do conjunto da nação. O próprio marechal Mohamed Hussein Tantawi, de 75 anos, que acumulava o ministério da defesa e a chefia das FFAA e agora é o chefe do Conselho Supremo que governa o Egito pós-Mubarak, é parte desta elite gerada sob o regime e que se comportou ao longo dos últimos trinta anos como garantidor do regime.

Mas, a burocracia estatal, em grande parte oriunda do Partido Nacional Democrático (de Mubarak), mereceu bem mais críticas do que as FFAA. O alistamento militar massivo, como uma alternativa para jovens rapazes mal preparados e sem esperanças no mundo profissional, além das histórias de heroísmo na Guerra do Yom Kippur, garantiram grande popularidade aos militares.

A decisão de não reprimir a população revoltada na Praça da Libertação – na verdade uma tarefa transferida para a polícia e os paramilitares - nos dias mais duros da revolta consolidou a popularidades das FFAA. Contudo, o regime inaugurado dia 11 de fevereiro é, em verdade, uma brutal ditadura militar, onde o Conselho Supremo Militar governa por decretos inapeláveis.

A esperança de uma transição pacífica para a democracia é, contudo, real e concreta. A proclamação do Conselho Supremo Militar promete “eleições livres, novo marco constitucional e políticas de ajuda e assistência social para a população”.

O marechal Tantawi (ao lado do chefe dos serviços secretos Omar Suleiman, o vice-presidente nomeado por Mubarak no auge da crise), de 75 anos, o homem forte do novo regime, possui um longo histórico de negociações com os americanos e os israelenses, servindo de garante para o status quo pós-1973 (ano da Guerra do Yom Kippur). Não sem motivos, Tantawi fez contato, logo após assumir o poder no Cairo, com Ehud Barak, ministro da defesa de Israel, para garantir – ao contrário do sentimento popular, claramente pro-palestinos, que nada mudaria na política externa e de defesa do Egito.

A cólera das ruas
Os cientistas e acadêmicos ocidentais, seguidos apressadamente pela mídia, sempre declararam a inexistência de uma “opinião pública” no Mundo Árabe. Mesmo no Egito, onde uma poderosa elite e uma importante classe média bem educada, falante de inglês, possuem raízes profundas, era negada qualquer possibilidade de existência de uma “sociedade civil”.

Claro, que o olhar dirigido pelo Ocidente ao Mundo Árabe era (e ainda é) baseado na sua própria história, nas experiências vividas nas margens do Atlântico Norte, tais como a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Em face do fato de que a história do Egito (bem como da Índia ou da China) não possuírem experiências similares, concluía-se pela impossibilidade da democracia implantar-se nos antigos países “coloniais”.

Assim, o Egito (e os demais países não-europeus) estaria condenado a viver regimes autoritários, a única forma de garantir a ordem e o progresso em face de massas atrasadas e, normalmente, fanatizadas pelo Islã ou outra religião não cristã.

Assim, o próprio conceito de “opinião pública” foi, para os analistas ocidentais, substituído pela idéia de “rua árabe”. Apenas a rua, as praças e o bazar seriam locais de reunião e de troca de opinião, em substituição precária e esporádica da noção ocidental de “opinião pública”. A “rua árabe” funcionava ora como espaço amedrontado do murmúrio, ora como o local de explosões violentas e sem direção. As redes tradicionais de sociabilidade árabes – como as mesquitas, os cafés e a ampla rede de instituições de ensino e, no caso egípcio, a Universidade de Al-Azhar, além da sociabilidade profunda nos locais de trabalho – nunca mereceram a necessária apreciação. Assim, criava-se a noção de uma “excepcionalidade árabe”, uma espécie de beco sem saída político, onde a escolha seria entre regimes autoritários capazes de controlar a multidão feroz ou o caos fanatizado das massas.

Camelos e Facebooks
O processo em curso no Egito – depois da experiência na Tunísia – mostra outra realidade, mais complexa e nuançada, onde a ciência política ocidental, e a percepção leiga, não foram capazes de entender os elementos constitutivos mais importantes.

Não só a população urbana dos grandes centros mostrou-se capaz de ampla mobilização – foi assim em Túnis, no Cairo ou Alexandria e aponta para ser em Argel e em Sanaa – como ainda foi capaz de fazê-lo sem apelo à violência endêmica e a xenofobia ou, o que se dizia acontecer, cair em mãos do islamismo radical. A surpresa adveio, assim, do conhecimento superficial do Mundo Árabe e, ao mesmo tempo, dos preconceitos ocidentais.

De forma muito apressada, a mídia ocidental – saturada de sua própria tecnologia e idolatrando produções como “Rede Social” – denominou o movimento de rebeldia como uma “Facebook Revolution”, dada a relevância, concreta, dos meios eletrônicos na dispersão das ideias de revolta. Ainda aqui, mais uma vez, as redes tradicionais de sociabilidade árabes, as formas de comunicação diárias nas escolas, mesquitas, nos cafés e no trabalho, são ignoradas em favor de uma percepção tecnologizante e ocidentalizada.

A piada do “Le Monde” mostrando um Mubarak atento à explicação do que é Facebook pelo seu camelo no caminho do exílio para Sharm el-Sheik é boa, mas é só uma piada.

As revoluções sempre ocorreram na história onde a repressão política e o mal-estar econômico e social perduraram sobre as populações. A revolução Russa (1917) ou a longa Revolução Chinesa (até 1949), bem como a Luta pelas Diretas Já, na redemocratização do Brasil, por exemplo, não foram produtos – e nem o poderiam ser – da Internet (ou mesmo do rádio ou da televisão). Havia, ontem como hoje, redes de sociabilização do protesto e da resistência, e a Internet pode ser um ótimo meio para a divulgação de novas (e velhas) ideias. Mas, a Internet não pode ser considerada a causa das revoluções.

Estaríamos, neste caso, em face de um novo preconceito, agora explicando a história das revoluções através de tecnologias recentíssimas. Seria apenas mais uma forma de etnocentrismo.

Uma revolução moderna
Um outro preconceito aceito sem debates no Ocidente é a certeza que os movimentos sociais no Mundo Árabe, quando movimentos de massa, são sempre islâmicos radicais. O que vemos hoje – apesar do claro processo de re-islamização das sociedades árabes pós-coloniais – é uma explosão de ideais e projetos de futuro em busca de uma vida melhor, adequando islamismo e bem-estar social. A “onda islamizante” já passou. Os jovens que protestam no Cairo são irmãos daqueles que protestam em Teerã contra a ditadura dos aiatolás.

A geração islamistas radical não está no Cairo e sim em Kandahar.

É bem verdade que tais preconceitos são sempre favoráveis aos interesses ocidentais. A crença arraigada na impossibilidade de uma democracia árabe, ou muçulmana, servia à perfeição para justificar o apoio ocidental aos regimes repressivos mais cruéis e abusivos existentes no mundo em face de um hipotético risco de ascensão do caos e fanatismo. Assim, a Europa comunitária (CE), pretensa pátria da democracia, manteve até bem tarde calada em face das revoluções em Túnis e no Cairo. Em Munique, na reunião anual sobre segurança e defesa, o chefe da OTAN – a aliança militar ocidental – apontou para as mudanças políticas no Mediterrâneo como a causa imperiosa para o aumento dos gastos militares.

Por sua vez, Israel – “a única democracia do Oriente Médio” – não só lamentou a revolta egípcia, como ainda desenvolveu sérias gestões junto a Washington visando demover o Presidente Obama em seu apoio aos militantes da Praça da Libertação no Cairo. Para o premier Netaniahu a segurança de Israel não se adéqua com a democracia no Oriente Médio.

Os espetaculares acontecimentos em Túnis e no Cairo abrem caminho para o debate série e não mais eivado de etnocentrismo sobre os diversos caminhos, autônomos, em direção a uma democracia sólida e humanitária. A preeminência ocidental, a modelagem única baseada na história desta pequena e hoje cada vez mais pobre península da Eurásia, não seria mais modelo obrigatório para todos.

A conciliação entre Islã e democracia, lançando por terra prateleiras inteiras de “saber ocidental”, encontra-se hoje, no Cairo, com seu próprio destino. Conforme a proclamação do Conselho Supremo do Egito busca-se a construção de um sistema “em que a liberdade do ser humano, o império da lei, a fé no valor da igualdade, a democracia plural, a justiça social e a erradicação da corrupção constituam as bases da legitimidade de qualquer sistema de governo que dirija o país”.

Palavras. Mas, são palavras que vieram de 18 dias de revolta e luta e custaram até o momento 300 mortos.

(*) Professor Visitante da Universidade Técnica de Berlim

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/ )