20 julho 2012

NOSSO MUNDO

Na Noruega, a direita e os imigrantes




Rémi Nilsen, no Le Monde Diplomatique









Na sexta-feira, 22 de julho de 2011, quando uma bomba devastou o bairro administrativo de Oslo, onde se situam a maior parte dos ministérios e a sede do governo, os analistas imediatamente pensaram que o terrorismo islamita internacional tinha atacado; na rua, imigrantes foram maltratados. Mas, quando se soube do massacre na ilha de Utøya, situada a uns 50 quilômetros dali, as opiniões começaram a ficar confusas: por que o terrorismo islamita internacional teria decidido exterminar dezenas de adolescentes do acampamento de verão da Liga dos Jovens Trabalhistas (AUF)? O assassino que a polícia prendeu no mesmo dia era um grande loiro de olhos azuis vindo dos belos bairros de Oslo: Anders Behring Breivik, antigo filiado ao Partido do Progresso (Fremskrittspartiet), agremiação populista de tendência de extrema direita. A Noruega ficou chocada.

Um ser humano capaz de matar crianças a sangue frio é por definição um psicopata. Aparentemente, Breivik tinha trabalhado sozinho – poderíamos ver nessa matança apenas uma grande notícia sensacionalista se ele não tivesse reivindicado um ato político, destinado a fazer entender que os “marxistas culturais” – quer dizer, toda a esquerda – estavam entregando a Europa aos muçulmanos. Seu “manifesto” de 1.500 páginas publicado na internet oferece ao corajoso leitor uma antologia de temas que estão longe de ser inéditos nos debates políticos noruegueses.

Conservadorismo cultural, defesa de valores cristãos, medo do desaparecimento da cultura e da identidade europeias por culpa de uma política migratória muito frouxa, islamofobia embalada em um discurso que ousa evocar os direitos humanos: muitas posições parecidas com as do Partido do Progresso.

“Uma nova cruzada”
Carl Ivar Hagen, antigo responsável por esse partido, declarou em 2004 que “os muçulmanos há muito tempo já indicaram claramente, assim como Hitler o fez, que seu objetivo a longo prazo era dominar o mundo”.

Durante a campanha para as eleições legislativas de 2009 – vencidas pela coalizão “vermelho-verde”, mas que viram o Partido do Progresso se tornar a segunda maior força política do país, com 22,9% dos votos −, sua atual presidente, Siv Jensen, lançou a teoria de uma “islamização insidiosa” do país. Em agosto de 2010, uma figura crescente do mesmo partido, Christian Tybring-Gjedde, acusou o Partido Trabalhista de “apunhalar a cultura norueguesa pelas costas”, enquanto o responsável pelas questões de imigração postava a seguinte mensagem no Twitter: “Temo que uma nova cruzada seja necessária”.

Três sites servem para o essencial das discussões desse movimento – um deles, o Right.no, recebe subsídios do Ministério das Relações Internacionais. Apresentam-se como “críticos” do Islã e se mostram abertamente pró-Israel, denunciando fortemente o antissemitismo. Um de seus principais colaboradores, que foi durante um tempo, segundo Breivik, seu inspirador, é o blogueiro Fjordman; por muito tempo anônimo, ele preferiu revelar sua identidade para não ser associado ao assassino.

Peder Jensen, seu verdadeiro nome, é um antigo estudante de árabe atualmente empregado como enfermeiro em um estabelecimento para deficientes mentais. Apoia Israel desde 2002, quando foi observador em Hebron de uma organização de direitos humanos que defendia os palestinos. Ele se baseia em teorias da conspiração difundidas por Bat Ye’or – nome artístico de Gisèle Littman Orebi, britânica de origem egípcia – em seu livro Eurabia: os dirigentes europeus teriam escolhido se aliar aos muçulmanos para trair a população branca em troca de garantias na aquisição de petróleo – uma velha fantasia que existe desde a crise petroleira de 1973.

Classe média
A imigração “maciça” de populações cujas taxas de natalidade são supostamente muito elevadas seria o sinal desse acordo secreto. A Europa estaria, assim, em guerra, num sentido mais ou menos literal. É com essa ideologia que Fjordman e seus acólitos incitam à “resistência ativa”, fazendo abertamente referência à ocupação da Noruega pelos nazistas. “Não são, claramente, neonazistas clássicas essas pessoas que espancam muçulmanos nas ruas”, nota Thomas Hylland Eriksen, professor de Antropologia Social especialista em multiculturalismo. “Não se trata de desempregados do sexo masculino deixados na mão devido ao fechamento das fábricas. São pessoas de classe média inferior, que leram muito, mesmo que suas leituras tenham sido muito seletivas.”

Há realmente um “problema de imigração” na Noruega? A política de abertura à mão de obra estrangeira foi encerrada em 1975. Eram os paquistaneses que acabavam de chegar, então, ao mercado de trabalho. Essa comunidade, primeira e segunda gerações, representa hoje o grupo mais importante vindo de um país fora da Europa, e a maioria das 90 mil pessoas de confissão muçulmana – lembremos que a Noruega é um Estado confessional, onde 86% dos 5 milhões de habitantes se definem como protestantes luteranos. Os que chegaram depois de 1975 são essencialmente cidadãos da União Europeia – Suécia, Polônia, França, Alemanha – empregados pela indústria ou refugiados e exilados submetidos a critérios de aceitação muito estritos.
Ainda que o desemprego seja mais elevado na população oriunda da imigração (7,7%, enquanto a média nacional é de 3,3%; na segunda geração, o desemprego é apenas 1% mais elevado do que para o conjunto dos jovens), esta é relativamente bem integrada. Segundo uma sondagem de 2010, 70% dos noruegueses “apreciavam a cultura dos imigrantes e sua participação na vida ativa, e pensavam que os trabalhadores imigrantes vindos de um país de fora da Escandinávia contribuíam positivamente para a economia norueguesa”.
A Noruega parece então ter conseguido criar uma sociedade multicultural onde a integração não é um problema maior. Então, como explicar que a islamofobia tenha se tornado um elemento cada vez mais frequente no debate político?

O país – riquíssimo, principalmente graças ao petróleo e aos recursos marítimos – foi muito pouco atingido pela crise financeira e a crise da dívida. O Estado de bem-estar social continua reinando: não houve cortes drásticos nos gastos públicos (apesar de uma reorganização que conduziu ao fechamento de alguns estabelecimentos), e o país mantém sem dúvida a política social mais generosa do mundo. Há anos, a Noruega está em primeiro lugar na classificação estabelecida pelas Nações Unidas dos países onde as condições de vida são as melhores.

Neoliberalismo
No entanto, ela não foi poupada pelo neoliberalismo, conduzido pelo Partido Trabalhista: as desigualdades sociais e as diferenças salariais aumentaram muito ao longo dos últimos vinte anos. “Depois de 1990, a diferença salarial entre o 1% que ganha mais e a remuneração média aumentou muito mais rápido na Noruega do que no Reino Unido ou nos Estados Unidos”, segundo um relatório da empresa de marketing à esquerda Manifest. A parte de ativos financeiros brutos (depósitos bancários, ações etc.) detida pela classe média foi dividida por dois entre 1984 e 2008. Os salários dos mais ricos aumentaram muito, enquanto os dos assalariados caíram.

É nesse contexto que a imigração se tornou uma questão política central. Os neoliberais, sob a influência da empresa de marketing Civita, financiada por organizações patronais, se esforçaram para provar que o modelo nórdico de Estado de bem-estar social não era mais viável, a despeito de uma realidade cotidiana que mostrava que o sistema fiscal e o crescimento da produtividade sustentavam amplamente o modelo atual.

A prosperidade crescente do país, cujo PIB progrediu de forma ininterrupta desde 1998 – com exceção de um recuo em 2009 – e se classifica, por habitante, como o terceiro da Europa, permitiu ocultar o agravamento das desigualdades sociais. Isso deixa à direita populista o campo livre para recuperar as frustrações de um eleitorado que se sente maltratado – essencialmente a classe média, que, desde o começo dos anos 1990, está perdendo em relação aos mais ricos.

Segundo Eriksen, a direita radical islamofóbica norueguesa se compõe “de pessoas que têm a impressão de ter sido desclassificadas. Elas consideram que seu nível de vida estagnou; sentem-se marginalizadas e excluídas pela sociedade. Veem-se como uma força essencial da nação, mas não conseguem mais se identificar com esta, porque outra concepção da comunidade nacional se impôs: mais cosmopolita e igualitária, baseada antes na cidadania do que na aparência etnonacional”.

Além das fronteiras
A direita populista pretende precisamente se apropriar da “vontade popular”; para citar Ali Esbati, “dos que pertencem a uma elite em certos meios e não podem suportar ver que os que eles desprezam ocupam o terreno para se tornarem mais visíveis na sociedade. Eles odeiam o movimento operário, as organizações para a libertação das mulheres ou ainda as personalidades de meios culturais ou acadêmicos que se expressam em favor de outra ordem social”. Helge Luras, “especialista em terrorismo” do muito reputado Instituto Norueguês de Relações Internacionais (Nupi), confirmou isso numa rede de televisão russa (Russian Today, 22 de julho), afirmando que “os multiculturalistas carregam a responsabilidade do atentado, pois eles abafaram a vontade popular com sua política de imigração”.

No entanto, mesmo que uma violência excepcional como essa tenha acontecido na Noruega, a onda direitista não se limita à Escandinávia. Se acreditarmos em Esbati, é inclusive fora do contexto escandinavo que é preciso procurar a origem disso. “Em todo o mundo ocidental, ao longo dessas últimas décadas, as forças muito organizadas do capitalismo trabalharam contra a estagnação econômica através de uma exploração ainda mais dura e da recuperação de antigos bastiões do movimento operário, atacando de passagem os regimes de previdência, os serviços de saúde pública e o direito trabalhista. Essa situação degradada cria um ambiente social dividido segundo linhas étnicas e religiosas. Esses temas são recorrentes e transnacionais.”





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Povo espanhol pede sacrifício de políticos e banqueiros

Protestos em mais de 80 cidades da Espanha levam centenas de milhares às ruas para contestar o corte de 65 bilhões de euros aprovado pelo governo. Políticos e banqueiros foram alvos das manifestações. “Há muitos gastos e cargos políticos a enxugar antes de tirar da educação, da saúde, de aposentados e de desempregados”, repetiam os madrilenhos que aderiram à marcha. A reportagem é de Guilherme Kolling, direto de Madri

Madri - “A joderlos!, ooéé! A joderlos, ooéé!”... O principal grito de guerra da torcida da Espanha na Eurocopa 2012 (o original é Por La Roja!, ooéé!) ganhou uma paródia malcriada que ecoou pelas principais vias do centro de Madri na noite desta quinta-feira. Quem cantava era o povo que saiu às ruas para protestar. O alvo eram políticos e banqueiros.

A inspiração veio da deputada Andrea Fabra, do conservador Partido Popular (PP), que foi flagrada dizendo 'que se jodan!', durante a apresentação no Congresso espanhol do corte de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo na semana passada.

A população atingida pela medida reagiu com força, em 80 cidades. Em Madri, mais de 100 mil pessoas participaram da marcha pelo Paseo del Prado, Calle de Alcalá, até chegar na Puerta del Sol.

Um deles era Carlos Gaudencio, funcionário da prefeitura que exibia um cartaz parafraseando a deputada do PP, mas atacando os políticos. “Que se jodan, pero mira cómo roban!” Havia muitos outros estandartes nesse estilo, caso de uma bandeira da União Europeia contornada pelos dizeres “Bancos y políticos, que se jodan”.

Organizado pelos principais sindicatos do país ibérico, o ato tinha como título “Quieren arruinar com el país. Hay que impedirlo. Somo más”. Teve apoio maciço de centenas de entidades e de milhares de cidadãos que simplesmente desejavam manifestar seu descontentamento com as medidas do governo de direita comandado por Mariano Rajoy (PP).

O pacote aumenta impostos e sacrifica funcionários públicos, aposentados e desempregados. Nem educação nem saúde foram poupados. Rajoy declarou que não gostaria de ter adotado as medidas, mas justificou que não havia outra opção para a Espanha, que precisa reduzir seu déficit para receber o resgate de 100 bilhões de euros da União Europeia para salvar seus bancos.

A interpretação exibida nas ruas é outra. Seja no “Manos arriba! Eso es un asalto!”, uma das palavras de ordem da caminhada, ou no cartaz com os dizeres “Nos roban dinero para dar a los banqueros”.

Ao invés de cortes nos salários e em áreas sociais, os manifestantes defendem menos dinheiro às instituições financeiras, menos cargos políticos, redução dos altos salários e nas benesses de parlamentares.

“Nesses últimos três meses, tivemos perdas que superam 5 mil euros. São 5 mil euros a menos por ano no nosso salário!”, denunciava o bombeiro José Luis Garcia, integrante de uma das classes que esteve em peso na passeata de Madri. “Nos tiraram salário extra, pagamento de Natal, seguro médico, auxílio-alimentação. Antes de fazer isso, poderiam extinguir pelo menos uns 80% dos cargos políticos desse país”, sugeriu.

Julián Sánchez, também bombeiro, exemplificou os efeitos negativos dos sucessivos recortes na corporação com o aumento do número de plantões e a falta de pessoal e de material de trabalho. “E os carros oficiais que deixam a disposição dos políticos? E o dinheiro para Fórmula 1 em Valência? Enfim, não se pode dizer que a única saída era tomar essas medidas. Há muito para cortar”.

Além de bombeiros, profissionais do canal de televisão Telemadrid, enfermeiros, profissionais da educação e até mesmo policiais engrossaram a marcha. A classe cultural também se mobilizou, com direito a presença ilustre do ator Javier Barden. “Cultura no es lujo”, era um dos dizeres do grupo.

A tese do corte de benesses à classe política foi repetida por vários ativistas, que se referiam a uma pesquisa divulgada neste ano, que revelou que a Espanha tem mais de 400 mil cargos políticos, número muito superior aos pouco mais de 100 mil que existem na Alemanha.

Olga Rosa e Maite Méndez, funcionárias da Universidade Carlos III de Madri, criticaram o desconto no salário dos servidores que ficam doentes. E disseram que há muito desperdício com dinheiro público, como recursos destinados a touradas, incentivadas por serem consideradas um bem cultural.

Julia Ogaña, funcionária do Estado de Madri, observou que a suspensão do salário extra e do pagamento de Natal não atinge parlamentares, que recebem esse valor diluído nos vencimentos mensais.

A administradora de empresas Nieves Palomares, 50 anos, está desempregada e vai ser atingida pelos cortes. Ela compara a ajuda de algumas centenas de euros recebida por quem está sem trabalho com salários em cargos públicos que superam 100 mil euros. “Não seria mais justo diminuir um pouco o soldo deles?”, questiona.

Reduzir recursos da Família Real ou cortar os benefícios fiscais da Igreja foram outras sugestões dos manifestantes. No manifesto lido na Puerta del Sol ao final da caminhada, ficou a promessa de que, enquanto o povo não for ouvido, permanecerá protestando na rua.




Fonte: Agência Carta Maior

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