27 agosto 2011

O QUÊ HÁ PARA LER

ONDE VAMOS PARAR?

Militantes da 'faxina' reeditam o Cansei
               - Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania)

A OPINIÃO DE MINO CARTA

A desigualdade Global
                - Mino Carta (Revista CartaCapital)

BRASIL

Uma decisão do STF que trocou seis por meia dúzia
                - Maria Inês Nassif (sítio Carta Maior)
Uma pedra no caminho
                - Maurício Dias (Revista CartaCapital)

NOSSO MUNDO

A dúvida sobre os rebeldes líbios
                - Patrick Cockburn (sítio Carta Maior)
Especulação financeira, e não problema climático, explica a fome no chifre da África
                - Marcel Gomes (sítio Carta Maior)

ECONOMIA

Petrobrás afeta geopolítica, e 'doença holandesa' é risco, diz Gabrielli
                  - André Barrocal (sítio Carta Maior)

AMÉRICA LATINA

Chile vive maior protesto desde Pinochet
                  - Christian Palma (sítio Carta Maior)





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H U M O R


Me beija! Me agarra!






 Por Adão Iturrusgarai

ONDE VAMOS PARAR?

Militantes da 'faxina' reeditam o Cansei




Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Quem chegasse hoje ao Brasil e lesse os jornais imaginaria que há uma guerra contra a corrupção liderada por uma imprensa idealista. O noticiário exacerbou exponencialmente aquela “cruzada ético-midiática” que permeou a década passada. Se, durante o governo Lula, havia alguma denúncia todos os meses, no governo Dilma o processo foi elevado ao cubo, com várias denúncias sendo espalhadas ao mesmo tempo.

Após os ministros da Casa Civil, da Agricultura, dos Transportes e da Defesa, entraram na mira os ministros da Casa Civil (de novo), das Cidades, do Turismo, das Comunicações e, agora, até o presidente da Câmara dos Deputados (que é do PT, claro).

A mídia, aproveitando-se de que suas denúncias geraram efeitos que as corroboraram – não porque foram irrefutáveis, mas porque o governo cedeu à pressão que desencadearam – intensificou sobremaneira a campanha moralista. Já há movimentos “espontâneos” na sociedade de formação de grupos civis para protestarem “contra a corrupção” em marchas e passeatas.

Os militantes “anticorrupção” da hora reeditam o movimento Cansei, que surgiu durante o governo Lula contando com o apoio de artistas, empresários, das classes mais abastadas e dessa mesma imprensa sempre disposta a fazer campanhas moralistas contra o PT e seus aliados, mas só contra eles.

Com tantas denúncias e demissões, parece haver uma cruzada contra todos os corruptos. E como essas denúncias ganharam credibilidade porque provocaram demissões em massa no governo Dilma, à diferença do Cansei não estão caindo no ridículo.

Seria muito bom que houvesse uma faxina de verdade na administração pública do Brasil, pois a corrupção realmente se institucionalizou neste país. Está entranhada em todos os governos. Em alguns mais, outros menos, mas está entranhada no Estado brasileiro (Executivo, Legislativo e Judiciário). Só que a “faxina” que ocupa o noticiário não é uma faxina de verdade, mas uma campanha para desmoralizar este governo, seu partido, seus aliados e, acima de todos estes, o ex-presidente Lula.

Fosse de outra maneira, não estaria restrita ao governo federal e aos seus aliados. Assim como a mídia fustiga o governo do Rio de Janeiro e, acima de tudo, o seu titular, Sergio Cabral, com denúncias de corrupção e má conduta do governador daquele Estado, se estivesse realmente querendo combater a corrupção fustigaria também os governos de São Paulo ou de Minas Gerais, contra os quais pesam tantas denúncias.

Dito assim de chofre que há denúncias contra os governos paulista ou mineiro, quem não acompanha a política muito de perto ficaria surpreso. Afinal, na imprensa de São Paulo, do Rio ou de Minas não saem acusações ou denúncias contra eles.

As oposições em São Paulo e Minas reclamam de que a mídia ignora os deputados estaduais desses Estados que batem às portas da Globo, da Folha de São Paulo, da Veja e do Estadão, entre outros, pedindo pressão para conseguirem instalar CPIs contra os governos Geraldo Alckmin e Antonio Anastasia. Mas como no tempo de José Serra e Aécio Neves, esses meios de comunicação nem os recebem.

Há deputados paulistas e mineiros com calhamaços de denúncias contra os governos Alckmin e Anastasia. Eles dizem que suas denúncias têm muito mais indícios do que as que estão derrubando ministros de Dilma Rousseff, mas as redações dos grandes meios de comunicação estão proibidas de noticiar qualquer coisa que desfavoreça o PSDB.

Os militantes dessa “faxina” exclusivamente contra o PT e aliados, que poupa políticos de administrações controladas pelos partidos que se opõem ao governo Dilma, reeditam o Cansei. Estão sendo programados atos públicos para baterem com o noticiário. Em breve, as capitais brasileiras estarão vendo esses grupos saírem as ruas com aquelas peruas enfeitadas com jóias e mauricinhos com seus tênis e roupas “de marca”.

Para engrossar grupelhos de dondocas, o PSDB tenta cooptar centrais sindicais que sempre se opuseram à CUT e ao PT, mas que aderiram a Lula na década passada porque, como durante o governo Fernando Henrique Cardoso, sempre estiveram ao lado do poder. Se os tucanos e seus jornais, revistas, rádios, TVs e portais de internet tiverem sucesso, em breve veremos um Cansei vitaminado ganhando as ruas do país.

A OPINIÃO DE MINO CARTA

A desigualdade global


Orwell: infelizmente, estava certo. Foto: AP

Frases feitas afirmam-se periodicamente. Depois da queda do Muro de Berlim vingou a ideia de que também ruíra a ideologia como se a nova crença não fosse altamente ideológica. No momento, se você observa que nem tudo no Brasil anda às mil maravilhas, ouvirá de bate-pronto que o mundo inteiro está em crise. Alguém acrescentará: nesta moldura de franca decadência, até que nós estamos em condições menos graves. Em parte, é verdade. Factual, como indicam os índices de crescimento do País, ainda bastante razoáveis.

No imanente e no contingente, verdades factuais de diversos pesos têm de ser registradas, a começar pela crise econômica e financeira e pelas responsabilidades dos senhores da Terra, impávidos na repetição dos erros que provocaram o desastre de 2008 e que, três anos depois, precipitam a recaída. Recaídas sempre agudizam a doença.

Há, em contrapartida, os avanços científicos e tecnológicos. São passos importantes, e mesmo assim têm duas faces como Janus bifronte, e se prestam a aprofundar as desigualdades, em um mundo que se povoa de velhos nos países ditos ricos e cresce à desmesura nos países pobres. Somos hoje 7 bilhões de terráqueos e seremos 10 bilhões em poucas décadas. Pergunta óbvia e imediata: haverá comida para todos?

Surgem, porém, outras perguntas, igualmente pertinentes: qual será o tamanho da contribuição desse aumento populacional ao desequilíbrio ambiental? Previsões sombrias: as temperaturas crescerão 4 graus. Ah, sim, vai faltar água.

Estamos de acordo quanto ao fato de que George Orwell foi um infatigável pessimista. Leonardo da Vinci imaginou o helicóptero, Verne o submarino, Orwell o Grande Irmão, a nos espreitar dia e noite. Os três anteciparam os eventos. Propuseram o teorema e o provaram. Talvez valha considerar como a evolução tecnológica e a chamada cultura de massa acabaram por dar razão a Orwell. A humanidade bombardeada pelas versões midiá-ticas comandadas pelos Murdoch da vida, titulares e aspirantes, espionada até nos recessos mais recônditos, tolhida fatalmente à prática do espírito crítico, emburrece em progresso inexorável.

O seguinte quesito exige uma resposta rápida: anima-nos constatar que líderes globais se chamem Cameron, Sarkozy, Obama, Berlusconi, Merkel etc. etc.? Houve tempos melhores, e eis mais um sinal da decadência, sem falar de Trichet, Bernanke e companhia. Sim, o mundo é cada vez mais medíocre, para não dizer incompetente. Inepto em geral, e mesmo na inépcia, desigual. Não me refiro, está claro, à desigualdade econômica e social ou mesmo estética, como se tivesse a pretensão de comparar o Sambódromo carioca com o Coliseu, a anacrônica Sé de São Paulo com a Catedral de Chartres.

Jean Clair, o mais importante crítico de arte francês, acaba de publicar um livro em que investe contra a chamada arte contemporânea. Digamos, ao acaso, a do inglês Hirst, que vende por 12 milhões de dólares um cadáver de tubarão mergulhado em um cubo de vidro cheio de formol, a fingir uma intacta ferocidade. Clair denuncia os assassinos da arte, de fato mestres em marketing. Na Europa, instigado pela própria crise, desenrola-se um intenso debate sobre a validade de empulhações variadas propostas por bienais e outras tertúlias pretensamente artísticas, e sobre os preços impostos pelo mercado em delírio. Por aqui, continuamos a importar vezos, modas, besteiras inomináveis.

O Reino Unido produz uma televisão como a BBC, aqui é a treva. Quem se der a comparar os jornalões nativos com The Guardian ou o La Reppublica não poderá deixar de cair em depressão. Também não são nativos os irmãos Coen, Seamus Heaney ou Philip Roth. Em compensação os nababos brasileiros, sobretudo paulistanos, assemelham-se aos emires do Golfo, e um dos países de pior distribuição de renda do mundo baseia em São Paulo a segunda maior frota de helicópteros do globo.

A maioria dos brasileiros não possui a consciência da cidadania e até hoje 1% da população é dona de 50% das terras férteis. Temos um povo resignado e uma elite, salvo raras exceções, exibicionista, ignorante, mal-educada e terrivelmente provinciana. Não é assim em outros cantos, e são estes pontos que convém ressaltar se o assunto é a desigualdade global. E o Brasil, sempre para ficar nos exemplos, é também o país onde um assassino contumaz como Cesare Battisti recebe asilo e, no momento, do Ministério da Justiça os documentos que o habilitam como livre cidadão a viver e trabalhar entre nós.

Não é por acaso que quaisquer estudos, pesquisas e estatísticas sobre o ensino no Brasil exibem a precariedade do próprio. No fundo, o Caso Battisti é, antes de mais nada, a prova de uma enorme, abissal ignorância, exibida à larga, até com empáfia, em nome da soberania nacional. Avulta a ignorância de autoridades, juristas e juízes (?) que ao enfrentarem o problema nem se dignaram a inteirar-se da história da Itália do pós-Guerra.

Encerrado o lamentável capítulo, na esteira acaba de vir a derradeira decisão: turistas italianos poderão permanecer 90 dias por ano, improrrogáveis, em lugar dos 180 dias anteriores, proporcionados a todos os europeus. Soa como represália aos protestos de Roma, retoque final à altura da história toda.



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

BRASIL



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/




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Uma pedra no caminho




A pedra no caminho de Dilma é a eleição municipal de 2012. E é uma pedra irremovível porque reflete o confronto entre os anseios políticos expansionistas do PT e do PMDB, partidos que formam a viga mestra da ampla aliança político-eleitoral vitoriosa, com ela, em 2010.

Na prática, a tradução dessa imagem é o que se vê escancarado diariamente no noticiário: a luta por cargos estratégicos no segundo escalão da administração federal e, também, a pressão pela liberação das verbas de emendas parlamentares, no Orçamento da União, em geral destinadas às prefeituras. Um dinheiro que, curiosamente, põe em rota de colisão o modesto interesse municipal com a ambiciosa necessidade nacional de conter impactos da crise internacional na economia.

Embora o conflito possa ser contido, ele é, mais do que a demissão de ministros e funcionários de partidos da base, a tormenta na rota de navegação da nau dos aliados governistas.

“Ela (Dilma) está absolutamente condicionada a decisões que o PT e o PMDB tomem”, observou o governador cearense Cid Gomes, com uma precisão que traduz, também, a natural ponta de ciúme de um partido numericamente menor da base de apoio a Dilma no Congresso.

Não por acaso, PT e PMDB afiam as garras nas próximas semanas.

O PT se antecipa. No congresso que fará entre os dias 2 e 4 de setembro, o partido pretende ordenar as coordenadas que conduzirão a campanha petista, especialmente nas 117 cidades do País com mais de 150 mil eleitores. A meta do partido é fugir do confinamento no interior, os chamados grotões. Uma possibilidade projetada pelo desempenho da legenda a partir da eleição municipal de 2004 e após a vitória de Lula para a Presidência, em 2002.

O PT, que já era forte nas regiões mais urbanizadas, tomou conta das pequenas cidades com até 10 mil habitantes e entre 10 mil e 20 mil, e desloca gradualmente o muy amigo PMDB e o adversário DEM, tradicionais “donos” desses votos.

Nesse universo eleitoral, o PT foi vitorioso em 2008. Assim como ganhou, também, em 28 das maiores cidades brasileiras, secundado pelo PMDB com 17. Os petistas são fortes no topo e na base da pirâmide eleitoral.

Em 15 de setembro, o PMDB realiza, em Brasília, o fórum O PMDB e os Municípios – Cidadão, Cidade e Cidadania, Uma Vivência Democrática, nome tão longo quanto a pretensão eleitoral do partido. Tudo sob o comando do vice-presidente Michel Temer e com a presença de governadores, parlamentares, vereadores e prefeitos de todo o País. Um contingente numericamente imponente.

O PMDB ainda é o partido que mais conquista prefeituras, considerando o desempenho em toda a década passada. Esse é o ponto forte da legenda que, em 2008, elegeu 1.195 prefeitos. Uma recuperação em relação às eleições de 2004, quando elegeu 1.054. Abaixo, porém, dos 1.257 prefeitos de 2000.

A marcha do PT nas eleições municipais com a conquista de quase 600 prefeituras em 2008 e após fazer, em 2010, a maioria na Câmara, superando o PMDB, dá um colorido especial a esse confronto eleitoral, que, no fim, é ruim para Dilma.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/



NOSSO MUNDO

A guerra civil na Líbia durou mais do que o esperado, mas a queda de Trípoli chegou antes do previsto. Como em Cabul em 2001 e em Bagdá em 2003, não havia uma postura de defender até o fim o regime derrotado, cujos partidários pareciam ter derretido, ao verem que a derrota era inevitável. Se por um lado está claro que o coronel Muanmar Khadafi perdeu poder, por outro não se sabe quem o ganhou. Os rebeldes estavam unidos contra um inimigo comum, mas não muito mais do que isso. O Conselho Nacional de Transição (CNT), em Benghazi, já reconhecido por tantos estados nacionais como sendo o governo legítimo da Líbia, é de duvidosa legitimidade e de duvidosa autoridade.

Mas há outro problema para terminar a guerra. Os próprios insurgentes admitem que sem a guerra aérea feita a seu favor pela OTAN – com 7459 ataques aéreos sobre os partidários de Kadafi – estariam mortos ou fugindo. A questão, portanto, segue aberta, que é como os rebeldes podem converter pacificamente sua vitória do campo de batalha assistida pelo exterior numa paz estável e aceitável para todos os partidos da Líbia.

Os precedentes no Afeganistão e no Iraque não são alentadores e servem como advertência. As forças anti talibã no Afeganistão tiveram êxito militar graças – como na Líbia – ao apoio aéreo estrangeiro. Depois usaram seu predomínio temporário de forma arrogante e desastrosa para estabelecerem um regime tendencioso contra a comunidade pashtun. No Iraque, os estadunidenses – excessivamente autoconfiantes depois da fácil derrota de Saddam Hussein – dissolveram o exército iraquiano e excluíram os ex-membros do partido da base de Saddam dos seus empregos e do poder, dando-lhes poucas opções que não a de lutarem. A maioria dos iraquianos estava contente em ver o fim de Saddam, mas a luta para substituí-lo quase destruiu o país.

O mesmo ocorrerá na Líbia? Em Trípoli, como na maioria dos outros estados petroleiros, o governo provê grande parte dos empregos e para muitos líbios a queda do antigo regime lhes cairia muito bem. Como pagarão, agora, por estar do lado dos perdedores? O ar se tornou pesado ontem, com as convocações do Conselho de Transição para que seus combatentes evitassem atos de represália. Mas foi apenas no mês passado que o comandante em chefe das forças rebeldes foi assassinado, num ato obscuro e inexplicável de vingança. O gabinete rebelde foi dissolvido e não foi reconstituído, dado o seu fracasso na investigação do assassinato. O Conselho Nacional de Transição estabeleceu pautas para governar o país no período pós Kadafi, que pretendem assegurar que se mantenham a lei e a ordem, alimentar as pessoas e continuar com os serviços públicos.

É muito cedo para saber se se trata de uma ilusão inspirada no olhar estrangeiro ou se terá algum efeito benéfico nos acontecimentos. O governo líbio era uma organização escalafobética, nos melhores momentos, de modo que qualquer falha em sua efetividade pode não ser em princípio notada. Mas muitos dos que celebram nas ruas de Trípoli e saúdam as colunas rebeldes que avançam esperam que suas vidas melhorem e se sentirão frustrados se isso não acontecer.

As potências estrangeiras provavelmente pressionarão para formar uma assembleia de algum tipo para dar ao novo governo alguma legitimidade. Será preciso criar instituições que o coronel Kadafi destruiu em sua maior parte e substituiu por comitês supostamente democráticos que, na realidade, supervisionavam o governo caprichoso de um só homem. Esta não será uma tarefa fácil. Aos opositores de longa data do regime será difícil compartilhar os resultados do que foi pilhado com aqueles que mudaram de lado no último momento.

Alguns grupos obtiveram poder com a própria guerra, como os bereber, das montanhas do sudeste de Trípoli, marginalizados durante muito tempo, que reuniram a milícia mais efetiva no combate. Vão querer que sua contribuição seja reconhecida quando da distribuição de qualquer poder.
A Líbia tem várias vantagens sobre o Afeganistão e o Iraque. Não é um país com uma grande parte de sua população à beira da desnutrição. Não tem a mesma história ensopada de sangue que o Afeganistão e o Iraque. Apesar de toda demonização do coronel Kadafi durante os últimos seis meses, seu governo nunca competiu com a selvageria de Saddam Hussein.

(*) Do The Independent, Especial para o Página/12

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/



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Especulação financeira, e não problema climático, explica a fome no Chifre da África



Após a eclosão da crise financeira global de 2008, especuladores retiraram recursos de ativos de altíssimo risco e apostaram nos papéis de commodities, diz o economista Ladislau Dowbor à Carta Maior. Com os preços nas alturas, acesso à comida ficou mais restrito. Ações contra a tragédia humanitária no Chifre da África, onde fome atinge 12 milhões de pessoas, foram discutidas nesta quinta (25) na FAO, em Roma.



SÃO PAULO - Não é a seca, mas sim a especulação financeira nas bolsas a causa mais profunda do drama humanitário existente hoje no Chifre da África, em especial na Somália. A análise é do professor Ladislau Dowbor, da PUC-SP, um especialista em questões africanas e desenvolvimento econômico.

Após a eclosão da crise financeira global de 2008, explica o economista, especuladores retiraram seus recursos de ativos de altíssimo risco e apostaram nos papéis de commodities, puxando as cotações para cima. O índice de preços de alimentos da FAO, agência das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação, marcava 234 pontos em junho passado, 39% acima do registrado no mesmo mês de 2010.

O resultado: mais dificuldade de acesso à comida, sobretudo nas áreas mais vulneráveis do planeta.

"Sem resolver isso, criando uma taxa planetária para onerar a especulação e ainda levantar fundos para um programa de recuperação mundial, a fome continuará sendo uma tragédia comum", disse Dowbor à Carta Maior.

De acordo com o economista, a questão não atinge apenas países africanos, mas é mundial e está presente inclusive na América Latina. "Fala-se muito sobre a crise do Chifre da África hoje, mas a fome é um problema diário e mundial. Há 180 milhões de crianças passando fome no mundo e 11 milhões delas morrem todos os anos por um motivo ridículo. Isso não é causado pela crise de agora", ressalta.

Dados da FAO apontam que o número de famintos no planeta saltou, durante a crise financeira, de 900 milhões para 1,2 bilhão de pessoas. No Chifre da África, que tem ocupado as manchetes diante da onda migratória gerada pela fome, são 12 milhões sem comida suficiente.

Segundo Dowbor, a crise nessa região africana torna-se ainda mais dramática porque "Estados falidos" têm menos condições de administrá-la. "Falidos não apenas financeiramente, mas do ponto de vista institucional. São Estados que têm dificuldade de manter até políticas públicas relativamente simples, como coleta de lixo", diz o professor da PUC-SP. No caso da Somália, uma guerra civil está agravando ainda mais a situação.

Encontro na Itália
Altos representantes dos 191 países membros da FAO, outras agências do sistema ONU e organizações internacionais e não governamentais estiveram reunidos nesta quinta-feira (25), em Roma, a fim de discutir soluções para a crise humanitária no Chifre da África. Segundo despacho da FAO, o diretor-geral da entidade, Jacques Diouf, pediu atitudes urgentes.

"Os efeitos combinados da seca, inflação e conflito criaram uma situação catastrófica que requer com urgência o apoio internacional", afirmou.

Presente no encontro, o ministro da Agricultura da França, Bruno Le Maire, pediu a implementação do plano de ação sobre a alta dos preços dos alimentos discutido pelos ministros de Agricultura do G-20 em junho - "em especial com relação à coordenação internacional de políticas, à produção e produtividade agrícolas e às reservas de alimentos destinadas a emergência humanitária".

Além disso, a ONU aposta na execução do "Plano de ação para o Chifre da África", criado pelo do Comitê Permanente dos Organismos da ONU (IASC, sigla em Inglês). O plano, elaborado pela FAO, o Programa Mundial de Alimentos da ONU e a ONG Oxfam, prevê trabalho conjunto com os governos nacionais da região - como Somália, Quênia, Uganda e Eritréia - para reforçar estruturas locais de ajuda humanitária e de apoio aos agricultores.

Apesar da mobilização internacional, Ladislau Dowbor não é otimista. "Com a Europa e os Estados Unidos em crise, os problemas internos passam a gerar mais preocupação do que tragédias internacionais", lamenta-se ele, que vê essa posição dos países ricos como um equívoco. Ele explica:

"A época de ouro da Europa, entre 1945 e 1975, foi justamente um perído em que se olhou para os pobres e distribuiu-se renda, com elevada taxa de imposto e construção de infra-estrutura. Isso gerou uma sociedade mais equilibrada e mais dinâmica em termos econômicos. Uma saída para a resolver a crise atual seria seguir essa estratégia, com os países do norte encarando os do sul como uma oportunidade, e não uma ameaça", propôs o economista.



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/


ECONOMIA


Petrobras afeta geopolítica, e 'doença holandesa' é risco, diz Gabrielli




O avanço da produção de petróleo pré-sal na década vai transformar a maior empresa brasileira na maior do planeta e fazer da Petrobras um dos principais atores de uma nova geopolítica mundial. Mas suas exportações podem inundar o país de dólares e prejudicar a indústria, e o governo ainda não tomou as providências necessárias. "Estou preocupado com a velocidade de investimentos na cadeia produtiva", diz o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em entrevista exclusiva à Carta Maior.



BRASÍLIA – O economista baiano José Sérgio Gabrielli vai completar 62 anos em outubro mas terá de esperar até o mês seguinte para receber o melhor presente que 2011 lhe reserva. Sem nada no horizonte que indique mudanças à vista, em novembro, o 33° presidente da Petrobras deve se tornar o executivo de mais longa permanência no cargo.

Gabrielli comanda há seis anos e um mês aquela que é a principal empresa do Brasil. Com o recém-lançado plano de investir R$ 2,3 mil por segundo até 2015 e a aceleração da produção na camada do pré-sal, a companhia caminha para se transformar também na maior do planeta.

O gigantismo da estatal se revela em dados curiosos. Ela transporta por mês 70 mil pessoas de helicóptero (um estádio do Morumbi). Seu sistema logístico movimenta dois mil caminhões por dia (enfileirados, “medem” 30 km). Responde por pelo menos 13% da arrecadação de impostos de todos os estados (exceto São Paulo). Possui 284 navios (frota maior que a de transatlânticos em cruzeiros pelo mundo, cerca de 200). “Todas as coisas da Petrobras são gigantescas. Por isso ela provoca muito ódio e muito amor”, diz Gabrielli.

Nesta entrevista exclusiva à Carta Maior, o executivo analisa o futuro da empresa e da economia mundial. Discute a polêmica redistribuição dos royalties do petróleo entre os estados. Comenta a disputa política que “sempre, sempre, sempre” envolveu a estatal e fala do próprio futuro político dele - desde já, um potencial candidato ao governo da Bahia pelo PT em 2014.

Mas o executivo também faz um alerta. O desenvolvimento brasileiro a partir do pré-sal pode estar começando a ficar comprometido pela falta de planejamento do governo e de investimento das empresas fornecedoras. Já haveria no ar risco de "doença holandesa", a maldição desindustrializadora que atinge países exportadores de grandes quantidades de uma única commodity. "Estou preocupado com a velocidade de investimentos na cadeia produtiva."

Abaixo, o leitor confere a íntegra da entrevista, concedida no escritório da Petrobras em Brasília na última quarta-feira (24/08).

Quando a Petrobras será a maior empresa do mundo?
Gabrielli: Não sei. O que posso dizer é o seguinte. Olhando o futuro na área de petróleo, a maior contribuição de novas descobertas no mundo vem da Petrobas. Um terço das grandes descobertas nos últimos dez anos foi feita pela Petrobras. O mundo tem duas fontes de petróleo novo. Uma é a descoberta, e aí a Petrobras está disparadamente na frente. Outra é aumentar a recuperação dos campos já decobertos, e aí o volume da Petrobras não é tão grande. Alguém tem perspectiva de crescimento futuro maior do que a Petrobras? Não. Vamos crescer 9,6% por ano, em média, até 2020.

O vice-primeiro ministro britânico, Nick Clegg, disse num seminário promovido pela Petrobras que a empresa vai dar uma mexida na geopolítica mundial. Vai?

Gabrielli: Vai. Hoje, a América do Sul tem uma produção para o mundo muito pequena. Fora a Venezuela, que exporta para os Estados Unidos, o Brasil tem uma exportação de 580 mil barris por dia. Em 2020, a Petrobras vai estar produzindo no Brasil 4,9 milhões de barris por dia. Vamos exportar 2,3 milhões de barris, que é mais do que nossa produção total hoje [2,1 milhões de barris por dia]. A produção total da Líbia hoje é 2 milhões de barris. E mais: em 2020, o Brasil vai consumir entre 3 milhões e 3,3 milhões de barris por dia. Hoje, só quatro países consomem mais de 3 milhões: Estados Unidos, China, Japão e Índia. Então, evidentemente que o papel relativo do Brasil muda na geopolítica do petróleo mundial.

Esse peso geopolítico... Existe uma equipe de inteligência diplomática e política olhando a Petrobras no mundo, nos países em que ela está?


Gabrielli: Nós evidentemente fazemos avaliação de risco político permanentemente. Atuamos em 27 países. Mas nossa principal atuação é no Brasil. 95% dos nossos investimentos são no Brasil, só 5% são fora. É claro que US$ 11 bilhões é grande [investimento], mas para quem está investindo US$ 224 bi...

De que forma esse cenário nebuloso sobre o futuro da economia mundial hoje influencia o futuro da Petrobras?
Gabrielli: Em janeiro de 2009, no auge da crise, nós lançamos um plano estratégico de US$ 174 bilhões. Eu viajei pelos centros financeiros do mundo e dizia o seguinte: "a crise não decretou o fim do futuro, o futuro não foi cancelado; as pessoas vão continuar andando de carro, as coisas vão ser transportadas por caminhão, os ônibus continuarão andando, os aviões continuarão voando, os navios continuarão carrgando cargas e pessoas..." O mundo não parou pela crise. E mais ainda: mesmo que não haja crescimento nenhum e a demanda fique em 85 milhões de barris por dia, pelo declínio da produção, o mundo vai precisar adicionar de produção nova entre 45 milhões e 65 milhões de barris em 2020.

Mais da metade da produção atual...

Gabrielli: Mais da metade. A produção cai de 7% a 10% por ano. Vai precisar ter petróleo. Como não analisamos o amanhã, mas o longo prazo...

O que o cenário político hoje na Líbia impacta o mercado de petróleo, se é que vai, e os negócios da Petrobras?
Gabrielli:
Os negócios da Petrobras, nada. Ou muito pouco. Porque nós tínhamos uma atividade exploratória, não tínhamos produção. Nem perfuração estava sendo feita. Do ponto de vista do mercado de petróleo, a Líbia produzia 2 milhões de barris por dia. E é um petróleo muito leve, muito utilizado nas refinarias européias, a Líbia produz fortemente para a Europa. Acho que para os Estados Unidos, que é o maior mercado do mundo, a Líbia tem um papel muito pequeno. Para a China, também. Portanto, nos mercados maiores, a Líbia tem pouco impacto. Na Europa, pode ter mais. Mas não acredito que tenha grande impacto sobre preços nem na situação do mercado, se a Líbia voltar a produzir rápido. O que é uma interrogação. Depende do que vai fazer o novo governo ou o Kadafi. Ninguém sabe ainda.

Qual o tamanho dos negócios da Petrobras na Líbia?

Gabrielli: Absolutamente imaterial, poucos milhões de dólares. Tínhamos uma sala alugada e sete pessoas trabalhando lá. Agora os brasileiros estão aqui e os líbios estão em nossas atividades fora do Brasil. Não vou dizer onde, para não colocar em risco a segurança deles. Eles estão fora do Brasil e fora da Líbia, inclusive.

Especialmente no segundo mandato do presidente Lula, a Petrobras esteve no centro da disputa político-eleitoral...
Gabrielli: A Petrobras sempre esteve no centro da disputa política. Sempre, sempre, sempre... A Petrobras foi fundada em 1953, e o primeiro presidente foi um baiano, Juracy Magalhães. Não é baiano. Ele, na realidade, era cearense. Mas foi governador da Bahia. O relator da lei foi Antonio Balbina, que foi governador da Bahia....

Então é natural que o presidente da Petrobras seja candidato ao governo da Bahia...
Gabrielli: Está muito longe. Você pode dizer que o presidente da Petrobras não será candidato em 2012, com certeza absoluta. Mas 2014 está muito longe.

Mas eu queria saber se o senhor acredita que uma disputa mais acirrada por parte da oposição pode atingir a Petrobras também no governo Dilma.
Gabrielli: A Petrobras sempre teve muito ataque, em todos os momentos. Nos últimos oito anos, a Petrobras... Se você pegar o nosso clipping [resumos de notícias], que hoje é pequeno, não há dia que você não tenha intensas publicações, de todo tipo. É normal, ela tem que conviver com isso. A Petrobras é muito grande, impacta a sociedade de forma bastante intensa. Todas as coisas da Petrobras são gigantescas. Evidente que, sendo muito grande, provoca muito ódio e muito amor.

O senhor está há alguns anos no cargo, imagino que já esteja suficientemente bem acomodado, mas como é ter mais poder do que muitos presidentes de países?
Gabrielli: Não sei se tem esse poder todo, porque a Petrobras é muito procedimentada, tudo tem comitês, nada é uma decisão individual. É uma empresa disciplinada, mas não é a vontade do presidente que determina as coisas. O processo de decisão algumas vezes envolve centenas de pessoas. Temos hoje mais de três mil gerentes e três mil coordenadores. Nós operamos uma empresa que planeja investir US$ 224 bilhões até 2015. Ninguém sabe exatamente o que é isso. Mas se você transformar em ano, mês, dia, minuto e segundo, a Petrobras vai investir mais de R$ 2,3 mil por segundo, nos próximos cinco anos. Um investimento desse tamanho não pode ser pessoal. Tem que ter uma máquina de decisões.

Como foi ter visto o pré-sal surgir e proporcionar esse gigantismo à Petrobras?
Gabrielli:
Estou na Petrobras há oito anos, era diretor-financeiro antes. A Petrobras se transformou profundamente nesses oito anos. Só para dar um número. Nós investíamos, em 2003, em torno de US$ 5 bilhões. Hoje, estamos investindo US$ 45 bilhões por ano. A Petrobras deu um salto em termos de descobertas e de reservas. Retomou o investimento em refino, construiu uma rede nacional de gasodutos que tem quase 10 mil km. Entrou fortemente em biocombustíveis, voltou à petroquímica fortemente, reorientou a atividade internacional e fez a maior capitalização da história do capitalismo. Quem viveu isso, viveu momentos muito trepidantes e muito interessantes.

Os recursos humanos no Brasil são adequados para esse novo patamar que a Petrobras alcançou? Especialmente na exploração do pré-sal?
Gabrielli: Acho que, para a Petrobras, não teremos grandes problemas. Para a cadeia de fornecedores, teremos. Vou dizer por que. No penúltimo concurso, a Petrobras ofereceu duas mil vagas e teve 390 mil inscritos. No que está em andamento hoje, estamos oferecendo 580 vagas e tivemos 174 mil inscritos. Não acredito que tenha problema de seleção para a Petrobras... Agora, para a cadeia de fornecedores, estamos fazendo um enorme programa de treinamento. Já treinamos 79 mil pessoas e vamos treinar mais 212 mil até 2014, só para a cadeia de fornecedores.

Isso significa quanto de investimento?
Gabrielli: US$ 1,4 bilhões no período. Vamos dar 12 mil turmas de treinamento daqui até 2014. Não é a Petrobras que faz isso, temos hoje 70 instituições no Brasil todo treinando esse pessoal. Treinando todo mundo, desde soldador ao operador de guindaste, ao engenheiro de detalhamento, o especialista em corrosão, o eletricista de alta tensão, operador de caldeira...

O Senado está debatendo a redistribuição de royalties do petróleo e essa é uma discussão sobre quem vai perder. Já apareceu uma ideia de jogar a conta para as empresas, aumentando o que pagam de participações especiais. O que o senhor acha?
Gabrielli: Nós pagamos 76% de participações especiais ao governo, estamos em linha com os maiores tributos do mundo. Se quiserem mais, vai inibir investimentos e inibir crescimento, vai ter menos rentabilidade. Não há mágica. Investindo menos, tem menos emprego, a produção de petróleo cai... A nação tem que saber a conseqûencia da decisão.

A Petrobras não é protagonista deste debate, é impactada pelas decisões dos protagonistas. Mas, com a experiência acumulada no debate do pré-sal, o senhor vê alguma solução para os royalties?
Gabrielli: Acho que a idéia inicial, que era fazer uma pequena redistribuição da concentração dos royalties nos estados do Rio, Espírito Santo e São Paulo, para uma melhor parcela dos outros estados da produção que virá, é o caminho. Qual proproção? Não sei, essa é uma decisão política que o Congresso vai ter que tomar. Mas a direção de uma melhor distribuição é válida. Não é correto continuar no futuro com uma concentração que tem hoje. Principalmente porque a produção vai crescer. O volume absoluto vai dobrar. Os estados produtores vão receber o dobro do que recebem hoje e vai manter a concentração? Não é justo para a sociedade, porque a riqueza pertence a nação brasileira, não aos estados.

Qual a situação hoje com a PDVSA [estatal venezuelana parceira da Petrobras] na [construção da] refinaria de Abreu e Lima [a sociedade está ameaçada porque a a PDVSA ainda não pagou a parte que lhe cabe]?

[Gabrielli: Não posso falar sobre isso. Negociação não se faz pela imprensa.

E qual a perspectiva?
Gabrielli: Não sei, está no prazo. O prazo inicial vence no fim de agosto.

Existe boa-vontade, pelo menos...
Gabrielli: Nosso plano envolve a participação deles, mas temos recursos para fazer sem eles. Estamos preparados para as duas alternativas.

Bom, estou satisfeito...
Gabrielli: Se você me permite comentar uma coisa... Tem uma coisa fundamental, dada a dimensão da Petrobras de longo prazo. Se houver dificuldade na implementação da política de conteúdo nacional, nós podemos ter um problema. Para evitar o risco da doença holandesa, é absolutamente fundamental intensificar o investimento na cadeia produtiva de suprimento de bens e serviços para petróleo e gás. Aumentar a produção de máquinas, bombas, válvulas especiais, milhares de equipamentos. Se não houver o crescimento dessa produção no Brasil, e nós vamos precisar de alguns equipamentos críticos que não tem capacidade de produção mundial, podemos ter problemas com o desenvolvimento brasileiro. Só para fazer uma conta: 2,3 milhões de barris por dia de exportação, a US$ 80 o barril, são 67 bilhões de dólares de exportação. Sabe o que impacta isso no câmbio?

Quem tem de liderar a solução desse problema?
Gabrielli: É um conjunto. A Petrobras não pode fazer tudo, o governo está fazendo também, as associações profissionais estão fazendo, e as empresas têm que fazer.

Para quem é esse recado? Com quem o senhor está preocupado?
Gabrielli: Estou preocupado com a velocidade de investimentos na cadeia produtiva.

Quando esse problema vai surgir?


Gabrielli: Tem alguns setores em que surgem, outros que não. É uma coisa tão grande que não pode dizer que começou hoje ou amanhã.

O plano Brasil Maior do governo deveria avançar mais nisso?
Gabrielli: Estou esperando a parte de petróleo e gás, que não saiu ainda...


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

AMÉRICA LATINA

A quinta greve nacional desde o retorno da democracia em 1990 reflete que há algo que resiste à mudança no Chile: a direita que criou o atual modelo econômico, político e social instaurado com a ajuda do ditador Augusto Pinochet nos 17 anos que durou sua ditadura.

Na noite de terça-feira, 23 de agosto, na véspera dos dois dias da greve convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), a principal organização sindical do país, que representa cerca de um milhão de trabalhadores, começou a primeira grande manifestação cidadã de rechaço ao governo e ao modelo vigente com um novo e massivo “panelaço”, onde milhões de pessoas saíram de seus lares com suas panelas para protestar simbolicamente – do mesmo modo como faziam contra Pinochet – contra a precariedade dos mais pobres devido ao neoliberalismo extremo chileno.

Esta nova grande ação social desdobrou-se em marchas em vários pontos de Santiago e de outras cidades chilenas, um sinal de apoio às demandas dos trabalhadores e dos estudantes que querem mudar a Constituição Política de 1980, elaborada pelos mesmos personagens que agora governam junto com Sebastian Piñera, o multimilionário presidente do Chile.

Não é para esquecer o fato de que irmão maior do mandatário chileno é José Piñera, o “pai” da legislação atual em matéria trabalhista, mineira e previdenciária que Pinochet aplicou sem consultar a população. A mobilização dos trabalhadores pretende mudar justamente o panorama deixado pelo primogênito dos Piñera, cujo modelo de sociedade enfrenta a resistência dos chilenos que apoiam o movimento dos trabalhadores que continua nesta quinta e ao qual se somaram os estudantes que defendem o fim do lucro na educação pública para que esta seja gratuita.

Trabalhadores e estudantes: os dois atores que mais perderam com a sociedade de mercado instalada pela direita, aprofundada pelos governos da Concertação entre 1990 e 2010 e radicalizada pelo atual governo que insiste em dar enormes subsídios aos bancos privados para créditos universitários, deixando milhões de jovens tão endividados que não conseguem superar esse problema devido aos baixos salários dos mercado de trabalho chileno.

O primeiro dia da greve nacional contou com a adesão de 80% dos trabalhadores públicos, segundo informou a Agrupação dos Empregados Fiscais (ANEF). Milhares de chilenos foram afetados pela paralisação, mas apoiaram a mobilização, saindo às ruas para apoiar os trabalhadores. A paralisação também é uma resposta da CUT à ação do atual governo de sucatear o Estado, demitindo funcionários públicos, flexibilizando a legislação trabalhista, permitindo práticas anti-sindicais e freando a negociação coletiva.

O fato de a paralisação não ter sido tão massiva no setor privado – segundo entidades empresariais, a greve foi inferior a 5% neste setor – deve-se ao fato de que a legislação trabalhista herdada do pinochetismo põe uma série de travas à formação de sindicatos nas empresas, além de permitir a substituição de trabalhadores em greves. Esta é outra das mudanças estruturais defendidas pelo sindicalismo.

A resposta do governo à greve foi a de sempre: deslegitimar os movimentos sociais, assinalando que a greve custará cerca de US$ 400 milhões à economia local. Se consideramos a má distribuição de renda no país, onde 94% da população recebe apenas 6% da riqueza, o resultado real é que a grande maioria dos chilenos só perde US$ 1,5 pela paralisação de atividades.

O pior de tudo é que o presidente Piñera não apresentou nenhum argumento para responder às demandas de mudanças feitas pelos trabalhadores, seguindo o mesmo roteiro executado com os estudantes: realizar outras atividades midiáticas em meio à efervescência social, como almoçar no Palácio La Moneda com os “twiteiros” chilenos mais influentes desta rede social.

Enquanto o governo afirma que a paralisação foi um fracasso, milhares de trabalhadores, estudantes e pessoas comuns saem às ruas para rechaçar o modelo. Também se registraram barricadas de fogo, assim como ocorria nos tempos em que os militares governavam o Chile. As ruas do centro de Santiago ficaram vazias ao entardecer, enquanto começavam os panelaços.

Outro dado a destacar é que, ao contrário das greves realizadas nos 20 anos de governos de centro-esquerda da Concertação, a sociedade chilena aprofundou o descontentamento nas ruas como nunca havia se visto desde 1990. Desta vez, as demandas por melhores salários, menos abusos empresariais e medidas para diminuir a desigualdade de renda são lideradas pela sociedade civil e não pela lógica da elite política.

No Palácio de La Monde os vidros são duplos: o governo não quer escutar o massivo questionamento social ao modelo econômico que a direita insiste em manter.

Nesta quinta, para o segundo dia da greve, espera-se um ato massivo em frente da sede da CUT, que se encontra a menos de 50 metros de La Moneda, em plena Alameda, o que promete uma intensa jornada, repetindo o clima de descontentamento que atingiu o governo de Piñera.

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

21 agosto 2011

POLÍTICA NACIONAL

Os riscos da "faxina" de Dilma



Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

 No Brasil, o moralismo foi sempre a principal – quando não a única – arma dos setores conservadores contra os governos progressistas. Está fresca na memória de todos a estratégia do demotucanato, em conluio com a mídia, durante os oito anos em que Lula ocupou a Presidência: um jogo de derruba-presidente alimentado por denúncias semanais de corrupção.

A prática é antiga, e, em maior ou menor grau, tanto o Getúlio Vargas eleito quanto Juscelino Kubitschek e João Goulart foram alvos de tais táticas - o primeiro tendo toda a imprensa contra si, à exceção da Última Hora de Wainer; JK atacado incessantemente por O Cruzeiro, David Nasser à frente, para quem Brasília era uma mera desculpa para engrossar a corrupção; e quanto a Goulart, basta lembrar que o combate à corrupção foi inúmeras vezes elencado por fontes militares e editoriais jornalísticos como uma das motivações centrais do golpe que o derrubara.

Denuncismo vazio

Não interessa, nesses denuncismo que ora tem no governo Dilma o seu alvo, se as denúncias procedem ou não. O objetivo não é a moralização do Estado ou de coisa alguma, como fica evidente pelo fato de que tanto a mídia quanto os partidos patrocinadores das denúncias se desinteressam pelos desdobramentos das investigações tão logo o personagem acusado deixa o governo.

Os objetivos - cujo fim último é, como os casos de Goulart e de Getúlio evidenciam, o golpe contra o presidente -, são outros:

1) Manter a opinião pública permanentemente indignada, com a certeza de que vive no mais corrupto dos países, e ora administrado pelo partido mais vil e pelos mais degenerados dos políticos.

2) Impor sucessivos cortes à equipe governista, estreitando sua margem de quadros e de manobras e, ao mesmo tempo, minando suas relações com os partidos da base, que não gostam de ter seus indicados forçados a deixar os cargos.

Dilma na mira

Filiam-se à mesma estratégia golpista acima descrita as denúncias de corrupção contra o governo Dilma, ininterruptas desde fevereiro e que já custaram o cargo de quatro ministros. A diferença, agora, é a postura da presidente. Ao invés de denunciar a estratégia midiática, como Lula fazia, ela não só tem se deixado pautar pela mídia mas, ultimamente, vem aceitando o apoio de cardeais tucanos para a sua “faxina”.

Ora, é preciso uma enorme dose de ingenuidade para não se aperceber dos riscos que tal estratégia traz consigo. Em primeiro lugar, não é preciso nenhuma expertise para se dar conta de que uma matéria com FHC e Dilma na foto, o primeiro saudando o combate o combate à corrupção promovido pela presidente, leva diretamente ao legado de outro ex-presidente, ausente na foto: se há corrupção a ser combatida e este combate é apoiado até por FHC é porque Lula a deixou.

Além disso, a mídia demotucana já se deu conta - graças, entre outros fatores, à repercussão do desempenho da Polícia Federal no governo Lula - de que a opinião pública não tende a associar o aumento de investigações sobre corrupção ao combate desta - pelo contrário. O mito acachapante de que durante a ditadura militar praticamente não havia corrupção alimenta-se precisamente desse paradoxo: como não se podia noticiar a corrupção é como se ela não existisse. De forma inversa, a impressão, amplamente difundida em certos estratos, de que os governos Lula e Dilma são extremamente corruptos viria justamente da profusão de denúncias e anúncios de investigações em curso.

Refém em potencial

Por fim, parece evidente que esse apoio público de setores conservadores à “faxina” promovida por Dilma vai retroalimentar e hiperdimensionar o tal combate à corrupção, e que a mídia, a cargo de pautar e ditar o ritmo de ação da “limpeza” pode levar o governo a uma situação vulnerável, tendo de cortar na carne seus quadros no Executivo, gerando atritos cada vez maiores com a base aliada e tornando mais vulnerável a própria autoridade presidencial.

É urgente, portanto, que Dilma Rousseff repense os termos de sua relação com a mídia e com a oposição, de modo a abrir mão do populismo neoudenista implícito no conceito de “faxina” contra a corrupção (sem abrir mão do combate a esta) e sem se deixar pautar. Do contrário, a possibilidade de se tornar refém da agenda tucano-midiática é real.





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OMELETES QUEBRAM OVOS





Quem tem razão não teme companhia, mas não baixa a cabeça

A Presidenta Dilma tem toda a razão em afirmar, como fez hoje, que “a  verdadeira faxina que este país tem de fazer é a faxina contra a miséria”.  E  também em afirmar que “nossa maior riqueza não é o petróleo, não é o minério, não é a nossa sofisticada agricultura,  nossa maior riqueza são os 190 milhões de brasileiros”.
Mas a Presidenta não é, certamente, ingênua de achar que  o Brasil inteiro se unirá num “grande abraço republicano, olhando para os brasileiros que mais precisam”.

A miséria no Brasil não é uma desgraça cultural, climática, filosófica ou sociológica. É fruto de um modelo econômico que foi imposto e é sustentado por forças políticas que não têm o menor pudor em concordar, em tese, com aquelas afirmações, nem de publicar estas profissões de fé nas páginas de papel couché de seus “balanços sociais”.

Nossa miséria não é de “geração espontânea”. Dos senhores de engenho aos investidores modernos, ela é fruto da apropriação da riqueza natural e do trabalho das coletividades humanas, ao quais encaram como  “custo”, não como elemento dinâmico do crescimento da economia.

A nossa riqueza não é o petróleo, não é o minério, não é a nossa sofisticada agricultura, são os brasileiros. Mas são aqueles, e não estes, que lhes importam de verdade.

É dever republicano de um chefe de Estado convocar todos, sem distinção, para o combate à miséria. Mas é também seu dever saber, como sabe Dilma, que o crescimento econômico com inclusão social só não tem inimigos “em tese”. Porque, na prática, os beneficiários do modelo excludente e gerador de miséria vão se aferrar com seus dentes e garras ferozes aos privilégios que, para eles,  transformam o Brasil num paraíso.
Fonte: Blog O Tijolaço (Brizola Neto)





EDUCAÇÃO

Professores: uma greve esquecida




Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

 Às missões essenciais destinam-se os melhores recursos. Não importa quais sejam elas, serão sempre eles: os mais eficazes, mais qualificados, os que desfrutam de maior respeito e como tal são valorizados e reconhecidos.

O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor de um modo geral, mas, sobretudo, o do ensino básico.

Em meio à voltagem desordenada dos mercados financeiros mundiais nas últimas semanas, o país assistiu dia 16 de agosto, quase indiferente, como se fora uma manifestação da natureza e não uma interpelação política, a uma greve desconcertante.

Educadores do ensino básico paralisaram suas atividades para reivindicar o cumprimento de uma lei de 2008 que destina à categoria um piso salarial hoje equivalente a R$ 1.187 reais.

Isso mesmo. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas – já em idade escolar ou a caminho - recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês.

É o que vale um professor do nível básico no país que desponta como uma das potências do século XXI.

A greve informou-nos que em 11 estados da federação nem isso ele vale.

O salário do professor do ensino básico é uma responsabilidade de estados e prefeituras. Prefeitos e governadores alegam não dispor de recursos para arcar com o piso.

O governo federal, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, Fundeb, criou uma linha de equivalência para esses casos.

Seu montante remete a uma proporção fiscal ilustrativa: os recursos previstos, de R$ 1 bi, equivalem ao valor surrupiado à Receita Federal apenas por uma rede de sonegação desbaratada no mesmo dia da greve, envolvendo 300 empresas da área química.

Para acessar recursos complementares à folha dos professores, porém, há algumas condicionalidades. Entre elas, que as prefeituras destinem 25% do seu orçamento à educação e despesas afins. Algo que, de resto, o próprio governo federal não faz.

Justiça seja feita, o orçamento do MEC triplicou no governo Lula. Saltou de R$ 17 bi para atuais R$ 69 bi, refletindo uma atenção à escola poucas vezes observada no país.

Foram criadas 16 novas universidades e dezenas de campi avançados. Cerca de 260 escolas técnicas dobraram a rede existente. Outras 208 unidades serão construídas agora no governo Dilma. Até 2014, os 500 municípios polo brasileiros terão pelo menos um centro educacional de formação técnica. Oito milhões de bolsas ampliarão essa capilaridade da educação profissionalizante, através do Pronatec. Uma espécie de Pronaf da educação técnica, esse programa de óbvia pertinência aguarda aprovação no Congresso há meses.

São saltos importantes, aos quais cumpre acrescentar ainda o aumento de 21% dos recursos do Fundeb este ano, que inclui maior atenção às creches. Se abstrairmos a base de comparação e o Everest das carências nacionais seriam números quase irretocáveis.

O que será feito de um país, e a velocidade com que isso se dará, depende porém das proporcionalidades que carências e demandas desfrutam no orçamento nacional.

O orçamento federal de 2011 destina praticamente o dobro do que reserva à educação ao pagamento de juros aos rentistas da dívida pública brasileira: R$ 69 bi e R$ 117,9 bi, respectivamente. Cada vez que eleva a taxa de juro o governo está destinando uma fatia maior do orçamento –presente ou futuro - aos detentores de papéis da dívida pública.

Num país socialmente extremado, uma das sociedades mais desiguais do planeta, não há, efetivamente, dinheiro suficiente para tudo. Governar aqui, mais que em qualquer lugar, é priorizar. Mas as proporções citadas indicam que também significa arguir: estamos no caminho certo?

O Estado brasileiro tem como meta pagar ao professor de ensino básico um salário equivalente hoje a R$ 3 mil reais num prazo de dez anos. O prazo é compatível com a essencialidade da tarefa a ele atribuída?

Arregimentará os melhores, os mais preparados, os mais eficientes para a missão?

As evidências colhidas pelo próprio governo mostram que não.

Pesquisas citadas pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação indicam que os melhores alunos da universidade hoje fogem da carreira do magistério. Motivo: a defasagem salarial da ordem de 40% comparativamente ao início de carreira em outras profissões com diploma superior.

Um levantamento feito em 2008 pela Fundação Lemann, cotejando inscrições de vestibular e resultados alcançados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), concluiu que os 5% com as piores notas no Enem decidiram ser professores.

Os melhores optaram por áreas médicas e de engenharia, melhor remuneradas.

Não por acaso, tem crescido no país o número de professores do ensino básico sem diploma superior. Eram 594 mil em 2007; saltaram para 636 mil em 2009.

Através da Universidade Aberta do Brasil, o governo pretende formar 330 mil deles em cinco anos. Especialistas e sindicatos questionam a qualidade da formação à distância como é o caso dos cursos oferecidos pelas UAB. Mas o balanço dos presenciais também deixa muito a desejar.

Hoje, 25% dos que abraçam o magistério estão sendo diplomados em cursos considerados ruins pelo próprio MEC.

A educação republicana, herança benigna da Revolução Francesa, é aquela que rompe a odiosa distinção de berço. Ao conceder um mesmo ponto de partida igual para todos — um ensino ‘público, gratuito e de qualidade’, como dizem os estudantes chilenos há 3 meses nas ruas por isso — secciona a transmissão da desigualdade. Impede que floresçam duas infâncias dentro de um mesmo país. Acordes da Marselhesa ao fundo. Ponto.

A ruptura da transmissão quase biológica da herança de berço – um dever da escola republicana - patina no país. Patina até na França, diga-se. Investigações baseadas no Enem indicam que a origem familiar continua a pesar decisivamente no desempenho escolar. Mais de um terço das 100 melhores notas registradas no Enem no Rio de Janeiro, por exemplo, foram obtidas por estudantes cujos pais tiveram formação superior. Em Brasília, esse número dobra: 76 de 100.

É um círculo perversamente vicioso. A baixa remuneração do professor desdobra-se em alunos com formação precária seminal que se arrastam daí em diante, da defasagem etária à desistência ou o déficit estrutural de formação. O conjunto subverte a finalidade republicana da educação, capturada assim como plataforma de reprodução da desigualdade que deveria combater.

O governo sabe disso. Deixou claro seu diagnóstico no novo Plano Nacional de Educação, o PNE. Entre 20 metas principais, ele destina 4 à valorização do professorado. Formação e remuneração, diz o documento, constitui a chave para o futuro da educação e do país.

O problema é a assimetria entre o diagnóstico e a destinação de recursos. Ela se explica pela força desproporcional dos interesses que tencionam essa relação. Para que as boas intenções do PNE sejam factíveis, o país teria que elevar o investimento em educação dos atuais 5% do PIB para 7%.

O governo concorda. Mas planeja vencer essa travessia em dez anos. Uma década, a 0,2% de acréscimo real de investimento por ano.

Trata-se de uma visão incremental muito à gosto dos mercados e de seus teóricos. Tudo se resolve gradualmente, sem a necessidade de rupturas na divisão da riqueza. Na vida real de uma nação a urgência tratada em regime de longo prazo muitas vezes é a escolha que leva ao destino oposto ao almejado.

Quanto custará socialmente esse roteiro de tartaruga resignada? Melhor: como modificar esse passo claudicante?

O Brasil dispõe hoje de uma incontrastável rede de controles financeiros e ideológicos, públicos e privados, nativos e forâneos, com braços que se articulam de dentro e de fora do governo, indo das universidades às consultorias de mercado, da prontidão midiática aos partidos políticos conservadores; esse redil articulado e eficiente trabalha sob pressão máxima para não deixar escapar um objetivo claro: garantir que anualmente se reserve algo como 3% do PIB em recursos fiscais ao pagamento de juros da dívida pública (cujo serviço efetivo atinge o dobro disso quando somados juros totais, capitalizações etc).

Assegurar o juro da dívida púbica é uma essencialidade do conservadorismo. Algo perseguido com o recrutamento dos melhores quadros, os mais contundentes instrumentos e todas as caixas de ressonância ideológica necessárias, das convictas às remuneradas. Os resultados, como se sabe, são notáveis: o Brasil é campeão mundial em custo financeiro; pratica as maiores taxas de juros do planeta e remunera religiosamente os títulos públicos com elas.

O tratamento incremental dispensado à educação , em contrapartida, sobretudo, aos salários do nível básico, reflete a aceitação de um interdito ideológico. O mesmo que faz algumas das economias mais ricas e poderosas da terra girar numa espiral descendente sem dispor de um ponto de apoio fiscal para sair da crise.

O consenso conservador instituiu nas últimas décadas que os ricos – bancos e rentistas, sobretudo — não deveriam ser taxados adequadamente em seus lucros e patrimônio em benefício da sociedade.

O dogma deixou aos Estados a opção de se tornarem mínimos em serviços e responsabilidades. Ou tomarem emprestada uma fatia da riqueza plutocrática, endividando-se a juros para proceder a investimentos e sustentar atribuições intransferíveis. Deixou-lhes também a partitura das privatizações e a do sucateamento que o Brasil dos anos 90 tocou e ouviu como aluno aplicado.

A captura do orçamento público pela lógica rentista do endividamento esgotou-se após os excessos cometidos em seus próprios termos. Entre eles a explosão do crédito sem critério, propiciado pela desregulação precedente, e das fraudes de proporções ferroviárias.

O imenso passivo acumulado regurgita agora no metabolismo econômico mundial. Um bolo de difícil digestão. Sem afrontar o dogma fiscal que impede de taxar os ricos, sobrará aos pobres mastigá-lo e serem triturados por ele durante anos.

Se for esse o caminho vitorioso aqui e alhures, o salário dos professores do ensino básico dificilmente alcançará a faixa dos três mil reais em uma década. Talvez nem em duas.

Argumentos éticos ao som da Marselhesa tocam tangencialmente o raciocínio frio de quem lucra com o fervor colegial do Tea Party. Ou dos que, em nome do ‘custo Brasil’, extinguiram a CPMF subtraindo R$ 40 bilhões por ano à saúde pública.

A esses talvez fosse mais pertinente lembrar que demonstrações explícitas de anomia social, como as registradas em Londres, não surgem do vazio.

Um estudo de Unicef, de 2007, realizado exclusivamente com países considerados desenvolvidos, oferece uma pista e um alerta de como as coisas se dão.

Intitulado "Pobreza Infantil em Perspectiva: visão de conjunto do bem-estar da criança nos países ricos", a pesquisa assume que a verdadeira medida de uma nação está na forma como ela cuida das suas crianças. A Unicef estende a fita métrica em seis dimensões da infância: a saúde e a proteção; a segurança material; a educação e socialização e o crucial modo como se sentem amadas, valorizadas e integradas na família e na sociedade onde nasceram.

O trabalho avaliou 21 países ricos abrangendo mais de 40 itens de vida material e subjetiva agrupados nas seis dimensões citadas.

A Inglaterra figurou em último lugar no conjunto de notas de cinco das seis dimensões em toda a série.

Trata-se de um balanço devastador da infância e da juventude criadas em 26 anos de governo conservador de Margareth Tatcher. Período em que se relegou a educação pública, as políticas sociais, empresas de Estado e valores associados à solidariedade e ao bem-comum a um agressivo moedor de carne de condenação ideológica e fiscal.

Valioso justamente por anteceder em cinco anos os atuais distúrbios em Londres, o trabalho pode ser consultado na íntegra no site do Centro de Estudos Innocenti da UNICEF.

Os alertas contidos no relatório merecem atenção não apenas de ingleses perplexos. Lideranças e autoridades brasileiras talvez encontrem ali boas razões para redimir sua indiferença diante da greve de abnegados professores de 11 Estados por um holerite de R$ 1.187 reais por mês.

AMÉRICA LATINA

Na noite da quinta-feira passada, dia 11, uma discreta mesa de um restaurante de Puerto Madero, a região de Buenos Aires preferida pelos turistas endinheirados e os empresários enfastiados, abrigou dois senhores bem vestidos. Eles pediram um cardápio nada original: provoleta, aquela grossa fatia de provolone levemente derretida na grelha e coberta de azeite e orégano, um inevitável asado, salada e vinho de Mendoza.

Pareceriam dois senhores num típico jantar sem outra razão que a rotina e o protocolo, num restaurante acostumado a misturar novos ricos espalhafatosos e empresários discretos, se não fosse observado um detalhe: eram os ministros de Economia mais poderosos da América do Sul, o argentino Amado Boudou e o brasileiro Guido Mantega. O jantar foi, na verdade, uma espécie de ensaio final para ajustar os detalhes do que seria discutido no dia seguinte, durante a reunião de ministros de Economia e dos presidentes dos bancos centrais da Unasul, a União de Nações Sul-americanas, nome do bloco nascido em 2008 e que reúne os doze países sul-americanos.

Durante toda aquela quinta-feira técnicos das equipes econômicas dos governos da região esmiuçaram diferenças e divergências procurando limar os pontos mais ásperos e diminuir atritos no encontro da sexta-feira. A proposta da cúpula de ministros era estabelecer uma ação comum para que os países da região consigam enfrentar sem maiores danos a descabelada crise que sacode as economias, derrete as bolsas e espalha o pânico entre os países mais ricos do planeta.

A jornada seguinte – sexta-feira, 12 de agosto – foi extenuante. Apesar dos esforços dos técnicos, algumas divergências continuavam agudas. Afinal, um dos que mais insistiram na convocação do encontro havia sido o presidente da Colômbia, o conservador Juan Manuel Santos, cujo governo ainda vê com desconfiança as políticas econômicas de quase toda a região e continua vendo com bons olhos as diretrizes de um neoliberalismo que causou cataclismos num tempo não tão remoto da América do Sul.

Encontrar pontos de convergência entre os integrantes do bloco não é nada fácil, mas havia e há evidente boa vontade para que se chegue a bom porto.

No final, um balanço positivo: o Conselho de Economia da Unasul conseguiu superar diferenças ideológicas e avançar em acordos técnicos. O discurso de Mantega, perfeitamente afinado com o de Boudou, se manteve firme: a América do Sul está preparada para enfrentar a crise, em condições ainda melhores que as de 2008, e precisa buscar suas próprias armas e defesas para não se deixar levar de roldão.

Pondo de lado os difíceis detalhes da estratégia a ser traçada, um dado deve chamar a atenção: a Unasul, que até agora tinha mostrado eficácia em episódios políticos pontuais (quando contribuiu de maneira decisiva para evitar desdobramentos de ameaças golpistas no Equador de Rafael Correa e na Bolívia de Evo Morales), pode avançar, no campo econômico, mais do que qualquer outra instituição regional jamais conseguiu. Diante do vendaval da crise que varre as economias centrais, os países sul-americanos parecem ter se lançado a sério na busca de proteções próprias, sem ficar à espera de decisões alheias. Pela primeira vez, e apesar das diferenças e distâncias que separam os próprios integrantes do bloco, todos parecem em melhores condições do que os países centrais sacudidos pela crise. O grande desafio dos governos da América do Sul é, a partir de agora, sair da área dos discursos e declarações e passar à prática.

O primeiro passo a ser dado é encontrar equilíbrio entre políticas tão dispares como as conservadoras, aplicadas pelos governos do Chile e da Colômbia, e as radicais, defendidas pela Venezuela, a Bolívia e o Equador. E é aí que deve-se ressaltar a importância mediadora e o peso específico dos governos aos quais pertencem aqueles dois senhores que, na noite da quinta-feira, véspera do encontro, se contentaram com um cardápio prosaico num lugar de novos ricos.

Oxalá – o jantar e a escolha do lugar, e não o que disseram no dia seguinte – tenha sido um mero disfarce para suas verdadeiras intenções.



NOSSO MUNDO

A fome na Somália e o grito mudo




Por Frei Betto, no sítio da Adital:
A foto do jornal me causou horror. A criança somali lembrava um ET desnutrido. O corpo, ossinhos estufados sob a pele escura. A cabeça, enorme, desproporcional ao tronco minguado, se assemelhava ao globo terrestre. A boca – ah, a boca! – escancarada de fome emitia um grito mudo, amargura de quem não mereceu a vida como dom. Mereceu-a como dor.

Ao lado da foto, manchetes sobre a crise financeira do cassino global. Em dez dias, as bolsas de valores perderam US$ 4 trilhões. Estarrecedor! E nem um centavo para aplacar a fome da criança somali? Nem uma mísera gota de alívio para tamanho sofrimento?

Tive vergonha. Vergonha da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reza que todos nascemos iguais, sem propor que vivamos com menos desigualdades. Vergonha de não haver uma Declaração Universal dos Deveres Humanos. Vergonha das solenes palavras de nossas Constituições e discursos políticos e humanitários. Vergonha de tantas mentiras que permeiam nossas democracias governadas pela ditadura do dinheiro.

US$ 4 trilhões derretidos na roleta da especulação! O PIB atual do Brasil ultrapassa US$ 2,1 trilhões. Dois Brasil sugados pelos desacertos dos devotos do lucro e indiferentes à criança somali.

Neste mundo injusto, uma elite privilegiada dispõe de tanto dinheiro que se dá ao luxo de aplicar o supérfluo na gangorra financeira à espera de que o movimento seja sempre ascendente. Sonha em ver sua fortuna multiplicada numa proporção que nem Jesus foi capaz de fazê-lo com os pães e os peixes. Basta dizer que o PIB mundial é, hoje, de US$ 62 trilhões. E no cassino global se negociam papéis que somam US$ 600 trilhões!

Ora, a realidade fala mais alto que os sonhos e a necessidade que o supérfluo. Toda a fortuna investida na especulação explica a dor da criança somali. Arrancaram-lhe o pão da boca na esperança de que a alquimia da ciranda financeira o transformasse em ouro.

À criança faltou o mais básicos de todos os direitos: o pão nosso de cada dia. Aos donos do dinheiro, que viram suas ações despencarem na bolsa, nenhum prejuízo. Apenas certo desapontamento. Nenhum deles se vê obrigado a abrir mão de seus luxos.

Sabemos todos que a conta da recessão, de novo, será paga pelos pobres. São eles os condenados a sofrerem com a falta de postos de trabalho, de crédito, de serviços públicos de qualidade. Eles padecerão o desemprego, os cortes nos investimentos do governo, as medidas cirúrgicas propostas pelo FMI, o recuo das ajudas humanitárias.

A miséria nutre a inércia dos miseráveis. Antevejo, porém, o inconformismo da classe média que, nos EUA e na União Europeia, acalentava o sonho de enriquecer. A periferia de Londres entra em ebulição, as praças da Espanha e da Itália são ocupadas por protestos. Tantas poupanças a se volatilizarem como fumaça nas chaminés do cassino global!

Temo que a onda de protestos dê sinal verde ao neofascismo. Em nome da recuperação do sistema financeiro (dirão: "retomada do crescimento”), nossas democracias apelarão às forças políticas que prometem mais ouro aos ricos e sonhos, meros sonhos, aos pobres.

Nos EUA, a derrota de Obama na eleição de 2012 revigorará o preconceito aos negros e o fundamentalismo do "tea party” incrementará o belicismo, a guerra como fator de recuperação econômica. A direita racista e xenófoba assumirá os governos da União Europeia, disposta a conter a insatisfação e os protestos.

Enquanto isso, a criança somali terá sua dor sanada pela morte precoce. E a Somália se multiplicará pelas periferias das grandes metrópoles e dos países periféricos afetados em suas frágeis economias.

Ora, deixemos o pessimismo para dias melhores! É hora de reacender e organizar a esperança, construir outros mundos possíveis, substituir a globocolonização pela globalização da solidariedade. Sobretudo, transformar a indignação em ação efetiva por um mundo ecologicamente sustentável, politicamente democrático e economicamente justo.

ECONOMIA

Nogueira Batista: O Brasil tem munição
contra a crise

Do Blog O Tijolaço




Reproduzo o, como sempre, claro e direto artigo do professor Paulo Nogueira Batista Jr., representante do Brasil na direção do FMI e um dos raros que jamais entregou o cérebro e a alma aos tapetes dos salões das finanças mundiais:


Pouca Munição

“Um dos fatores que agravam a turbulência financeira é a percepção generalizada de que os governos dos países desenvolvidos já gastaram boa parte da sua munição com a crise de 2008. Estados Unidos e Europa, que estavam – e continuam – no epicentro da crise, lançaram mão dos mais variados instrumentos: políticas fiscais anticíclicas, redução das taxas básicas de juro para quase zero, injeções maciças de liquidez pelos bancos centrais e operações custosas de socorro a instituições financeiras privadas.

A crise foi contida, mas nunca chegou a ser superada. As economias dos EUA, da Europa e do Japão crescem pouco ou nada; as taxas de desemprego e subemprego permanecem elevadas, especialmente entre os jovens; as finanças públicas estão fragilizadas; uma parte do sistema bancário continua vulnerável, particularmente na Europa.

No momento, o grande risco é o de um novo mergulho recessivo, desencadeado por choques oriundos do sistema bancário ou de riscos soberanos. Se isso acontecer, os governos não poderão responder como antes.

Como as dívidas públicas aumentaram rapidamente e os balanços dos bancos centrais estão sobrecarregados, fica mais difícil promover uma nova rodada de estímulos fiscais e monetários. Pior: alguns países, notadamente na zona do euro, estão sendo forçados a adotar políticas fiscais pró-cíclicas em face das pressões dos mercados.

A munição política também é menor. Hoje, existe mais resistência à ampliação dos gastos públicos do que há três anos. E novas operações de salvamento de instituições financeiras privadas seriam recebidas com uma onda de indignação da opinião pública.

Os EUA e a zona do euro são os principais focos de preocupação, mas há problemas em outras áreas da economia mundial.

É o caso da China, por exemplo. Em 2008-2009, o governo chinês pôde adotar um vigoroso programa de estímulo à demanda interna que compensou, em parte, o choque recessivo provocado pelos desmandos financeiros nos EUA e na Europa. Em 2011, contudo, a China enfrenta inflação significativa dos preços de bens e serviços, que se adiciona ao problema mais antigo de uma onda especulativa com ativos imobiliários. A menos que a inflação ceda rapidamente, a China dificilmente poderá responder a uma segunda recessão nas economias desenvolvidas com políticas de expansão da demanda. Ou seja, o maior dos emergentes pouco poderá fazer para sustentar a demanda na economia mundial.

Como fica o Brasil? Como se sabe, a economia brasileira não escapará ilesa de um novo mergulho recessivo dos países desenvolvidos. Mas a nossa margem de manobra é maior do que a deles. Temos munição para gastar, em caso de um agravamento da situação mundial.

As reservas internacionais do país aumentaram consideravelmente desde 2009 e podem ser usadas em caso de redução de linhas internacionais de crédito e pressões sobre as contas externas. Há espaço, além disso, para permitir que o câmbio se deprecie. Uma desvalorização do real, desde que não seja abrupta, será até bem-vinda, uma vez que a moeda nacional se valorizou excessivamente nos anos recentes. O Banco Central pode também reduzir os elevados compulsórios sobre passivos bancários e injetar liquidez na economia.

Por último, mas não menos importante, também há espaço para diminuir as taxas de juro básicas. Caso a crise internacional se agrave, afetando o nível de atividade da economia, o Banco Central poderá baixar os juros sem comprometer o controle da inflação. Isso ajudará a reduzir o custo da dívida pública, favorecendo o equilíbrio das contas do governo. Além disso, desestimulará entradas de capital, ajudando a corrigir a sobrevalorização cambial.

Nas circunstâncias atuais, melhor seria responder a um choque recessivo externo com estímulos monetários, mantendo uma política fiscal mais rigorosa. A coordenação entre as políticas fiscal e monetária é hoje melhor do que em 2008. Naquela época, Fazenda e Banco Central atuavam de forma divergente, com frequentes conflitos. Hoje, a equipe econômica está mais coesa, uma vantagem considerável em época de incertezas e turbulência.”



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Nouriel Roubini: "Karl Marx estava certo"

Há um velho axioma que diz que “sábia é a pessoa que aprecia a sinceridade quase tanto como as boas notícias”, e com ele como guia, situa decididamente o futuro na categoria da sinceridade.

O professor de economia da Universidade de Nova York, doutor Nouriel “Dr. Catástrofe” Roubini disse que, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente pelo economista Karl Marx há mais de um século.

Roubini, que há quatro anos previu acuradamente a crise financeira global disse que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.

A crítica de Marx em vigor, agora
Dentre outras teorias, Marx argumentou que o capitalismo tinha uma contradição interna que, ciclicamente, levaria a crises e isso, no mínimo, faria pressão sobre o sistema econômico. As corporações, disse Roubini, motivam-se pelos custos mínimos, para economizar e fazer caixa, mas isso implica menos dinheiro nas mãos dos empregados, o que significa que eles terão menos dinheiro para gastar, o que repercute na diminuição da receita das companhias.

Agora, na atual crise financeira, os consumidores, além de terem menos dinheiro para gastar devido ao que foi dito acima, também estão motivados a diminuírem os custos, a economizarem e a fazerem caixa, ampliando o efeito de menos dinheiro em circulação, que assim não retornam às companhias.

“Karl Marx tinha clareza disso”, disse Roubini numa entrevista ao The Wall Street Journal: "Em certa altura o capitalismo pode destruir a si mesmo. Isso porque não se pode perseverar desviando a renda do trabalho para o capital sem haver um excesso de capacidade [de trabalho] e uma falta de demanda agregada. Nós pensamos que o mercado funciona. Ele não está funcionando. O que é racional individualmente ... é um processo autodestrutivo”.

Roubini acrescentou que uma ausência forte, orgânica, de crescimento do PIB – coisa que pode aumentar salários e o gasto dos consumidores – requer um estímulo fiscal amplo, concordando com outro economista de primeira linha, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman, em que, no caso dos Estados Unidos, o estímulo fiscal de 786 bilhões de dólares aprovado pelo Congresso em 2009 era pequeno demais para criar uma demanda agregada necessária para alavancar a recuperação da economia ao nível de uma auto expansão sustentável.

Na falta de um estímulo fiscal adicional, ou sem esperar um forte crescimento do PIB, a única solução é uma reestruturação universal da dívida dos bancos, das famílias (essencialmente das economias familiares), e dos governos, disse Roubini. No entanto, não ocorreu tal reestruturação, comentou.

Sem estímulo fiscal adicional, essa falta de reestruturação levou a “economias domésticas zumbis, bancos zumbis e governos zumbis”, disse ele.

Fora o estímulo fiscal ou a reestruturação da dívida, não há boas escolhas

Os Estados Unidos, disse Roubini, pode, em tese: a) crescer ele mesmo por fora do atual problema (mas a economia está crescendo devagar demais, daí a necessidade de mais estímulo fiscal); ou b) retrair-se economicamente, a despeito do mundo (mas se muitas companhias e cidadãos o fizerem junto, o problema identificado por Marx é ampliado); ou c) inflacionar-se (mas isso gera um extenso dano colateral, disse ele).

No entanto, Roubini disse que não pensa que os EUA ou o mundo estão atualmente num ponto em que o capitalismo esteja em autodestruição. “Ainda não chegamos lá”, disse Roubini, mas ele acrescentou que a tendência atual, caso continue, “corre o risco de repetir a segunda etapa da Grande Depressão”—o erro de ‘1937’.

Em 1937, o presidente Franklin D. Roosevelt, apesar do fato de os primeiros quatro anos de massivo incentivo fiscal do New Deal ter reduzido o desemprego nos EUA, de um cambaleante 20,6% na administração Hoover no começo da Grande Depressão, a 9,1%, foi pressionado pelos republicanos congressistas – como o atual presidente Barack Obama fez com o Tea Party, que pautou a bancada republicana no congresso em 2011 – , rendeu-se aos conservadores e cortou gastos do governo em 1937. O resultado? O desemprego estadunidense começou o ano de 1938 subindo de novo, e bateu a casa dos 12,5%.

Cortar os gastos do governo prematuramente feriu a economia dos EUA em 1937, ao reduzir a demanda, e Roubini vê o mesmo padrão ocorrendo hoje, ao se seguir as medidas de austeridade implementadas pelo acordo da dívida implemented by the U.S. debt deal act.

Roubini também argumenta que os levantes sociais no Egito e em outros países árabes, na Grécia e agora no Reino Unido têm origem econômica (principalmente no desemprego, mas também, no caso do Egito, no aumento do custo de vida). Em seguida, argumenta que, ao passo que não se deve esperar um colapso iminente do capitalismo, ou mesmo um colapso da sua versão estadunidense, o capitalismo corporativo – capitalismo e mercados livres são rápidos demais e capazes de se adaptarem - dizer que a ordem econômica atual não está experimentando uma crise não é correto.

Fonte: http://www.ibtimes.com/articles/197468/20110813/roubini-nouriel-roubini-dr-doom-financial-crisis-debt-crisis-europe.htm

Tradução: Katarina Peixoto