30 outubro 2011

BRASIL

SUGESTÕES DE LEITURA


Os artigos postados, são, ao meu ver, merecedores de leitura. Mas, vou sugerir
a leitura da crônica de Izaías Almada O INFERNO SÃO OS OUTROS, a propósito
da campanha engendrada pela "grande" mídia contra a corrupção. Nada
contra caso houvesse seriedade e honestidade de propósitos. Mas, a história
é outra. Há uma opinião, quase generalizada, que só os políticos são obrigados
a ser honestos. O Izaías fala de falcatruas praticadas diariamente por boa
parte da população brasileira, principalmente essa que lê a Veja e vê o JN
e comparece às manifestações convocadas por essa imprensa que torce
para o Brasil dar errado.

Aproveitando a oportunidade, recomendo também a entrevista com MARIA DO
AMPARO ALMEIDA ARAÚJO, secretária de Direitos Humanos e Segurança
Cidadã da Prefeitura da Cidade do Recife, acerca da criação da Comissão da
Verdade, à espera da sanção presidencial.

Por fim, informo o endereço eletrônico criado para receber mensagens de apoio
ao presidente Lula, de responsabilidade do Instituto da Cidadania: saudelula@icidadania.org    




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Como seria um Brasil sem LULA?



 Agora que as notícias dão conta da boa perspectiva de restabelecimento do Lula, é curioso debruçar nas análises apressadas sobre uma era pós-Lula.

Aliás, chocante a maneira como algumas comentaristas celebraram a doença de Lula. Até nos ambientes mais selvagens – das guerras, por exemplo – há a ética do guerreiro, de embainhar as armas quando vê o inimigo caído, por doença, tragédia ou mesmo na derrota. Por aqui, não: é selvageria em estado puro.
A analista-torcedora supos que, com a doença de Lula, haveria uma mudança radical no quadro político. Sem voz, Lula seria como um Sansão sem cabelos. Sem Lula, não haveria Fernando Haddad. Sem contar os diagnósticos médico-políticos-morais, de que Lula foi castigado por sua vida desregrada. Zerado o jogo político, concluiu triunfante.

Num de seus discursos mais conhecidos, Lula bradava para a multidão: “Se cortarem um braço meu, vocês serão meu braço; se calarem a minha voz, vocês serão minha voz…”.


Qualquer tragédia com Lula o alçaria à condição de semideus, como foi com Vargas. O suicídio de Vargas pavimentou por dez anos as eleições de seus seguidores. É só imaginar o que seriam os comícios com a reprodução dos discursos de Lula. Haveria comoção geral.

A falta de Lula seria visível em outra ponta: é ele quem segura a peteca da radicalização. Quem seguraria suas hostes, em caso da sua falta? Seu grande feito político foi promover um pacto que envolveu os mais diversos setores do país, dos movimentos sociais e sindicais aos grandes grupos empresariais. E em nenhum momento ter cedido a esbirros autoritários, a represálias contra seus adversários – a não ser no campo do voto -, mesmo sofrendo ataques implacáveis.

Ouvindo os analistas radicais, lembrando-se da campanha passada, como seria o país caso Serra tivesse sido eleito? É um bom exercício. Não sobraria inteiro um adversário. Na fase Lula, há dois poderes se contrapondo: o do Estado e o da mídia e um presidente que nunca exorbitou de suas funções. No caso de Serra, haveria a junção desses dois poderes, em mãos absolutamente raivosas, vingativas.

Ao fechar todos os canais de participação, Serra sentaria em cima de uma panela de pressão. Sem canais de expressão, muitos dos adversários ganhariam as ruas. Sem a mediação de Lula, não haveria como não resultar em confrontos. Seria uma longa noite de São Bartolomeu.

Essa teria sido a grande tragédia nacional, que provavelmente comprometeria 27 anos de luta pela consolidação democrática.




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O ESPORTE E O PODER


Como quase todas as atividades sociais, os esportes - e, principalmente, o futebol - passaram a ser administrados pelas razões do capitalismo, e se tornaram um dos maiores negócios do mundo. A FIFA não é, e faz tempo, uma associação mundial de federações nacionais de futebol, mas o centro de um oligopólio internacional dessa modalidade do show-business. Os velhos e tradicionais clubes, ricos uns, pobres outros, não pertencem mais aos milhares de associados. Eles decidiam, em eleições periódicas, quais deles deveriam encarregar-se da direção das entidades, da administração do patrimônio, da escolha dos técnicos e da contratação de jogadores. Hoje, no mundo inteiro, quase todos os clubes têm dono. Quando não o têm diretamente, subordinam-se a contratos de patrocínio e de publicidade que expulsam das decisões os torcedores.

Devemos partir dessa constatação para tratar dos problemas que a Presidente Dilma Roussef está enfrentando, diante das denúncias de corrupção contra o Ministério dos Esportes. Em um negócio bilionário, como é o da realização de um campeonato mundial de futebol, todas as cautelas são poucas. Uma vez que assumimos o compromisso de sediar a Copa, temos que tratar seriamente do assunto, e é preciso que uma força de trabalho, excepcional, e interministerial, cuide das providências governamentais, e atue com firmeza, na defesa de nossa soberania, da segurança do evento, e da lisura de todos os procedimentos que envolvam o dinheiro público. É uma situação excepcional que exige tratamento excepcional.

Se o Ministro dos Esportes é responsável por algum desvio de conduta ética, cabe às autoridades apurar os fatos e, assim fazendo, levar o caso aos tribunais – depois de afastar o suspeito do cargo. Razão tem a presidente: ela não pode atuar sob a imposição das acusações, sem que essas denúncias sejam realmente comprovadas - ou se fundem em evidências convincentes. Ela agiu assim em todos os casos ocorridos em seu governo de dez meses. Atuou dessa forma diante das denúncias contra o Chefe de sua Casa Civil, um dos próceres do maior partido de sustentação do governo. Deu-lhe todas as oportunidades para desmentir os fatos. Infelizmente, seus argumentos não sensibilizaram a opinião pública, porque confessaram o inadmissível, que ele se enriquecera em pouco tempo, prestando consultoria a firmas que deviam ser mantidas em segredo. Se o Ministro fora vítima de fogo amigo, de que há indícios fortes, isso não interessa ao país. Na defesa do Estado, a presidente agiu com firmeza, e o demitiu. Os outros casos foram tratados da mesma forma: os acusados dispuseram de tempo para desmentir as denúncias; não o fazendo, foram compelidos a afastar-se. Com o Ministro Nelson Jobim os motivos foram outros, e ela, na defesa do governo e de sua autoridade como Chefe de Estado, não hesitou em afastá-lo.

Há quem, pela imprensa e pela internet, conceda mais força ao Ministro dos Esportes pelo fato de ter sido secretário geral de Agnelo Queiroz - então seu colega de partido - que ocupava o cargo. Como Agnelo entrou para o PT e se elegeu governador do Distrito Federal, o Ministro Orlando Silva estaria blindado. Ora essa blindagem é tênue. Muito mais blindado, se aceitamos a metáfora, se encontrava o Ministro Antonio Palocci. O cargo de governador do Distrito Federal não absolve ninguém de erros passados, se erros houve no caso, nem dá ao titular o poder de arbitrar o comportamento da presidente da República.

A Presidente Dilma Roussef, ao contrário do que previam alguns de seus adversários, está demonstrando invulgares virtudes políticas. Ela tem sido paciente, mas firme; mantém o natural respeito e amizade para com o seu antecessor, o Presidente Lula, mas isso não a impede de governar com autonomia – a autonomia que lhe foi conferida pelo voto popular. E é à Nação de brasileiros que ela tem que prestar contas, dia a dia, até que passe a faixa a seu sucessor, ou sucessora. 

Imposição do famoso Consenso de Washington, o tal “terceiro setor”, constituído de organizações não governamentais, tem sido, em alguns casos, além de perigosa inserção estrangeira nos assuntos nacionais, ao assumir prerrogativas do Estado, sem a legitimidade do voto, mas com recursos do orçamento, um espaço ideal para o desvio de recursos públicos.

É necessário dar um fim a essas organizações, criadas a partir do fundamentalismo mercantil, da globalização, do neoliberalismo. O Estado não pode delegar sua responsabilidade a terceiros, colocando em risco a governabilidade e a imagem da nação.


Por Mauro Santayana, em seu Blog



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PRIVATIZAÇÃO DOS AEROPORTOS. DEVAGAR COM O ANDOR QUE O SANTO É DE BARRO.


Por Mauro Santayana, em seu Blog




Os aeroportuários da INFRAERO estão de parabéns com a vitória alcançada graças à greve de advertência contra a privatização dos aeroportos da forma como ela vem sendo conduzida até agora.

Se, no passado, essa tática tivesse sido adotada no caso da TELEBRAS, e de empresas como a ELETROPAULO, vendida aos gringos da AES com financiamento do próprio BNDES, e com dezenas de milhões de reais em caixa, não teríamos vivido o maior processo de desnacionalização da economia em 500 anos de história, e não estaríamos, agora, às voltas com problemas no balanço de pagamentos, devido ao envio de bilhões e bilhões de dólares para o exterior, todos os trimestres, sob a forma de remessa de lucro de multinacionais que aqui entraram naquele momento.

Não se pode permitir que o BNDES empreste dinheiro a juros subsidiados para que empresas estrangeiras venham a controlar, com a maioria das ações, os nossos aeroportos. Primeiro, por uma questão de segurança. Aeroporto é ponto de entrada e de saída, de pessoas e de coisas, como agentes a serviço de governos estrangeiros, terras raras ou biopirataria. E, em segundo lugar, porque se for para trabalhar com dinheiro do BNDES, nós não precisamos de estrangeiros. Está cheio de empresa estrangeira mandando dividendos para seus acionistas no exterior - a Vivo está fazendo isso com 80% dos lucros obtidos no Brasil, e pegando dinheiro nosso, a custo subsidiado, na hora de fazer algum investimento. – nós entramos com o risco e eles levam embora o dinheiro.

Depois de anos sem aumento, a INFRAERO está reajustando, pela primeira vez, os aluguéis das lojas e dos espaços públicos nos principais aeroportos brasileiros. Quer dizer, como fizeram com as tarifas telefônicas, que tiveram substanciais aumentos antes da privatização nos anos 90, estão engordando a galinha antes de entregar para a raposa.

A privatização dos aeroportos, se vier a ocorrer, tem que ser feita com a parte privada estrangeira trazendo o seu próprio dinheiro, ou, se for o caso, know-how, mas com, no mínimo, 51% das ações em mãos da INFRAERO.

Ou vamos correr o risco de ter funcionários públicos federais, que representam o Estado Brasileiro, recebendo ordens, e sendo comandados, diante de estrangeiros, por outros cidadãos estrangeiros.


IMPRENSA

A pauta que não quer calar


Luciano Martins Costa




A roda da História está se movendo e a imprensa tradicional parece não se dar conta. Já passa de um milhar de cidades em quase uma centena de países o total de concentrações de cidadãos indignados que produzem o movimento de movimentos cuja denominação a nomenclatura conservadora dos fatos sociais ainda não conseguiu definir.

Há muito mais a ser dito para descrever o contexto em que se produz essa manifestação planetária e mesmo nos meios digitais fica difícil elaborar um quadro do seu significado. Mas eventualmente a complexidade dos fatos exige apenas que o observador abandone certos pressupostos condicionados pela leitura linear de notícias e tente enxergar o novo.

Coloquemos, por exemplo, o fato de que os indignados pertencem, na maioria, à chamada “geração Y” – cujos valores e visão de mundo se colocam em total contraposição aos dos yuppies, que a partir do final dos anos 1980 se apossaram da liderança dos grandes negócios e da condução dos humores do mercado.

Pergunta essencial

Os indignados são essencialmente diferentes da chamada “geração X”, na qual são classificados os predadores de Wall Street, que gozaram a infância no final dos “30 anos gloriosos” e, quando jovens adultos, entenderam que precisavam cuidar pessoal e egoisticamente de seus interesses. Mas também são nascidos na “geração X” os criadores do movimento punk, originalmente uma reação às dificuldades surgidas com a primeira grande crise do petróleo, nos anos 1970.

Assim, é preciso inicialmente diferenciar os indignados de hoje dos alienados de ontem. A atual geração que chega à idade adulta após o advento da internet encontrou o mundo preparado para outros 30 anos de bem-estar e evolução: as novas tecnologias reinventam os negócios, a inovação lança ininterruptamente na rotina aparelhos e sistemas que ampliam o alcance do conhecimento, alargam-se os horizontes geográficos para a ação estimulante do capital.

Mesmo a urgência ambiental, percebida já nos anos 1980 com as ocorrências de chuvas ácidas na Europa, na Ásia, no antigo território soviético e na América do Norte, produziu reações positivas ao impactar a vida social no fim da década passada, como a rápida conscientização sobre a necessidade de novos paradigmas na indústria, no transporte, na vida privada e na organização das cidades.

O que é, então, que não está dando certo?

Essa é uma pergunta essencial da pauta contemporânea.

Indignados e resignados

O que está destoando desse contexto é justamente a “geração X”, que se aquartelou no capital financeiro, entranhou-se nas instituições do poder – entre elas a imprensa tradicional – e, envelhecida precocemente, não consegue enxergar as possibilidades do novo século.

Há um mal-estar generalizado quando se olha para o futuro, mas essa percepção não parece ter relação direta com o fim da era do petróleo e o advento da era da responsabilidade pessoal pelo destino coletivo. Esse é um pressuposto explícito em todos os movimentos contemporâneos, desde a chamada “primavera árabe” até o “ocupe Wall Street”.

O mal-estar no ambiente da globalização vincula-se claramente à incompatibilidade dos interesses do setor financeiro – chamado genericamente de “o mercado” – com as necessidades e interesses da sociedade em geral.

No momento em que a inovação tecnológica oferece soluções para o desenvolvimento sustentável, a irresponsabilidade individualista dos remanescentes da “geração X” ameaça colocar tudo a perder. Eles se tornaram mais do que conservadores – são reacionários no limite da insanidade.

Podem ser claramente identificados nos conselhos de grandes conglomerados transnacionais, no comando dos gigantescos fundos de investimento e nas chefias de muitos governos importantes. Mas também estão presentes em postos de direção dos grandes grupos de mídia – valorizados como mão de obra qualificada por sua obediência cega aos cânones do chamado fundamentalismo de mercado.

Falta entender

O que diferencia essencialmente a geração dos indignados da geração dos resignados – que resistem a aceitar os novos paradigmas que se impõem ao mundo – é justamente a capacidade de alimentar uma utopia coletiva.

É quase dogma na maioria das redações a interpretação de que a queda do muro de Berlim representou o fim das utopias. É “chique” entre jornalistas adeptos dessa ideologia dizer-se “pós-moderno”, embora poucos deles saibam explicar o que isso quer significar.

Mas acontece que, ao contrário do que alardearam os jornais no fim do século passado, a História não acabou. Ela se desenrola hoje nas ruas de todo o planeta com a manifestação dos novos protagonistas. Mas a imprensa tradicional ainda não entendeu, ou não quer entender.



Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/



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Derrubar ministros exige competência


Por Alberto Dines



Balística e jornalismo investigativo têm algo em comum: independente do calibre da arma e da força do projétil, é crucial avaliar o ângulo do disparo e a vulnerabilidade do alvo.

As denúncias da Veja contra o ministro do Esporte, Orlando Silva, publicadas no fim de semana 15-16 de outubro (edição 2239) devem demorar a derrubá-lo ou talvez nem o derrubem. Foram formuladas canhestramente. São ineficazes.

Para começar: o denunciante é réu. Portanto, suspeito. Tem ficha de truculento, negocista, policial-bandido, miliciano típico. Esteve envolvido no mesmo esquema que agora tenta demolir. Faz parte do mesmo bando que agora está sendo investigado. O desvio de verbas do ministério para ONGs que promovem o esporte assistencial já estava sendo investigado há mais de dois anos pelas polícias de Brasília e Federal, pela CGU e pelo Ministério Público.

O fato novo, bombástico, é a entrega de dinheiro vivo na mão do ministro ou de seu motorista. E esta tremenda novidade não colou porque carece de provas. Veja embarcou em nova aventura denuncista sem ter qualquer comprovante. Saiu atirando.

Fora dos holofotes

Na ânsia de ganhar o campeonato nacional de tiro-aos-ministros, o semanário fez escolhas estratégicas erradas. Quando a Folha de S.Paulo atirou em Antonio Palocci, mirou apenas em seu incrível e vertiginoso enriquecimento. Não pensou no PT nem em alvos próximos. Apontou, atirou, acertou na mosca, Palocci estrebuchou um bocadinho e emborcou.

O frenesi ideológico dos atiradores de Veja leva-os a optar pela rajada e esta nem sempre é mais letal do que o tiro único, certeiro. Queriam pegar o ministro e também o seu partido, fazer o trabalho completo. Não pegaram nem um nem outro.

O PCdoB, tal como uma porção significativa da base aliada, está envolvido em bandalheiras. Sua imagem de estoicismo e idealismo há muito evaporou. A vigorosa reação dos familiares das lideranças comunistas históricas em seguida à propaganda televisiva do partido (Anita Leocádia Prestes e Victoria Grabois, por exemplo) é prova de uma indisfarçável degradação.

São consistentes muitas das revelações sobre o que acontece dentro e em torno do Ministério do Esporte não apenas porque já vinham sendo investigadas, mas porque agora passarão a ser monitoradas também pela Procuradoria Geral da República. É da natureza da PGR relutar, não dispersar-se em muitas ações e trabalhar longe dos holofotes. Mas quando anuncia publicamente que vai apurar malfeitorias é porque pressente o que deve encontrar.

Esporte perigoso

A editoria de denúncias do semanário da Editora Abril não levou em conta as chamadas “circunstâncias ambientais”: a destituição do ministro do Esporte quando faltam três anos para o início da Copa do Mundo só poderia ocorrer diante de colossais ilícitos. Comprovados cabalmente. Também não levou em conta que naquele momento o ministro Orlando Silva não poderia ser facilmente sacrificado porque representava uma ala do governo que tenta oferecer resistências ao poderio conjugado dos abutres Fifa-CBF.

Para ser eficaz, o jornalismo de cruzadas deve evitar fúrias, ser preciso. A grande mídia está apostando para ver quem derruba mais ministros até o fim do ano. Trata-se de um esporte radical, cansativo e perigoso. Corre o risco de ficar desacreditado.



Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/




CRÔNICA

Izaías Almada: o inferno são os outros

publicada quinta-feira, 27/10/2011 às 10:07 e atualizada quinta-feira, 27/10/2011 às 17:12




Por Izaías Almada


Segunda-feira: A Dra.Henriqueta acaba de atender a mais um de seus pacientes. Ela é pediatra e goza de prestígio na profissão. O paciente, um bebê de um ano de idade, deixa a sala no colo da mãe, que com expressão feliz prepara-se para pagar a consulta. “Quanto é?” pergunta a mãe. “A senhora vai precisar de nota?” dispara a secretária com seu ar profissional. “Vou” respondeu a mãe. “Com nota é setecentos reais e sem nota é quatrocentos e cinqüenta” “Nossa! E por quê essa diferença toda?” “É por causa do imposto de renda”… “Ah!”, exclamou a mãe.

Terça-feira: Reimilson é jornalista formado há pouco mais de três anos e conseguiu, até mais cedo do que pensava, trabalhar na redação de uma revista semanal, a Veja. Abriu uma ME em Cotia para pagar menos ISS nas notas fiscais que dava ao empregador pelo que recebia “oficialmente” como salário registrado em carteira. Recebia a diferença por fora.

Quarta-feira: dona Martha era separada do marido e tinha uma filha que se preparava para o vestibular. A pensão do marido não era suficiente para as despesas mensais. A filha ajudava com seu salário de secretária numa empresa de publicidade. Dona Martha, subsíndica do prédio em que morava, acertou com o porteiro fazer um “gato” para usar a internet do prédio sem que precisasse pagar a conta, uma economia de meio salário mínimo.

Quinta-feira: O senhor Robson Altamirano tornou-se comerciante no bairro do Brooklin, onde administra uma papelaria considerada a melhor da redondeza. Conseguiu montar dois esquemas em que tem dois tipos de notas fiscais para clientes que solicitam ou não a Nota Fiscal Paulista. Um deles, com a ajuda de um técnico, é acoplado à máquina registradora. O outro é na emissão de notas frias de um talonário que manda imprimir numa gráfica em Cotia.

Sexta-feira: Pedro é estudante universitário. Invariavelmente, a sexta à noite saía com amigos para uma cervejinha. Na última, já passada a meia-noite, foi surpreendido numa batida policial. Ligeiramente alcoolizado, lembrou-se do truque que aprendera com um dos colegas da faculdade: carregava sempre duas notas de cem reais junto aos documentos do carro. Não deu outra: o policial olhou para Pedro, olhou para o lado e, rápida e discretamente devolveu os documentos ao jovem. “O senhor pode ir embora”.

Domingo: Avenida Paulista, em frente ao Museu de Arte de São Paulo. Um grupo de pouco mais de quinhentas pessoas faz uma manifestação contra a corrupção no país. Cinco deles seguram uma faixa onde se lê: ABAIXO A CORRUPÇÃO NO GOVERNO. São eles exatamente a Dra. Henriqueta, o jornalista Reimilson, dona Martha, o comerciante Robson e o universitário Pedro.

E se combatêssemos também a hipocrisia, a ignorância e a má fé de milhares de cidadãos que repetem como papagaios muitas das mentiras espalhadas pela mídia venal e comprometida com o atraso?


Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/

INTERNACIONAL

 

Europa: de remendo em remendo, o brejo se aproxima

O novo nó da questão discutida na zona do euro está em determinar o quanto da dívida grega será cortada, ou seja, não paga. Em julho houvera um acordo prévio, de bastidor, em torno de 20%. Agora, Merkel fala em 50%, mas acredita-se que possa chegar até 60%. Os bancos, na maioria, teimam em dizer que não aceitariam mais do que 40%. O artigo é de Flávio Aguiar, direito de Berlim

Berlim - Quarta-feira (26) foi um dia de tensão Europa afora. Mais um, para ser preciso. As glândulas supra-renais, que secretam adrenalina, devem estar esgotadas de tanto trabalho.

O primeiro foco do dia estava em Berlim. Por determinação da Suprema-Corte alemã, o Bundestag (Parlamento Nacional) deve obrigatoriamente ser ouvido no caso de crises internacionais. Antes, ele apenas referendava ou não as propostas aprovadas na sede da União Européia, em Bruxelas. Agora ele deve ser ouvido antes do Executivo alemão levar alguma proposta para os fóruns internacionais.

A discussão, iniciada na terça-feira, focava o Fundo Europeu de Estabilidade Fincanceira, a possibilidade da recapitalização dos bancos, o que fazer com a dívida grega. Basicamente, a proposta alemã era levar a Bruxelas a idéia de que o Fundo deveria ser ampliado, passando de 1 trilhão de euros pelo menos, e que pudesse ser usado como uma espécie de “fundo de seguro” para investidores que desejassem comprar letras do tesouro de países em dificuldades, como a Grécia, Portugal, Irlanda e talvez no futuro, Itália e Espanha. A França de Sarkozy queria ir mais fundo: queria que o fundo pudesse agir como um banco, emprestando dinheiro diretamente a países e bancos em dificuldade, e também tomando empréstimos, por exemplo, do Banco Central Europeu. Ângela Merkel, sempre na retranca, não aceita a idéia: defende que o fundo, por exemplo, garanta um percentual – fala-se em 20 % ou mais – dos investimentos em questão, e que ele possa ser usado, de modo limitado, para fazer empréstimos a juros menores do que os de mercado a países em dificuldade tão somente.

No domingo, durante uma primeira rodada em Bruxelas, Merkel, aparentemente, levara a melhor sobre Sarkozy. Com apoio (conservador) da Holanda e da Finlândia (que querem poupar seus contribuintes de terem de “pagar” pelos “indisciplinados” países do sul, ela conseguira descartar, pelo menos de momento, o plano de Sarkozy. Infeliz, apesar de ter ganho um ursinho de Merkel como presente para sua filha recém nascida, Sarkozy descarregou sua frustração em cima do primeiro ministro britânico David Cameron, dizendo, diante das cobranças deste, que ele perdera uma oportunidade de ficar calado, e que deveria silenciar sobre o euro, já que não gostava dele. Isso num tom exaltado, como é o seu estilo.

Na segunda-feira, Cameron continuou com parte do mico da vez, ao enfrentar uma rebelião de seus pares conservadores no Parlamento britânico, que votaram (embora em minoria) a favor de uma proposta de realizar novo plebiscito sobre a permanência do país na União Européia. Dividindo o mico, Berlusconi, que ouvira muitas e boas de Sarkozy e Merkel em Bruxelas, inclusive risinhos de mofa enquanto falava, se enrolava em conversações com o presidente italiano Giorgio Napolitano e com o líder da aliada e reacionaríssima Liga Norte, Umberto Bossi, sobre a continuidade de seu desmoralizado governo. Bossi resistia em aceitar, como queriam Merkel e Sarkozy, o aumento da aposentadoria italiana para 67 anos, como é na Alemanha. Parece que ambos acabaram acertando um acordo: Bossi aceitou os 67 anos, mas somente a partir de 2026, e Berlusconi teria se comprometido a não disputar mais a reeleição em março de 2012. A ver.

O risco para Merkel era enfrentar rebeliões semelhantes em seu terreno, o que enfraqueceria seu papel na reunião de cúpula da Zona do Euro e da UE, que começou em Bruxelas na noite mesma de quarta.

O novo nó da questão está em determinar o quanto da dívida grega será cortada, ou seja, não paga. Em julho houvera um acordo prévio, de bastidor, em torno de 20%. Depois, com a divulgação de que nos bastidores todos – do FMI aos governos envolvidos – acreditavam que a Grécia não poderia mesmo pagar os 357 bi de euros que deve (160% do seu PIB anual), aquele número cresceu para pelo menos 40%. Agora, Merkel falou em 50%, mas acredita-se que possa chegar até 60%. Os bancos, na maioria, no entanto, teimam em dizer que não aceitariam mais do que 40%. Também a ver.

Afinal, Merkel conseguiu uma ampla vitória na votação desta quarta. Apenas 89 deputados dos mais de 600 do Parlamento votaram contra, com algumas poucas abstenções e ausências. Assinale-se que, como já anunciara, a Linke votou contra, argumentando que o novo plano não muda os pressupostos dos anteriores, com que não concorda.

E agora à noite (aqui em Berlim), enquanto redijo estas notas, se avolumam as chegadas a Bruxelas, para o grande match em torno do euro.

Fica a impressão, no entanto, de estarmos diante de remendos e mais remendos, porque os fundamentos da questão não só não são atacados, como sequer, em geral, são visualizados pela maioria dos envolvidos. O “Consenso de Bruxelas” reeditou o moribundo “Consenso de Washington”, nada mais. Fez dos “planos de austeridade” e da redução de direitos e investimentos sociais a panacéia universal. Não faltam comentaristas de todos os matizes (não estou falando de esquerdistas, mas de gente como Krugman e Steglitz) que dizem que a União Européia está fazendo exatamente o contrário do que deveria fazer, que seria aumentar os investimentos sociais, garantir a elevação do poder aquisitivo, animar ao invés de sufocar a economia dos países em crise mais aguda.

A prova disso é o que aconteceu com a Grécia: um ano e meio depois dela ter declarado estado falimentar, os “planos de austeridade” só fizeram piorar a sua situação, quebrando o país completamente, segundo reconhecem FMI, U. E. e Banco Central Europeu, mas que vão continuar a insistir nos mesmos fundamentos, ou, melhor dizendo, “afundamento”. Diga-se de passagem, nessas questões, hoje o FMI está “à esquerda”, se é possível dizer isso, de Bruxelas, Frankfurt, Berlim, etc., porque alerta continuamente para a necessidade de reverter o processo recessivo em que a Europa está entrando.

Enquanto isso, o brejo se aproxima rapidamente: já dá para sentir o cheiro do pântano. Haja adrenalina!




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A depravação da América


Foi-se o tempo em que a ética protestante definia o caráter dos Estados Unidos. Ela foi usada como fator responsável pelo sucesso do capitalismo na Europa do Norte e na América, pelos sociólogos, mas a ética protestante e o capitalismo são incompatíveis, e o capitalismo, em última análise, faz com que a ética protestante seja abandonada.

Há um novo ethos que emergiu, e as elites governamentais não o entendem. Trata-se do etos da “grande oportunidade”, do “prêmio”, da “próxima grande ideia”. A marcha lenta e deliberada em direção ao sucesso é hoje uma condenação do destino. Junto à próxima grande ideia comercial está o novo modelo do "sonho americano". Tudo o que importa é o dinheiro. Dada essa atitude, poucos na América expressam preocupações morais. A riqueza é só o que se tem em vista; vale inclusive nos destruir para alcançá-la. E se não chegamos lá ainda, certamente em breve chegaremos.

Eu suspeito que a maior parte das pessoas gostaria de acreditar que sociedades, não importa as bases de suas origens, tornam-se melhores com o tempo. Infelizmente a história desmente essa noção; frequentemente as sociedades se tornam piores com o tempo. Os Estados Unidos da América não é exceção. O país não foi benigno em sua origem e agora declina, tornando-se uma região de depravação raramente superada pelas piores nações da história.

Embora seja impossível encontrar números que provem que a moralidade na América declinou, evidências cotidianas estão onde quer que se veja. Quase todo mundo pode citar situações nas quais o bem estar das pessoas foi sacrificado pelo bem das instituições públicas ou privadas, mas parece impossível citar um só exemplo de instituição pública ou privada que tenha sido sacrificada em nome do povo.

Se a moralidade tem a ver com o modo como as pessoas são tratadas, pode-se perguntar legitimamente onde a moralidade desempenha um papel no que está se passando nos EUA? A resposta parece ser: “Em lugar nenhum!” Então, o que tem aconteceu nos EUA para se ter a atual epidemia de afirmações de que a moralidade na América colapsou?

Bem, a cultura mudou drasticamente nos últimos cinquenta anos. Foi isso o que aconteceu. Houve um tempo em que a "América", o "caráter americano", era definido em termos do que se chamava de Ética Protestante. O sociólogo Max Weber atribuiu o sucesso do capitalismo a isso. Infelizmente, Max foi negligente; ele estava errado, completamente errado. O capitalismo e a ética protestante são inconsistentes entre si. Nenhum dos dois pode ser responsável pelo outro.

A ética protestante (ou puritana) está baseada na noção de que o trabalho duro e a ascese são duas consequências importantes para ser eleito pela graça da cristandade. Se uma pessoa trabalha duro e é frugal, ele ou ela é considerado como digno de ser salvo. Esses atributos benéficos, acreditava-se, fizeram dos estadunidenses o povo mais trabalhador do que os de quaisquer outras sociedades (mesmo que as sociedades protestantes europeias fossem consideradas parecidas e as católicas do sul da Europa fossem consideradas preguiçosas).

Alguns de nós afirmam agora que estamos testemunhando o declínio e a queda da ética protestante nas sociedades ocidentais. Como a ética protestante tem uma raiz religiosa, o declínio é frequentemente atribuído a um crescimento do secularismo. Mas isto seria mais facilmente verificável na Europa do que na América, onde o fundamentalismo protestante ainda tem muitos seguidores. Então deve haver alguma outra explicação para o declínio. Mesmo que o crescimento do secularismo tenha levado muita gente a dizer que ele destruiu os valores religiosos juntamente aos valores morais que a religião ensina, há uma outra explicação.

No século XVII, a economia colonial da América era agrária. Trabalho duro e ascese combinam perfeitamente com essa economia. Mas a América não é mais agrária. A economia dos EUA hoje é definida como capitalismo industrial. Economias agrárias raramente produzem mais do que é consumido, mas economias industriais o fazem diariamente. Assim, para se manter a economia industrial funcionando, o consumo deve não apenas ser contínuo, como continuamente crescente.

Eu duvido que haja um leitor que não tenha escutado que 70% da economia dos EUA resulta do consumo. Mas 70% de um é 0,7, ou de dois é 1,4, de três, 2,1, etc. À medida que economia cresce de um a dois pontos do PIB, o consumo deve crescer de 0,7 para 1,4 pontos. Mas o aumento crescente do consumo não é compatível com a ascese. Uma economia industrial requer gente para gastar e gastar, enquanto a ascese requer gente para economizar e economizar. A economia americana destruiu a ética protestante e as perspectivas religiosas nas quais foi fundada. O consumo conspícuo substituiu o trabalho duro e a poupança.

No seu A Riqueza das Nações, Adam Smith afirma que o capitalismo beneficia a todos, desde que cada um aja em benefício dos outros. Agora estão nos dizendo que “economizar mais e cortar gastos pode ser um bom plano para lidar com a recessão. Mas se todo mundo proceder assim isso só vai tornar as coisas piores....aquilo de que a economia mais precisa é de consumidores gastando livremente”. A grande recessão atingiu Adam Smith na sua cabeça, mas o economista admitiria isso. “Um ambiente em que todos e cada um quer economizar não pode levar ao crescimento. A produção necessita ser vendida e para isso você precisa de consumidores”.

Poupar é (presumivelmente) bom para indivíduos, mas ruim para a economia, a qual requer gasto contínuo crescente. Se um economista tivesse dito isso na minha frente, eu teria lhe dito que isso significa claramente que há algo fundamentalmente errado com a natureza da economia, que isso significa que a economia não existe para prover as necessidades das pessoas, mas que as pessoas existem apenas para satisfazer as necessidades da economia. Embora não pareça isso, uma economia assim escraviza o povo a quem diz servir. Então, de fato, o capitalismo industrial perpetrou a escravidão; ele tem reescravizado aqueles que um dia emancipou.

Quando o consumo substituiu a poupança na psique americana, o resto de moralidade afundou junto na depravação. A necessidade de vender requer marketing, o que nada mais é que a mentira das mentiras. Afinal de contas, toda empresa é fundada no que disse o livro de Edward L. Bernays, de 1928: Propaganda. A cultura americana tem sido inundada por um tsunami de mentiras. O marketing se tornou a atividade predominante da cultura. Ninguém pode se isolar disso. É uma coisa seguida por pessoas de negócios, políticos e pela mídia. Ninguém pode ter certeza de estarem lhe contando a verdade a respeito de alguém. Nenhum código moral pode sobreviver numa cultura de desonestidade, e de resto, ninguém pode!

Tendo subvertido a ética protestante, a economia destruiu toda ética que a América um dia promoveu. O país tornou-se uma sociedade sem um etos, uma sociedade sem propósito humano. Os americanos se tornaram cordeiros sacrificáveis para o bem das máquinas. Então, um novo etos emergiu do caos, um etos que a elite governamental desconhece completamente.

Diz-se frequentemente que Washington perdeu o contato com as pessoas que governa, que não entende mais seu próprio povo ou como sua cultura comum funciona. Washington e a elite do país não entendem isso, mas a cultura não valoriza mais o certo sobre o errado ou o trabalho duro e a ascese sobre a preguiça e a extravagância. Hoje os americanos estão buscando a “grande oportunidade”, o “prêmio”, a “próxima grande ideia”. O Sonho Americano foi hoje reduzido ao “acertar em cheio!”. A longa e deliberada estrada para o sucesso é uma condenação. Vejam American Idol, The X-Factor e America’s Got Talent e testemunhe a horda que se apresenta para os auditórios. Essas pessoas, em sua maior parte, não trabalharam duro em nada na vida. Contem o número de pessoas que regularmente apostam na loteria. Esse tipo de aposta não requer trabalho algum. Tudo o que essas pessoas querem é acertar em cheio. E quem é nosso homem de negócios mais exaltado? O empreendedor!

Empreendedores são, na sua maior parte, fogo de palha, mesmo que haja exceções notáveis. O problema com o empreendedorismo, no entanto, é a alta conta em que passou a ser tomado. Mas o único valor ligado a ele é a quantidade de dinheiro que os empreendedores têm feito. Raramente ouvimos alguma coisa a respeito do modo nefasto como esse dinheiro foi feito. Bill Gates e Mark Zuckerberg, por exemplo, dificilmente representam imagens de pessoas com moralidade exemplar, mas na economia sem escrúpulos morais, ninguém se importa; tudo o que importa é o dinheiro.

Dada essa atitude, por que alguém, nessa sociedade, expressaria preocupações morais? Poucos na América o fazem. Assim, enquanto a elite americana fala na necessidade de produzir força de trabalho sustentável para as necessidades de sua indústria, as pessoas não querem nada disso.

A elite frequentemente lastima a falência do sistema educacional americano e tem tentado melhorá-lo sem sucesso, por várias décadas. Mas se alguém presta atenção no atual estado de coisas na América, vê que a maior parte dos empreendedores de sucesso são pessoas que abandonaram faculdades. Como se pode convencer a juventude de que a educação universitária é um empreendimento que vale a pena? Assim como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg mostraram, aprender a desenhar um software não requer graduação universitária. Nem ganhar na loteria ou vencer o American Idol. Fazer parte da Liga Nacional de Futebol pode requerer algum tempo na universidade, mas não a graduação. Todo o empreendedorismo requer uma nova ideia mercantil.

Entretenimento e esportes, loterias e programas de jogos e disputas, produtos de consumo de que as pessoas não tiveram necessidade por milhões de anos são agora as coisas que formam a cultura americana. Mas não são coisas, são lixo; não podem formar a base de uma sociedade humana estável e próspera. Esta é uma cultura governada meramente por um atributo: a riqueza, bem ou mal havida!

A capacidade humana de autoengano é sem limites. Os estadunidenses vêm se enganando com a crença de que a riqueza agregada, a soma total de riquezas, em vez de como ela é distribuída, dá certo. Não importa como foi obtida ou o que foi feito para se obter tal riqueza. A riqueza agregada é a única coisa que se tem em vista; é algo pelo que vale à pena destruir a nós mesmos. E mesmo que não o tenhamos alcançado ainda, em breve certamente o conseguiremos.

A história descreve muitas nações que se tornaram depravadas. Nenhuma delas jamais se reformou. Nenhum garoto bonito pode ser convocado para desfazer a catástrofe do Toque de Midas. O dinheiro, afinal de contas, não é uma coisa de que os humanos precisem para sobreviver, e se o dinheiro não é usado para produzir e distribuir as coisas necessárias, a sobrevivência humana é impossível, não importa o quanto de riqueza seja agregada ou acumulada.

(*) John Kozy é professor aposentado de filosofia e lógica que escreve sobre assuntos econômicos, sociais e políticos. Depois de ter servido na Guerra da Coréia, passou 20 anos como professor universitário e outros 20 trabalhando como escritor. Publicou um livro de lógica formal, artigo acadêmicos. Sua página pessoal é http://www.jkozy.com/ onde pode ser contatado.

Tradução: Katarina Peixoto
 
 

LULA

 

A voz do Brasil que nunca teve voz




Por Saul Leblon


Lula completou 66 anos esta semana: a metade deles emprestando a voz rouca e grave à defesa da democracia e da justiça social. Avant la lettre, ele deu voz à 'primavera árabe' brasileira. Mesmo quando lhe faltaram microfones, nas assembléias históricas da Vila Euclides, no ciclo das grandes greves do ABC paulista, nos anos 80, a voz rouca e grave ecoou através de outras vozes para se fazer ouvir em todos os cantos e lares mais humildes do país..

A economia e a sociedade que essa voz ajudou a construir hoje falam por ele. E torcem por ele, na certeza de que ele ainda falará por ela durante muito tempo, como líder político incontestável da grande frente progressista que deu voz a um Brasil que nunca antes teve voz nem vez na política nacional.

Na campanha de 2002, num discurso emocionado, quando a vitória ainda era incerta, Lula disse que se considerava uma obra coletiva do povo brasileiro. E que assim persistiria , fosse qual fosse o resultado daquela disputa. De fato. Lula se transformou no intérprete mais fiel das lutas e sonhos da gente brasileira, a ponto de o seu nome ter se incorporado ao vocabulário nacional ('agora é Lula!') como uma espécie de sinônimo do orgulho, da resistência e do discernimento de uma população que, ao seu modo, nele se enxergou como fonte de poder e de direitos .

Essa força tamanha não vai silenciar. Não apenas porque Lula em breve voltará a expressá-la, mas porque em qualquer tempo, e em qualquer lugar , sempre que interesses de uma elite anti-social e demofóbica ameaçarem as conquistas e anseios dessa gente, haverá quem cante, assovie, murmure ou mencione o refrão que enfeixa um punhado de significados e entendimentos, todos eles imiscíveis com a prepotência e a humilhação que encontrou nesta voz um contraponto de alteridade e hegemonia que as ruas dificilmente esquecerão: 'olê, olê, olê, olá, Lula, Lula...'


DEBATE ABERTO

Há uma grande conspiração em curso no Brasil. Trata-se da conspiração do PT e da esquerda em geral para assaltar o bolso das famílias, para imporem um modo politicamente correto de pensar, para censurarem o machismo, a homofobia, o sexismo e o nosso direito de andar armados. Essa gente quer assaltar os cofres públicos para nos fazer pagar impostos, com os quais eles só fazem roubar e enriquecer, enquanto eu me sinto vilipendiado e cada vez mais envergonhado. Nunca houve tanta corrupção neste país, nunca. É aquela coisa do pobre que jamais teve algo e que agora se lambuza, minha avó já dizia. Aqui, comediante é levado a sério, só porque é fascista, homofóbico, machista e age contra a lei, enquanto os políticos, ah, os políticos, esses seguem sem ser levados a sério. Por isso eu gosto mesmo é do Bolsonaro, inclusive. Ele vem sendo vítima do festival de autoritarismo e corrupção que assolam este país. Esses petralhas que estão mais preocupados em atacar a liberdade de imprensa do que em governar o país. Sim, porque o país só vai bem graças a Fernando Henrique, que não fosse ele, esses petralhas iam ver. O PT não faz nada que preste e só rouba o nosso dinheiro. O filho de Lula é milionário, Dilma sabe e acoberta Orlando Silva, aquele moleque safado que está podre de rico, caiu porque é culpado, óbvio.

Outro dia um jornal muito importante disse no seu editorial que o país precisava de uma limpeza ética! Eu concordo! Cresce no país a consciência de que chega de tudo isso que aí está! E ainda querem mais imposto para a saúde, e fraudam até provas de ensino médio, que são de alta importância para os nossos filhos! Como eles terão certeza de que entrarão por seus próprios méritos na Universidade? Não basta ter direitos negados pelas vagas dadas de presente – às nossas custas – a quem se diz negro (como se houvesse racismo no Brasil, ora essa!), aos desqualificados das escolas públicas e, pasmem, para indígenas. Chega! Está na hora da nossa marcha, da marcha pela dignidade, contra essa gente que quer mandar em nós, que quer controlar o nosso modo de pensar, que pretende ganhar dinheiro às minhas custas e fazer demagogia com os impostos que eu e minha família e você paga!


Diariamente a Carta Maior recebe comentários de leitores que compartilham o balaio de enunciados contraditórios acima. Essa babilônia de crenças incompatíveis, que não sobrevivem a um inquérito minimamente lógico a respeito da relação entre uma e outra reina na mídia e, até aqui, parece apavorar setores poderosos do governo. Trata-se de uma onda de depravação consciente e deliberada, que convida a barbárie para uma grande orgia semântica, voltada para criar uma farsa. Não porque é contra o PT ou o governo ou a esquerda. A farsa está na invenção de um inimigo a ser revelado e denunciado como responsável pelas ameaças e fragilidades que o poder vem enfrentando. Mas que poder? O da mídia, o do tal do PIG, o da CIA e do FMI? E que fragilidades?

O Protocolo dos Sábios de Sião é uma farsa criada por um serviçal do Czar Nikolai II para tentar, sem sucesso, enfrentar as ameaças ao seu poder. Essa farsa, da virada do século XIX para o XX, denuncia a existência de um grupo de judeus que se reúnem e deliberam como controlar o mundo. Eles traçam planos e estabelecem metas para a empreitada. O texto é tão autêntico que todo judeu denega a sua veracidade, revelando, assim, a sua força, dizem as sumidades de todo tipo que acreditam nessa mentira.

O modelo desse embuste é muito simples e imbecilizante: ele mobiliza o medo do lobo mau que habita as memórias infantis apontando um inimigo ao mesmo tempo genérico e específico que introduz, contamina e assegura a permanência de todo o mal na floresta, quer dizer, na sociedade. Na Rússia czarista, eram os judeus. Depois, no nazismo, eram os judeus comunistas, porque, como se sabe, a Revolução de 17 foi coisa de judeu, segundo nos disse Hitler, o sábio. Já na década de 30, quando as trevas do stalinismo assaltaram o Partido Comunista, os Protocolos foram recuperados, porque ali estariam claros os planos trostskistas – portanto judeus – para atacar o guia dos povos.

Quando os delinquentes argentinos que agora estão sendo condenados (finalmente) deram o golpe de estado em 1976, com a missão de exterminar a esquerda, usaram essa bíblia de oligofrenia e irracionalidade para levarem a cabo o extermínio de aproximadamente 30 mil pessoas. Talvez fosse o caso dizer que, no caso da Argentina dos anos Videla-Massera – com o auxílio de refugiados nazi –, da Alemanha nazista e da barbárie stalisnista os tais sábios de Sião tenham aumentado um pouco o número. Porque somando esse horrores se chega na casa dos milhões de “sábios”. Mas não é o caso dizer, quando se respeita a verdade e a razão que viabiliza o seu acesso.

A Política e a inocência são e devem ser inimigas desde a gestação. Disso obviamente não se segue que a Política seja coisa de bandidos; só as pedras são inocentes, disse Hegel, dessa vez com razão: disso se segue que a defesa da inocência é a defesa de uma quimera, não apenas do reino que seria próprio às coisas do poder, mas do da razão. A origem da reclamação de inocência e pureza no mundo está na crônica mítica do pecado original, a primeira corrupção que teve sua CPI vendida pelo governo de Deus, no caso em tela.

Até hoje há gente séria da teologia que debate se Adão levou a serpente a sério por curiosidade intelectual ou por desejo. A primeira vertente de interpretação defenderia que o livre arbítrio dos homens deriva da sua racionalidade; a segunda vertente, que deriva do seu desejo. Mas a coisa mais importante é que a liberdade dos homens, na qual, aliás, veio a se fundar a Política, não deriva nem pode derivar da inocência. Já na sua origem, a liberdade tem a ver com as condicionalidades da contingência.

É claro que não é por isso que o Ministro x ou y cai ou não; por isso se torna evidente, apenas, que a gritaria por inocência não é nem pode ser inocente: ou tem alguma racionalidade, ou tem um desejo incontrolável. Em ambos os casos, é o poder, e não a inocência e a pureza de intenções, que organiza a sua inteligibilidade.

Essas observações também vigoram quanto ao PT e aos seus aliados, em tempo. Não são poucos os que se lembram dos anos 90, no Brasil. Mas eu lembro como se fosse ontem do quanto me indignava com o PT, com o PCdoB e com muitos outros da oposição ao governo Fernando Henrique e Paulo Renato, no MEC de então, naqueles anos tristes. Enquanto a Vale do Rio Doce era entregue à iniciativa privada com financiamento do BNDES, enquanto a CSN e as companhias de energia elétrica eram entregues, enquanto bancos públicos estatais eram praticamente doados, enquanto tudo isso acontecia com o discurso de que era para se qualificar o Estado e este, no período em que o dinheiro das supostas vendas de patrimônio público deveriam estar entrando nos seus cofres, definhava, com os banheiros nas universidades fedendo e os professores doutores ganhando salários ridículos, o que fazia a esquerda, em geral?

Denunciava a corrupção e berrava por CPIs, no Congresso. Eram poucos os que, à esquerda, investigavam e buscavam, amiúde, diagnosticar a destruição que estava em curso no país e que apontavam as dificuldades que viriam pela frente, não apenas para um eventual governo do PT, mas para o país mesmo - este que não se resume ao bolso e ao imaginário classe média cuja vida é do tamanho do sábado com uísque e os amigos, para reclamar do que a revistinha semanal declara.

No início dos anos 2000 e no começo da primeira gestão de Lula na presidência ficou claro que essa tática tinha sido inconsequente: a destruição do Estado, o definhamento da República e o sequestro de seu financiamento pela política parasitária do sistema financeiro causaram uma gigantesca confusão em muitos que, como eu, tinham apostado na interdição do horror que assolou o país nos anos 90. A confusão não acabou, mesmo que muito daquele horror tenha sido revertido, pelo menos quanto ao futuro ou às gerações posteriores às dos beneficiários do Bolsa Família, quanto ao futuro da pesquisa, da Universidade, da ciência, do financiamento público-estatal por meio dos bancos públicos do Estado, do PAC, do Minha Casa, Minha Vida, da redução das desigualdades, enfim, de tudo isso que se tornou o Brasil, dos últimos 6 anos para cá, ao menos.

E qual é a inconsequência, mesmo? É trazer a farsa dos Protocolos dos Sábios de Sião para a cena Política. A inconsequência, que emergiu na mais regressiva e violenta campanha eleitoral da jovem democracia brasileira, em 2010, é convidar o adão de antes da maçã para juiz das coisas do poder. Pouco importa que ditadura alguma leve a sério a pesquisa e a universidade, como se leva a sério no Brasil, hoje. Não interessa à imbecilidade que não entendeu o que aconteceu há quinze anos, saber o que realmente aconteceu no Ministério dos Esportes hoje ou no do Planejamento, em 1995. Pouco importa que haja emprego e que as crianças pobres do Recife não expilam lombrigas pela boca nos sinais de trânsito. Nada importa que a abundância tenha se tornado regra até para a classe média, mesmo que nos cartões de crédito. Não se preocupam com o valor, sobretudo nas próprias vidas, do automóvel, desde que se angustiem com os impostos a pagar. Desde que os Sábios de Sião sejam os culpados.

É desnecessário e inútil dizer o quanto esse convite à orgia semântica dos Protocolos dos Sábios de Sião é depravado e perigoso. É desnecessário porque na mídia das oito famílias abundam declarações com documentos e atas das reuniões dos Sábios que conspiram para prejudicar as pessoas de bem deste país. E é inútil porque parte do PT aceitou esse convidado indecente, o adão de antes da maçã, para juiz da Política. Então, não é útil, aqui, lembrar que não adianta denunciar a mídia das 8 famílias, nem lembrar que houve, sim (mesmo que seja verdade), um gigantesco e brutal saque do erário no processo de privatização. Não se combate a criação de monstros com uma briga de arquibancada. Na melhor das hipóteses, a briga contra o tal do PIG enche o saco de quem pensa e quer saber o que diabos está acontecendo, até mesmo quando não se tem mais muita esperança de que se vai, afinal, ter alguma ideia do que realmente ocorreu com aquela licitação ou com aquela fraude declarada numa manchete daquele panfleto com papel jornal.

A história dos Protocolos dos Sábios de Sião não parece nem próxima do fim, mas isso não implica que o seu uso seja ou deva ser triunfante. Porque a única vitória dessa irracionalidade é a destruição e o empobrecimento, a morte e a barbárie. No início dos anos 2000, o Rio Grande do Sul foi sequestrado pelos profetas que denunciavam uma grande conspiração petista para destruir a propriedade, os valores das famílias de bem e as mentes das criancinhas. O que aconteceu aqui não se compara à tragédia argentina nem ao horror alemão e nem mesmo ao stalinismo, obviamente.

Mas é um bom exemplo de um estado que, “livre dos Sábios de Sião”, empobreceu, destruiu suas escolas, sucateou os serviços públicos, empobreceu no campo e dilacerou-se nas cidades, com o aumento da violência e do tráfico. É um exemplo de emburrecimento midiático, de estupidez cultural, de indigência literária, de depauperamento geral.

Não dá para dizer quem é o Nikolau II da vez, no Brasil. Quem está exatamente frágil e quem se sente ameaçado, porque a confusão não é pouca e porque o governo não parece estar contribuindo muito para elucidar o estado do que é racional e do que não pode sê-lo. Mas dá para dizer, e se deve dizer, que essa imbecilidade dos balaios de crenças contraditórias e incompatíveis deve ser combatida.

Aqui, na Carta Maior, essa farsa não tem vez.

Katarina Peixoto é doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: katarinapeixoto@hotmail.com


DIREITOS HUMANOS

Na margem esquerda do rio da Prata, em Montevidéu, na madrugada desta quinta-feira o Senado aprovou uma lei que determina que os crimes praticados durante o longo período da ditadura que foi de 1973 a 1985 são imprescritíveis e não podem ser anistiados. Passam a ser reconhecidos como o que efetivamente são: crimes de lesa-humanidade, que, por acordos e convenções internacionais assinadas pelo Uruguai (aliás, pelo Brasil também), jamais prescreverão. Com isso, o Estado uruguaio recupera sua capacidade punitiva, ou seja, de levar a justiça às últimas conseqüências, um dos atributos essenciais da democracia.

A anistia decretada no apagar das luzes da ditadura, e referendada pelo voto popular em duas ocasiões, 1989 e 2009, permitiu durante todo esse tempo que a Justiça não fosse aplicada contra militares e policiais que violaram de maneira desenfreada os direitos humanos. É verdade que nos últimos anos, com a Frente Ampla no poder, vários militares e políticos foram julgados e condenados. Mas tudo dependeu do governo, que podia decidir se pedia ou não à Justiça julgar determinado caso. Agora, qualquer caso pode ser e será julgado. Os crimes da ditadura iam prescrever no dia primeiro de novembro de 2011. Não prescrevem mais.

Na margem direita do rio da Prata, em Buenos Aires, um tribunal condenou à prisão perpétua um dos símbolos mais abjetos do horror vivido pelos argentinos entre 1976 e 1983: o oficial da Marinha Alfredo Astiz. Junto com ele, foram condenados outros onze verdugos que atuaram no maior centro de tormento da ditadura, a antiga ESMA (Escola Superior de Mecânica de Armada).

Astiz. Alfredo Astiz. Alguns nomes se tornam emblemas da barbárie, do que pode haver de mais desprezível sobre a face da terra. Astiz é um deles. O julgamento durou quase dois anos, e levou para o tribunal, como testemunhas de acusação, 79 sobreviventes da ESMA – passaram por lá, vale recordar, pouco mais de cinco mil pessoas, e os sobreviventes não chegam a 200.

Nos autos do processo há um rosário de crueldades que ultrapassam qualquer limite da perversão. Os condenados foram de uma crueldade sem par. Ricardo Cavallo, grande torturador, somava a essa façanha a de ser um dos responsáveis pelos ‘vôos da morte’, quando prisioneiros eram arrancados dos cárceres, levados para aviões e atirados vivos para o mar ou para as águas desse mesmo rio da Prata. Adolfo Donda participou do assassinato da cunhada. Depois, roubou a filha dela, que foi dada ilegalmente em adoção. Donda continuou visitando a mãe de sua cunhada, avó da menina que ele seqüestrou e doou, como se não soubesse de nada. A menina recuperou sua identidade em 2003. Chama-se Vitoria Donda, e é deputada pela Frente Ampla Progressista.

Vi as fotos dos acusados. Em alguns, a soberba indisfarçável. Em outros, um ar um tanto alheio, como se não entendessem o que fizeram para estar ali. Todos imperturbáveis em seus rostos de aço. Todos afinados num mesmo discurso: foram soldados que lutaram na defesa da pátria. Astiz, aliás, se esmerou: “Dei, ao combate, o melhor de mim”.

O único combate real do qual participou foi na guerra das ilhas Malvinas, em 1982. Não disparou um só tiro: assim que topou com soldados britânicos ergueu os braços e se rendeu. Tinha acabado de fazer 31 anos. Sua foto entregando-se de graça ao inimigo, o rosto de menino, o olhar quase ingênuo, compungido, foi parar nos jornais. Nessa foto as Mães da Praça de Maio reconheceram o homem com ar angelical que havia participado de várias reuniões do grupo, que havia caminhado junto de senhoras com a cabeça coberta de branco, em silêncio, e que um dia sumiu, depois de ter entregue três delas para a ESMA. O rosto do anjo louro da morte.

Examino a foto do julgamento, a hora da leitura da sentença. Vejo o Astiz de hoje – um tanto balofo, envelhecido antes do tempo. Examino essa foto uma, duas, cinco, um sem-fim de vezes. Vejo os olhos. Não aparentam medo, não aparentam nada. Parecem esculpidos em gelo.

Deram a Astiz a Justiça que ele e seus comparsas negaram a milhares de pessoas. Que ele negou à jovem sueca Dagmar Hagelin, às Mães da Praça de Maio que sacrificou, a Rodolfo Walsh, às monjas francesas Léonie Duquet e Alice Domon.

Ao saber da condenação de Astiz, o governo francês disse que essa decisão honra a Argentina. Disse também que o país assumiu, com coragem, seu dever de memória. Que honrou os que lutam contra a impunidade e em defesa dos direitos humanos.

Na margem esquerda do rio da Prata, acaba a prescrição para crimes de lesa-humanidade. Na margem direita, agora são 262 condenados, entre eles dois generais-presidentes.

Aqui, o Senado aprovou a Comissão da Verdade. Se a verdade algum dia for o primeiro passo para a Justiça, para o fim da impunidade, o Brasil estará honrando sua memória. Honrando si próprio. A todos nós.





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“É preciso que as pessoas queiram exercer o direito à memória e à verdade”

Em entrevista à Carta Maior, Maria do Amparo Almeida Araújo, que combateu a ditadura pela Ação Libertadora Nacional (ALN), fundou o Coletivo Tortura Nunca Mais de Pernambuco e hoje é secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã na Prefeitura do Recife, fala sobre a Comissão da Verdade e os obstáculos para que a memória e a verdade sobre o período da ditadura venham à tona. "É preciso que as pessoas queiram exercer esse direito. Infelizmente, talvez pela distância, pelo tempo, as pessoas não estão muito sensibilizadas com isso", afirma.

Não há qualquer exagero em afirmar que a alagoana de Palmeira dos Índios, Maria do Amparo Almeida Araújo, 61 anos, tem uma vida dedicada à luta pela liberdade e a defesa dos Direitos Humanos. Após três anos morando em São Paulo, ela ingressou ativamente no combate à ditadura militar, através da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização da qual se tornou militante junto com o irmão mais velho, Luiz. Tinha apenas 17 anos.

Amparo é um exemplo de uma cidadã brasileira que teve a vida marcada pela face mais desumana da ditadura. O irmão Luís está na lista dos militantes desaparecidos. Durante os anos de chumbo, teve ainda três companheiros desaparecidos. Iúri Xavier Pereira, Luiz José da Cunha e Thomaz Antonio da Silva Meireles Neto. Iúri e Luiz José foram mortos por policiais do Doi-Codi, o braço forte da repressão. Thomaz foi preso em 1974, no Rio de Janeiro, e engrossou a lista de desaparecidos políticos.

Entre 1972 e 1977, a família pensou que Amparo também havia sido executada pelas forças reacionárias. Só ficaram sabendo que estava viva quando retornou a Alagoas, no final de 1977, após a dissolução da ALN.

No ano seguinte, ela ruma para o Recife, onde se forma em Serviço Social e permanece de forma ativa na defesa dos ideais libertários e, após a queda do regime militar, na busca pela verdade do que realmente ocorreu com os brasileiros que tiveram seus direitos humanos violados no período da ditadura. Milhares de torturados, centenas assassinados e de desaparecidos.

Juntamente com quatro ex-militantes, o jornalista e poeta Marcelo Mário Melo, o vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz, e os sociólogos Francisco de Assis e Alberto Vinícius, fundou o coletivo Tortura Nunca Mais, de Pernambuco. O movimento tem como pilares divulgar e esclarecer a prática da tortura durante a ditadura militar e auxiliar os presos políticos na busca pela anistia plena.

Atualmente, a ONG Movimento Tortura Nunca Mais, que já teve Amparo como presidente, toca uma série de projetos sociais na busca pelo resgate da cidadania e da paz em Pernambuco. São ações das mais variadas formas e alcances, como o combate à violência doméstica, a prevenção à violência nas escolas, a profissionalização de jovens e a capacitação de policiais na defesa dos Direitos Humanos.

A trajetória de Amparo Araújo ganhou mais um capítulo em 2003, quando ela se tornou ouvidora da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, função exercida até dezembro de 2008. Foi quando ela deixou o Governo de Pernambuco para assumir a função que exerce no momento, a de secretária de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife.

Foi no escritório apertado e cheio de pilhas de papéis, na Secretaria de Direitos Humanos, que Amparo conversou com Carta Maior. Ela vinha de uma semana puxada, com reuniões de trabalho da Secretaria, uma viagem a Brasília e compromissos em eventos institucionais da Prefeitura do Recife. A eterna militante começou a entrevista pedindo desculpas pela fala pausada e o tom de voz cansado, por conta do corre-corre dos dias anteriores. Ao final do encontro, parecia uma outra pessoa. Falava com energia ao relembrar as tristes histórias do passado e ainda com mais altivez sobre os temas futuros, como a batalha que se inicia com a Comissão da Verdade.

Carta MaiorQual a sua expectativa sobre a criação da Comissão da Verdade e o que ela pode representar de real nessa luta que a senhora desenvolve há tantos anos para buscar o paradeiro dos milhares de desaparecidos políticos da época da ditadura militar brasileira?

Amparo Araújo – Há 30 anos a gente luta por essa comissão, pela abertura dos arquivos, pelo reestabelecimento da verdade. E a gente tem alguns acervos. O acervo da Comissão da Anistia, que tem um pouco dessa história. Tem o acervo da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Mas nenhum desses acervos indica como as pessoas foram mortas. Quem matou, onde, quando, onde estão os restos mortais. Agora surge a nova possibilidade dessa comissão, que é uma revindicação antiga. Podemos dizer que é uma terceira tentativa. Nenhuma delas se propõe a fazer Justiça.

De qualquer jeito, é um passo – um terceiro passo – o que já mostra que nós não paramos, que os familiares e a Sociedade continuam pressionando o Estado brasileiro para que ele deixe de ser um estado terrorista. Tiveram os oito anos do Governo Lula, onde a gente tinha grandes expectativas que não foram cumpridas. Se avançou um bocado na estruturação da Secretaria de Direitos Humanos, com todas as publicações que, por um esforço sobrehumano do ex-ministro Paulo Vannuchi foram feitas, mas isso ainda é muito pouco. Eu tenho receio que essa comissão, do jeito que está aí, também seja muito pouco. E a gente vai ter que continuar lutando. A gente não pode pensar que um dia essa história vai ter fim, porque é muito difícil o fim dessa história.

Carta MaiorA criação da Comissão tem gerado sentimentos distintos. Enquanto alguns comemoram a iniciativa, outros preferem enxergar os pontos negativos para justificar uma insatisfação. Em que campo a senhora está?

Amparo Araújo – Não posso dizer que esteja totalmente insatisfeita, mas não estou satisfeita. Não era isso que a gente queria. A comissão, do jeito que está colocada, tem vários pontos polêmicos. Mas o importante é que o tema voltou a ser pautado, tanto na mídia quanto na Política. E se nós, a Sociedade civil, os familiares e os sobreviventes, conseguirmos nos organizar... A gente não vai poder parar, entendeu? Não sei até que ponto a gente sonhou com uma coisa pronta e acabada. Ela não veio pronta e acabada e isso gerou uma certa frustração. Eu tenho visitado outros países do Mercosul, todos eles por onde tiveram ditaduras, e nesses outros países já tiveram várias comissões. Na Argentina, a Lei do Ponto Final foi derrubada, porque houve uma pressão da Sociedade civil. Forçou o governo a tomar essa decisão política.

Carta MaiorQuais os pontos que a desagradam na Lei, como está posta?

Amparo Araújo – Essa questão do tempo, por um lado eu acho um tempo muito longo. Que pega desde a ditadura de Vargas. Mas tem muita coisa desse período que não foi esclarecida. Quando a gente abriu os arquivos do Dops, em 1989, que foi o primeiro arquivo a ser aberto, a quantidade de dossiês da época da ditadura de Vargas é muito grande. O que aconteceu com essas pessoas? A gente não sabe. A quantidade de pessoas que farão parte da comissão é muito pequena, o período também é muito pequeno. Acho que vai ser uma medição de forças o tempo todo.

Dois anos é impossível investigar todo esse período. Dois anos é um tempo curto até para o período da última ditadura, que dirá o da ditadura anterior. A gente vai ter que fazer um esforço sobrehumano. Nós, os sobreviventes, os familiares, a gente tentar envolver as universidades, os sindicatos, o movimento que trabalha a questão da terra, ir atrás dessa memória. Não é um trabalho fácil. Mas nada nunca foi fácil nesse nosso país, para ninguém.

Carta MaiorPara muitos, havia a expectativa de que a Comissão da Verdade pudesse ter poderes de punir possíveis torturadores, algo que só diz respeito ao Judiciário. A senhora acredita que, de certa forma, o trabalho da comissão pode ao menos gerar uma nova leva de processos contra os que praticaram crimes na época da ditadura?

Amparo Araújo - É muito duro, porque nossas mães já morreram. Nós estamos envelhecendo. A gente tem que encerrar essa história. Clarear essa história. A punição das pessoas é importante para resolver uma questão de Justiça. A impunidade de que essas pessoas tiveram a benesse, depois de terem cometidos crimes contra a humanidade, faz com que esses crimes se perpetuem. Os profissionais de Polícia se consideram impunes. Essa nossa ação, nossa luta, nossa busca, o maior objetivo dela, além da punição das pessoas que violaram os diretos humanos dos nossos familiares e os nossos, é a ação pedagógica. Para que o Estado nunca mais volte a permitir que crimes dessa natureza aconteçam.

Carta MaiorComo a senhora avalia a proposta de alguns parlamentares da Oposição e de lideranças das Forças Armadas que defendem que os militantes dos grupos armados de Esquerda que atuaram no período da repressão também sejam analisados pela Comissão da Verdade?

Amparo Araújo – Eles pensam que as pessoas têm deficiência cognitiva. Há uma diferença muito grande. Porque nós todos fomos presos e cumprimos penas. Inclusive a presidenta Dilma. Quem nunca cumpriu pena, quem nunca foi preso, foram justamente eles, que foram os perpetradores das violações contra os direitos humanos de toda uma sociedade. Porque todo mundo sofreu na época da ditadura. É difícil você encontrar uma família que não teve um membro, ou um amigo, um conhecido ou um parente que foi preso, torturado e perseguido. Eles estão equivocados. Nós fomos perseguidos, presos, torturados, muitos foram mortos e ainda tiveram seus cadáveres ocultados. Nunca houve uma punição para esses crimes.

Carta MaiorEles se apegam à Lei da Anistia para argumentar que o Brasil já zerou essas questões...

Amparo Araújo – Eles dizem que foi um acordo, mas acordo com quem? As pessoas estavam presas, exiladas. Isso não é verdade. Os setores conservadores da Sociedade brasileira que estão representados no Congresso dão a interpretação que eles querem dar. O Governo não tem uma hegemonia. A presidenta Dilma se submete ao que o Congresso decide. Não é isso que o estado democrático de direito dentro do regime presidencialista que a gente vive? Se a gente permitir que esses crimes continuem impunes, a gente está permitindo que se perpetue a violação dos Direitos Humanos por parte dos agentes do Estado. Não foram só os militares que cometeram crimes contra a humanidade durante o período da ditadura. Muitos civis foram coniventes. Dirigentes de órgãos públicos que emprestavam sua estrutura para ser utilizadas para fazer atentados.

Aqui, em Pernambuco, temos vários casos, como o da Rural Willys branca e verde que aparece no atentado a Sandro Tito, na morte de Padre Henrique, na ocultação do cadáver de Ezequias. Ele era do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. E os dirigentes desses órgãos não eram militares, eram civis. O pessoal costuma chamar de ditadura militar, mas foi uma ditadura civil e militar. O Brasil está se recusando a cumprir a sentença da corte. Nosso país assinou os tratados, está submetido à Corte da ONU em sua plenitude. O descaso com que eles trataram a família dos desaparecidos do Araguaia... Isso é um crime continuado, está valendo até hoje.

Carta MaiorMas, recentemente, o Supremo Tribunal Federal referendou o que havia sido decidido na Lei da Anistia, ao se colocar contra um processo de revisão.

Amparo Araújo – Essa posição do STF é retrato do que é o Poder Judiciário em nosso País. Não sou da área de Direito. Nós temos três poderes. Nada impede, nem mesmo hoje, que nós entremos na Justiça contra qualquer torturador. Tanto é que tem duas famílias que movem processos contra Carlos Alberto Brilhante Lustra, a família Teles e a família Medeiros. Independentemente de comissão. É uma luta muito difícil dessas famílias, pois eles estão praticamente sozinhos. Mas eles tiveram a coragem de entrar na Justiça contra essa criatura aí. Há provas concretas contra ele, com testemunhas e tudo. Se a comissão trabalhar bem a coleta de documentação, a oitiva de testemunhas – a comissão vai ter poder de convocar os perpetradores que ainda estão vivos a depor, para serem interrogados – essa peça que vai ser construída vai ser um instrumento paras que as famílias entrem na Justica, que é um outro poder. Correndo o risco do processo ser arquivado. Só vai para a corte depois que todas as instâncias no Brasil forem esgotadas.

Além do processo do Araguaia, tem um processo que eu abri na corte interamericana dos diretos Humanos, pela morte de Luís José da Cunha, meu ex-marido, que foi morto em 1973. Ele foi preso vivo e é morto na Operação Bandeirantes. Pude entrar na corte interamericana porque todos os processos que movi em nível de Brasil foram arquivados. Entrei através do Ministério Públuco Federal, em São Paulo. Entrei com o meu processo e Clarissa Herzog entrou com o processo de Wladimir Herzog, jornalista que foi morto sob tortura. No caso dela, também se esgotaram todas as possibilidades na nossa corte. Outras famílias também podem fazer a mesma coisa.

Carta MaiorA senhora nunca deixou de ser uma ativa militante pelo respeito aos Diretos Humanos. Inclusive com uma atuação bem próxima das forças policiais. É possível afirmar categoricamente que a tortura é algo que perdura no País?

Amparo Araújo – Durante o período da ditadura militar, ela foi uma política de Estado. Nós tínhamos um estado terrorista. E a tortura ainda continua. Tenho certeza que, neste momento, em praticamente todas as delegacias, tem alguém sendo torturado. É uma herança, por conta da impunidade. E a forma como a nossa Polícia atua ainda está muito carregada dessa certeza da impunidade. Se você olhar, tem o caso do menino Jean, no Rio de Janeiro. Eles agiram igual. Eles atiraram no garoto, sequestraram o garoto, talvez ainda com vida, mataram o garoto e ocultaram o cadáver dele.

No Recife houve outro caso assim há poucos dias. Acho que eles só não fizeram a mesma coisa porque tinha gente vendo. Mas eles largaram o menino, nem sequer socorreram. Eu fui ouvidora da Polícia. Fiquei arrasada com aquilo, porque aqui, desde 1993, existe a cadeira de Direitos Humanos na grade curricular da formação dos policiais. A instrução que eles recebem era para que não houvesse mais esse tipo de atitude. É inadmissível que isso ainda aconteça. Acho que ainda tem na cabeça deles a certeza da impunidade. A Polícia continua extremamente violenta. O que eles chamam de auto de resistência são execuções sumárias. A maioria dos autos de resistência é tiro na cabeça. Isso é execução. Mas não sei se a sociedade está preocupada com isso. Quem morre mais é pobre.

Em 2006, em São Paulo, naquela ação em alguns policiais foram mortos pelo crime organizado, a recíproca foi muito mais forte. Não me iludo em relação a isso. A questão do respeito aos Direitos Humanos, ela tem que ser uma luta com o Estado. Nós tínhamos uma coordenadoria na época do doutor [Miguel] Arraes [ex-governador de Pernambuco]. Depois passou a ter uma Secretaria Especial de Justiça e Direitos Humanos, agora ela também tem a questão da Ressocialização. Mas quantos municípios têm secretaria de Direitos Humanos? Só Recife e Jaboatão dos Guararapes. E são 186 cidades em Pernambuco. O simples fato de existir já significa uma sensibilidade política.

Carta MaiorCom todos esses questionamentos sobre a eficiência ou a ineficiência do que da Comissão da Verdade, o que a senhora espera da Sociedade. Não falo dos movimentos organizados, mas do cidadão comum. Que tipo de postura a senhora imagina que o brasileiro vai ter no momento em que forem à tona as histórias dos anos de chumbo?

Amparo Araújo – É preciso que as pessoas queiram exercer esse direito. Infelizmente, talvez pela distância, pelo tempo, as pessoas não estão muito sensibilizadas com isso. Eu vou em outros estados e vejo como reverenciam Frei Caneca, por exemplo. Aqui, em Pernambuco, as pessoas não sabem qual o papel de Frei Caneca na revolução [de 1817]. É muito maior que o de Tiradentes. Qual o valor que Pernambuco dá a ele? Veja Zumbi. Nós temos um memorial, as pessoas que trabalham com a questão da igualdade racial sempre lembram disso, mas é só. Zumbi é considerado um herói das Américas! O centenário de Paulo Freire é muito pouco falado. Apolônio de Carvalho, um brasileiro, militante internacionalista, participou da Guerra Civil Espanhola, da Resistência Francesa, estamos no centenário de Apolônio de Carvalho e ninguém o conhece. E sabe de quem é a ficha número 1 do Partido dos Trabalhadores? É de Apolônio de Carvalho. Mas ninguém fala nisso. Eu gostaria muito que a Sociedade, como um todo, entendesse que o direito à memória e à verdade é de todos. É algo de que a gente não pode abrir mão.


Fotos: Eduardo Seidl



Fonte: http://www.cartamaior.com.br/








23 outubro 2011

POLÍTICA NACIONAL

Última chance do governo Dilma




Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Não foi por falta de aviso que o governo Dilma Rousseff mergulhou na crise política em que se encontra, com a inédita perda de cinco ministros em menos de um ano. Este blog, assim como o ex-presidente Lula, previram, já no início de 2011, que a demissão do ex-ministro Antonio Palocci por pressão da mídia e de setores do PT faria com que milhões de brasileiros que apoiavam o governo anterior deixassem de apoiar a este.

A diferença de apoio popular do governo anterior para o atual, segundo revelam as pesquisas, mostra que parte dos setores da sociedade dispostos a sustentar este governo contra o partidarismo político da mídia – assim como sustentaram o governo anterior –, pulou fora. Apesar de este governo ainda ter bom nível de apoio, esse nível é pelo menos 1/3 menor do que o do governo Lula, o que significa dezenas de milhões de brasileiros.

Não é difícil entender a razão. Se você tem um crítico feroz e as acusações que ele lhe faz o obrigam a tomar medidas que ele prega que tome e que confirmam que suas escolhas foram erradas, você admite a própria incompetência. Daí que grande parte da sociedade deixou de apoiar este governo enquanto afirma que o governo anterior era melhor.

Pesquisa Ibope divulgada no mês passado mostra que o nível de aprovação pessoal de Dilma, neste momento, é de 71%, mas seu governo tem apenas 51% de avaliações como bom e ótimo enquanto que o governo Lula era aprovado por cerca de 80%. Mesmo sendo um governo de continuidade, milhões de cidadãos vêem o governo Dilma como inferior ao de Lula

Muitas pessoas de boa fé compraram a tese da mídia de que Dilma é uma coisa e seu governo é outra, o que é uma impossibilidade física. Quem acha o governo Dilma ruim pode até achar sua titular uma boa pessoa, mas o cargo de presidente da República não é preenchido por simpatia e bondade e, sim, pela expectativa popular de que seja exercido com competência, seriedade e honestidade.

Lula previra, no início do ano, que da queda de Palocci decorreria uma onda de demissões de ministros que, dito e feito, acabou se confirmando. E tudo à toa. Meses a fio após sua queda, só agora um obscuro procurador tenta investigá-lo, certamente para não dar tanto na vista que sua derrubada ocorreu por razões políticas e não por conta de algum crime comprovado. E todos os outros ministros derrubados “por corrupção” foram deixados em paz após desistirem.

A mídia aproveita a fragilidade do apoio popular ao governo Dilma – com 51% de aprovação, está a um passo de ser reprovado pela maioria – para fomentar um movimento “contra a corrupção” que a última capa da Veja mostra que é orquestrado. A revista estampou na capa a imagem da máscara que esse movimento usa como símbolo, a do revolucionário inglês Guy Fawkes, junto a chamada para matéria acusando o ministro “bola da vez”, Orlando Silva.

No próximo dia 15 de novembro, mais uma vez em um feriado, esse movimento oposicionista-midiático sai às ruas com a pretensão de reunir “um milhão de pessoas”. E certamente irá bradar contra o ministério do Esporte.

Apesar de “marchas contra a corrupção” anteriores terem sido um fracasso de público (diante da campanha martelada por todos os grandes meios de comunicação de massa), percebe-se que os fatos políticos gerados pela campanha de desmoralização do governo Dilma, através da temporada de caça aos ministros que a presidente da República nomeou, dão fôlego a esse movimento.

Como antes, mais uma vez vai retornando um discurso suicida entre a base de apoio do governo Dilma na sociedade, de que, apesar de não haver provas, o ministro “bola da vez” não teria mais “condições políticas” de permanecer no cargo. E lá se vai o quinto ministro derrubado “por corrupção”, ainda que, à diferença do ex-chefe da Casa Civil, Orlando Silva não tenha apartamento de milhões de reais para servir como “prova” de que é “corrupto”.

Como em qualquer ministério há milhares de convênios com entidades privadas, tais como ONGs etc., a mídia achou um manancial inesgotável de matéria-prima para novas denúncias. Qualquer irregularidade em qualquer ministério derrubará o titular da pasta e é fisicamente impossível que algum ministério ou secretaria de governo estadual ou municipal não tenha casos questionáveis a serem explorados.

A mídia oposicionista, pois, adquire uma arma para pressionar o governo Dilma que o colocará de joelhos pelos próximos três anos. Qualquer política pública que este governo tentar fazer vingar e da qual a mídia não goste, bastará ela ameaçar com novo escândalo para obrigar o governo a ceder.

A grande pergunta que se faz, portanto, é a seguinte: quanto tempo levará até que a mídia e a oposição decidam culpar a própria Dilma pela “corrupção” que dizem haver em seu governo? E como o cidadão poderá deixar de concluir que ela é a responsável pelo que se passa em seu próprio governo se a própria presidente elogia, afaga e obedece a esses detratores de sua administração?

A manutenção de Orlando Silva no cargo, portanto, é a última chance do governo Dilma de se manter autônomo. Se a Veja, a Folha, o Estadão e a Globo vencerem mais essa queda de braço, e se o PC do B cumprir a promessa de deixar a base de apoio do governo em caso de demissão de seu ministro, rejeitando indicar outro representante para o Esporte, a presidente não governa mais. Terá que pedir a benção da mídia e da oposição para cada medida.

Estamos no décimo mês do governo Dilma e, até agora, o que simboliza a sua administração é a incessante queda dos ministros que, não nos esqueçamos, foi a presidente que nomeou. Sem provas, sob esse mesmo “pragmatismo” que, inocentemente, até pessoas de boa fé acham que deixará o governo “livre para governar”, quando, na verdade, não passa de capitulação.

Agora lhe pergunto, leitor: você votou em Dilma Rousseff ou na mídia? Sim, porque quem está governando é a mídia, com esse poder de criar crises e paralisar o governo. Enquanto isso, as “marchas contra a corrupção”, infestadas por partidos de oposição e infladas pela mídia, caminham para se tornar o que fatalmente se tornarão: campanha pela queda do governo, provavelmente via impeachement.




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A máfia no poder


Quem lida com Blatter e Teixeira deve estar acima de qualquer suspeita. Mas há mafiosos também em outros cantos. Por Mino Carta. Foot: Jewel Samad/AFP


Quando adolescente, já perguntava aos meus imberbes botões por que o Brasil, país de imigração campana, calabresa e siciliana, entre outras, não conhecia o fenômeno mafioso. Desde logo, formulei uma tese sem qualquer pretensão científica, mas convincente na opinião dos botões. Não temos uma Cosa Nostra no Brasil porque eméritos mafiosos estiveram e estão no poder, líderes em atividades diversas -teoricamente legais, em condições de agir às claras e a salvo dos riscos corridos, e sofridos, por Al Capone ou Totò Riina.

Capone e Riina, e muitos outros do mesmo porte, acabaram na cadeia, aqui os equivalentes viveram e vivem à larga, ou estão soltos, quando não são nome de ruas e praças. Não faltam exemplos -recentes nas -áreas mais diversas, a começar pela política, a qual, a rigor, está em todas porque por trás de tudo. Algo espantoso se deu por ocasião do Panamericano do Rio. Previu-se um orçamento de 400 milhões, gastaram-se dez vezes mais para realizar obras hoje inúteis e entregues ao descaso. Serviços de todo gênero foram encomendados aos familiares e amigos dos organizadores da tertúlia monumental, a despeito dos nítidos conflitos de interesse. Que aconteceu com os responsáveis por tanto descalabro?

É do conhecimento do mundo mineral que quem mandou no Panamericano mandará nas Olimpíadas de 2016. Também é, quanto ao futebol, que a Fifa é um antro mafioso desde os tempos de João Havelange e que Joseph Blatter e Ricardo Teixeira são seus profetas. Desde a posse de Dilma- Rousseff na Presidência da República-, -CartaCapital permite-se chamar a atenção do governo para as péssimas consequências de um Mundial de Futebol desastrado, exposto ao risco do desmando, e várias vezes voltamos à carga no mesmo sentido.

Não nos precipitamos a endossar agora as suspeitas levantadas em relação ao ministro do Esporte, Orlando Silva, mesmo porque apressadamente veiculadas por Veja. CartaCapital jamais deixou de defender o princípio in dubio pro reo e enxerga na reportagem da semanal da Editora Abril insinuações e conjecturas em lugar de provas. Para variar. Certo é, contudo, que um ministro do Esporte chamado a lidar com Ricardo Teixeira e Joseph Blatter deve necessariamente situar-se acima de qualquer suspeita.

A presidenta, tão determinada no combate à corrupção, obviamente -sabe disso e saberá precaver-se, a bem do -País e do seu governo. CartaCapital insiste, de todo modo, em suas preocupações diante da clara presença no gramado e fora dele da máfia do futebol mundial.

Cabe encarar a questão também de outro ângulo, a partir da análise do singular destino da esquerda nativa. Refiro-me neste exato instante ao PCdoB, nascido da costela do Partidão em nome de uma fidelidade ideológica e moral que os discípulos de Luiz Carlos Prestes teriam traído. Outro aspecto da história brasileira que amiúde me levou a convocar os botões diz respeito à efetiva e duradoura existência de uma esquerda brasileira.

Desabrido, Lula já me disse, em entrevista publicada em CartaCapital há seis anos, “você sabe que eu nunca fui de esquerda”. Resta ver o que significa hoje ser de esquerda. Para mim claro está, ao menos, que é de esquerda quem se empenha, clara e honestamente pela igualdade, e sem medir esforços, para a redenção dos herdeiros da senzala. Parece-me que alguns passos neste rumo o ex-presidente deu.

Confirma-os, e com objetivos maiores, Dilma Rousseff ao definir o projeto de acabar com a miséria. Inevitável, entretanto, observar que um sem-número de políticos está a cuidar é da sua própria riqueza, e entre eles, pasmem, não faltam os ex-comunistas do B. Orlando Silva desde os começos de sua atuação ministerial é alvo de inúmeras denúncias de corrupção encaminhada pelas sendas do dinheiro das ONGs, a envolverem não somente o próprio, mas também seu partido. Era de se esperar? Desfecho inescapável de um enredo movido a ganância acima e além de crenças e princípios? O PCdoB já teve, entre outras razões de orgulho, a lisura e a coerência dos seus filiados. No poder, é mais um que se porta como os demais. •




Fonte: http://www.cartacapital.com.br/





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Quem tem medo da democratização da mídia?


Por Emir Sader, em seu Blog




Nos meses transcorridos desde as acusações a Palocci até esta ofensiva contra Orlando Silva ficou clara a força da velha mídia para pautar a política nacional. A agenda política ficou periodizada pelos ministros que eram a bola da vez das acusações, numa sequência prolongada de “escândalos, que deu a impressão que essa era a cara mais marcante do governo.

A política econômica e sua articulação com as políticas sociais – o tema mais importante do governo, porque isso vai definir a capacidade do Brasil para resistir às consequências da crise no centro do capitalismo – não conseguiu o espaço essencial que deveria ter na agenda nacional. Ficou na sombra da pauta de denúncias produzida pela velha mídia.

Durante os últimos anos do governo Lula – e, em particular durante a campanha eleitoral – foi possível neutralizar relativamente o peso dos monopólios da mídia privada, com Lula – do alto da sua imensa popularidade e com sua linguagem de enorme apelo popular -, ainda mais que contávamos com os horários televisivos e os comícios da campanha.

Passadas essas circunstâncias, a velha mídia monopolista voltou a ocupar seu papel central na definição das agendas nacionais, pautando o governo com seu denuncismo, que visa enfraquecê-lo. Agem como um grande exército regular e nós, da mídia alterantiva, como guerrilhas. Temos credibilidade, rapidez, acesso aos jovens – que eles não dispõem – mas contamos com meios muito menores de difusão.

Temerosos do marco regulatório, difundem que haverá limitação à liberdade de expressão. Ao contrário, o objetivo não será calar ninguém, mas dar voz a milhões de outras vozes, que hoje, apesar de majoritárias no país, não se reconhecem e são excluídas da mídia tradicional.

Não haverá democracia real no Brasil enquanto não forem democratizados os meios de comunicação, enquanto algumas poucas famílias deixarem de querer falar e nome do país e da grande maioria da população, que vota contra e derrota sistematicamente os candidatos que essa mídia apoia.

É urgente iniciar o debate sobre o marco regulatório, mesmo que um Congresso infestado de donos de meios de comunicação privados resista ao máximo a qualquer forma de democratização da mídia. Defendem seus privilégios monopolistas, mas tem que ser derrotados, para que a formação de opinião pública no Brasil possa ser democrática e pluralista.