28 agosto 2012

SOCIEDADE E POLÍTICA


As lições não aprendidas do mensalão


Luís Nassif, no sítio da Revista CartaCapital



Na sua coluna de ontem, no jornal O Valor, o respeitado Renato Janine Ribeiro publica carta enviada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nela, FHC questiona afirmação de Janine sobre a cooptação de votos para a aprovação  da emenda da reeleição.  “Esta existiu, diz, mas por parte de políticos locais”.
Apenas constata que fez o mesmo do mesmo. Apenas, de uma forma mais “profissional”.
É importante o seu depoimento. E lembro aos leitores que o eixo de meu artigo estava na tese de que as questões de corrupção, que pareciam tão claras quando o lado do bem se opunha à ditadura, se transformaram num cipoal desde que PT e PSDB se digladiam”, conclui Janine.
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Tanto no mensalão como na votação da emenda da reeleição, o objetivo era a cooptação de parlamentares. Apenas os métodos foram diferentes.
No período FHC, a cooptação se deu através das emendas parlamentares, prática inaugurada no seu governo.
Cada emenda envolve três tipos de interesse: do parlamentar que a propôs, da empresa que será beneficiada com ela e do governo federal, a quem cabe a sua liberação.
Havia, então, uma triangulação.
  1. Os operadores do governo acertavam com os governadores o apoio da sua bancada.
  2. Em seguida, liberavam a emenda.
  3. O dinheiro chegava na ponta e o governador (e a empreiteira) fazia o acerto com seus deputados.
Esse mesmo modelo foi aplicado para derrotar o ex-presidente Itamar Franco na convenção do PMDB que pretendia lança-lo como candidato à presidência da República. A operação foi articulada pelo então Ministro dos Transportes de FHC, Eliseu Padilha.
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O chamado “mensalão” foi fruto do amadorismo inicial do PT.
FHC havia consagrado uma tecnologia de governabilidade apoiando o PSDB em um grande partido, o PFL, O PT decidiu fortalecer pequenos partidos. E o pacto passava por bancar os custos de campanha dos parlamentares. Deu no que deu.
Depois do escândalo, o PT fechou apoio do PMDB, aproximou-se do candidato a partido grande PSDB e passou a se valer da metodologia das emendas parlamentares, tal e qual o governo FHC.
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Agora se tem os dois principais partidos do país – PT e PSDB – recorrendo a métodos de cooptação que precisam ser revistos. Esse mesmo modelo é aplicado em Brasília e em São Paulo.
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Durante algum tempo justificou-se esse modelo. O país iniciava o aprendizado democrático e a questão da governabilidade era relevante, especialmente depois de um governo (José Sarney) que andou toda sua gestão na corda bamba e outro (Fernando Collor) que perdeu o mandato.
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Mas já é hora de se aprimorar a democracia brasileira. Ao tentar tirar casquinha da situação, FHC não colabora para esse aprimoramento. Nem Lula, ao minimizar o episódio.
Há um modelo imperfeito, que torna os governos reféns e, ao mesmo tempo, cooptadores de partidos políticos, assim como os parlamentares reféns dos financiadores de campanha.
O episódio será positivo se ajudar a deflagrar uma ampla discussão sobre o modelo político, a formação de partidos, o financiamento privado de campanha, a questão das emendas parlamentares.  Se usado oportunisticamente, o país não terá nada a ganhar com o episódio.



CRÔNICA       CRÔNICA        CRÔNICA




Síndrome da competição



Menalton Braff, no sítio da Revista CartaCapital


O homem, que sobreviveu a todos os cataclismos que em milênios se abateram sobre nosso pequenino e azul planeta, sobreviveu ao ataque furioso de todas as feras para as quais sua mesquinha carne seria o alimento salvador; o homem superou secas inclementes e dilúvios devastadores; o homem conseguiu tais façanhas porque era um ser social. Do grupo lhe vinham as forças para resistir. E a vida em sociedade, nascida antes de sua fraqueza e da necessidade de sobrevivência do que de uma deliberação, só foi possível graças a um sentimento hoje escasso no mercado: o espírito de solidariedade.
Paul Swezzi, pensador norte-americano, em seu livro Capitalismo monopolista (Ed. Zahar, 1964 – 2º edição), no décimo nono capítulo, afirma que o capitalismo, desde seu nascimento, vem-se entranhando na própria carne do ser humano, a ponto de transformar tudo (inclusive sua vida afetiva) em valor de troca. E ao transformar assim o ser humano, incute-lhe uma outra necessidade: a eficiência como condição para a vitória.
Todos os meios de transmissão de conhecimento e valores são mobilizados para a defesa da idéia de que o homem vale na proporção do sucesso que obtenha. Somos medidos invariavelmente pelo número de derrotas que impomos a nossos adversários. Sim, porque aquela velha expressão “nossos semelhantes” já está há algum tempo fora de moda.
E se o mundo e sua infeliz humanidade são divididos entre vencidos e vencedores, então que vençamos. Esse é o pensamento dominante. E é assim que entramos em estado permanente de campeonato. Minha cidade tem um edifício de dez andares, e a sua não tem. Nós temos três shoppings, e vocês só têm um. Então não se para mais de concorrer. Existem campeonatos de edifícios altos e campeonatos de número de shoppings. Tudo é competição.
Na sociedade da competição, ninguém mais fala em ser bom; é necessário ser o melhor. E isso, mesmo que o melhor seja de baixa, baixíssima qualidade. Estar por cima, ser o primeiro, eis o que interessa.
Nesse tipo de sociedade, a criança ainda tem algum valor, que é o investimento de risco. Ela é vista como o produtor e consumidor do futuro. Para isso é preciso prepará-la, ou seja, para que seja eficiente produtor e ótimo consumidor. Os velhos, bem, que fazer com esses trastes que não produzem mais nada e só consomem remédio?
É com apreensão que se volta nosso olhar para o futuro. Se a sociedade humana sobreviveu graças ao espírito de solidariedade, extinto esse, pode-se ter muita esperança quanto ao futuro?  Se vivemos no meio de adversários, que precisamos eliminar para vencer, vamos conquistar um mundo deserto.


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A medíocre elite social brasileira







Ignorante e presunçosa, ela lê pouco, ostenta, cultiva o consumismo e tem profundo preconceito em relação às maiorias 


Por Henrique Abel, no Observatório da Imprensa, capturado no Outras Palavras

Um dos preconceitos mais firmemente bem estabelecidos no Brasil é aquele que afirma que a culpa de todos os problemas do país decorre da “ignorância do povo”. A elite social da população brasileira, formada pelas classes A e B, em linhas gerais, está profundamente convencida de que o seu status de elite social lhe concede – como um bônus – também o título de “elite intelectual” do país.
Dentro desse raciocínio, a elite brasileira “chegou lá” não apenas economicamente, mas também no que diz respeito às esferas intelectuais e morais – talvez até espirituais. O país só não vai pra frente, portanto, por causa dessa massa de ignóbeis das classes inferiores. Embora essa ideia preconcebida seja confortável para o ego dos que a sustentam, os fatos insistem em negar a tese do “povo ignorante versus elite inteligente”.
O motivo é simples de entender: em nenhum lugar do mundo, a figura genericamente considerada do “povo” se destaca como iluminada ou genial. Por definição, uma autêntica elite intelectual de um país se destaca, precisamente, por seu contraste com a mediocridade (aí entendida como “relativa ao que é mediano”). Ou seja, não é “o povo” que tem obrigações intelectuais para com a elite social, e sim, justamente o contrário: é preferencialmente entre a elite social e econômica que se espera que surja, como consequência das melhores condições de vida desfrutadas, uma elite intelectual digna do nome.
Analfabetos funcionais
Uma elite social que, intelectualmente, faça jus ao espaço que ocupa na sociedade, não apenas cumpre com o seu papel social de dar algum retorno ao meio que lhe deu as condições para uma vida melhor como, ainda, cumpre o seu papel de servir como exemplo – um exemplo do tipo “estude você também”, e não um exemplo do tipo “lute para poder comprar um automóvel tão caro quanto o meu”.
Tendo isso em mente, torna-se fácil perceber que o problema do Brasil não é que o nosso povo seja “mais ignorante”, pela média, do que a população dos Estados Unidos ou das maiores economias europeias. O problema, isso sim, é que o nosso país ostenta aquela que é talvez a elite social mais ignorante, presunçosa e intelectualmente preguiçosa do mundo, que repele qualquer espécie de intelectualidade autêntica precisamente porque acredita que seu status social lhe confere, automaticamente, o decorrente status de membro da elite intelectual pátria, como se isso fosse uma espécie de título aristocrático.
Nenhum país do mundo tem um povo cujo cidadão médio é extremamente culto e devorador de livros. O problema se dá quando um país tem uma elite social que é extremamente inculta e lê/escreve num nível digno de analfabetismo funcional. Pesquisas recentemente divulgadas dão por conta que apenas 25% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, e que o número de analfabetos funcionais entre estudantes universitários é de 38%. A elite social brasileira possivelmente acredita que a totalidade desses 75% de deficientes intelectuais encontra-se abrangida pelas classes C, D e E.
Sem diferença
Será mesmo? Outra pesquisa recentemente divulgada noticiava que o brasileiro lê uma média de cerca de quatro livros por ano. Enquanto os integrantes da Classe C afirmavam ter lido 1,79 livro no último ano, os integrantes da Classe A disseram ter lido 3,6. O número é maior, como naturalmente seria de se esperar, mas a diferença é muita pequena dado o abismo de condições econômicas entre uma classe e outra. Qual é o dado grave que se constata aí? Será que o problema real da formação intelectual do nosso país está no fato de que o cidadão médio lê apenas dois livros por ano? Ou está no fato de que a autodenominada elite intelectual do país lê apenas quatro livros por ano? Vou encerrar o argumento ficando apenas no dado quantitativo, sem adentrar a provocação qualitativa de questionar se, entre esses quatro livros anuais, consta alguma coisa que não sejam os últimos e rasos best-sellers de vitrine, a literatura infanto-juvenil e os livros de dieta e autoajuda.
O que importa é ter a consciência de que o descalabro intelectual brasileiro não reside no fato de que o típico cidadão médio demonstra desinteresse pela vida intelectual e gosta mais de assistir televisão do que de ler livros. Ora, este é o retrato do cidadão médio de qualquer país do mundo, inclusive das economias mais desenvolvidas.
O que é digno de causar espanto é, por exemplo, ver Merval Pereira sendo eleito um imortal da Academia Brasileira de Letras em virtude do “incrível” mérito literário de ter reunido, na forma de livro, uma série de artigos jornalísticos de opinião, escritos por ele ao longo dos anos. Ou seja: dependendo dos círculos sociais que você frequenta, hoje é possível ingressar na Academia Brasileira de Letras meramente escrevendo colunas de opinião em jornais. Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e Merval Pereira.
“Vão ter que me engolir”
Apenas para referir mais um exemplo (entre tantos) das invejáveis capacidades intelectuais da elite social brasileira: na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que uma celebridade global havia perdido a compostura no Twitter após sofrer algumas críticas em virtude de um comentário que havia feito na rede social. A vedete, longe de ser uma estrelinha de quinta categoria, é casada com um dos diretores da toda-poderosa Rede Globo.
Bem, imagina-se que uma pessoa tão gloriosamente assentada no topo da cadeia alimentar brasileira certamente daria um excelente exemplo de boa formação intelectual ao se manifestar em público por escrito, não é mesmo? Pois bem, vamos dar uma lida nas sua singelas postagens, conforme referidas na reportagem mencionada:
“Almas penadas, consumidas pela a inveja, o ódio e a maledicência, que se escondem atrás de pseudônimos para destilarem seus venenos. Morram!”
“Só mais uma coisinha! Vão ter que me engolir, também f…-se, vocês são minurias [sic] e minuria [sic] não conta.”
Em quem se espelhar?
Não vou nem entrar no mérito da completa falta de educação dessa pessoa, que parece menos uma rica atriz global do que um valentão de boteco. Vou me ater apenas a dois detalhes. Primeiro: a intelectual do horário nobre da Globo escreve “minoria” com “u”, atestando para além de qualquer dúvida razoável que se encontra fora do grupo dos 25% dos brasileiros plenamente alfabetizados (ela comete o erro duas vezes, descartando qualquer possibilidade de desculpa do tipo “foi erro de digitação”).
Segundo: ela acha que “minorias não contam”, demonstrando, portanto, que ignora completamente as noções mais elementares do que vem a ser um Estado democrático de Direito, ou mesmo o simples conceito de “democracia” na sua acepção contemporânea. Do ponto de vista da consciência de direitos políticos, sociais e de cidadania é, portanto, analfabeta dos pés à cabeça.
Com os ricos e famosos que temos no Brasil, em quem o mítico e achincalhado “homem-médio” poderia mesmo se espelhar?







24 agosto 2012

EDITORIAL

"Não ter pensamentos e ser capaz de expressá-los - eis
um jornalista."  -  Karl Kraus




... e assim se passaram dois anos!


Este blog surgiu, há dois anos, após uma conversa com a minha filha. Quando expus minha
indignação com a cobertura da chamada "grande imprensa" da campanha presidencial de
2010, ela sugeriu: crie um blog!

Bom, estamos aqui, eu e o blog, dois anos depois. A cobertura jornalística das grandes
corporações midiáticas continua deixando a deseja, fazendo das suas: mentiras, distorções e
omissões de acordo com as suas conveniências.

Faz o papel que não lhe cabe: a de um partido de oposição. A oposição, diga-se de passagem,
que está sem rumo. 

Apela até, parte da imprensa, para o crime ao se aliar com um contraventor, como é sabido
por todos, para criar escândalos e destruir reputações.

Modestamente, a intenção do blog é repercutir artigos e opiniões de jornalistas, colunistas e outros intelectuais, cuja linha de pensamento esteja ao lado da verdade e das aspirações
populares e progressistas.

Os mervais, os jabores, os reinaldos, as catanhêdes e outros do mesmo naipe, já possuem
suas folhas, estadões, jns, globos e que tais,  bem mais poderosos, para espalhar suas
opiniões nem sempre baseadas na verdade factual.

Aqui, Mino Carta, Leandro Fortes, Luís Nassif, Mauro Santayana, Emir Sader, Venício
Lima e outros de igual quilate, têm espaço e vez. 

Faço minhas as opiniões deles, e indico aos meus amigos a leitura dos seus artigos. Com
todo o direito de discordarem, coisa que a "grande imprensa" não permite e nem aceita.

Boa parte da mídia está prestando um desserviço ao País, ao criminalizar a Política e
denegrir as instituições democráticas. 

O combate deve ser contra a politicagem e contra quem desrespeita as instituições das
quais faz parte. Não devemos generalizar. A Política faz parte da vida do ser humano. As
instituições são necessárias e precisam ser fortalecidas. Nós sabemos o que pode
acontecer com elas, caso sejam desmoralizadas. E, sabemos também, a quem interessa
tal tipo de coisa.

A luta continua!

(AB)



"Os jornalistas escrevem porque não têm nada a dizer.
E têm algo a dizer porque escrevem."  - Karl Kraus


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O País traído



Por Mino Carta, na Revista CartaCapital 



Paisagem corriqueira. Vinte e oito por cento da população brasileira vive em favelas. E não é porque queira. Foto: Wilton Junior/AE
Em São Paulo, tempos ásperos. Leio: uma residência particular é assaltada a cada hora, o roubo de carros multiplica-se nos estacionamentos dos shopping centers. Entre parênteses, recantos deslumbrantes, alguns são os mais imponentes e ricos do mundo. Que se curva. Um jornalão, na prática samaritana do serviço aos leitores, fornece um receituário destinado a abrandar o risco. Reforce as fechaduras, instale um sistema de alarme etc. etc.
Em vão esperemos por algo mais, a reflexão séria de algum órgão midiático, ou de um solitário editorialista, colunista, articulista, a respeito das enésimas provas da inexorável progressão da criminalidade. Diga-se que uma análise honesta não exige esforço desumano, muito pelo contrário.
Enquanto as metrópoles nacionais figuram entre as mais violentas do mundo, acima de 50 mil brasileiros são assassinados anualmente, e um relatório divulgado esta semana pelas Nações Unidas coloca o Brasil em quarto lugar na classificação dos mais desiguais da América Latina, precedido por Guatemala, Honduras e Colômbia. O documento informa que 28% da população brasileira mora em favelas, sem contar quem vive nos inúmeros grotões do País.
Vale acrescentar que mais de 60% do nosso território não é alcançado pelo saneamento básico. Ou sublinhar a precariedade da saúde pública e do nosso ensino em geral. Dispomos de uma cornucópia maligna de dados terrificantes. Em contrapartida, capitais brasileiros refugiados em paraísos fiscais somam uma extravasante importância que coloca os graúdos nativos em quarto lugar entre os maiores evasores globais.
É do conhecimento até do mundo mineral que o desequilíbrio social é o maior problema do País. Dele decorrem os demais. Entrave fatal para o exercício de um capitalismo razoavelmente saudável. E evitemos tocar na tecla do desenvolvimento democrático. Mas quantos não se conformam? Não serão, decerto, os ricos em bilhões, e a turma dos aspirantes, cada vez mais ostensivos na exibição de seu poder de compra e de seu mau gosto. Não serão os profissionais da política, sempre que não soe a hora da retórica. Não será a mídia, concentrada no ataque a tudo que se faça em odor de PT, ou em nome da igualdade e da justiça.
Nada de espantos, o Brasil ainda vive a dicotomia casa-grande–senzala. CartaCapital e especificamente o acima assinado queixam-se com frequência do silêncio da mídia diante de situações escusas, de denúncias bem fundamentadas, de provas irrefutáveis de mazelas sem conta. Penso no assunto, para chegar à conclusão de que há algo pior. Bem pior. Trata-se da insensibilidade diante da desgraça, da miséria, do atraso. Da traição cometida contra o País que alguns canalhas chamam de pátria.
Exemplo recentíssimo. Há quem lamente os resultados relativamente medíocres dos atletas brasileiros nas Olimpíadas de Londres. Parece-me, porém, que ninguém se perguntou por que um povo tão miscigenado, a contar nas competições esportivas inclusive com a potência e a flexibilidade da fibra longa da raça negra, não consegue os mesmos resultados alcançados em primeiro lugar pelos Estados Unidos. Ou pela Jamaica. Responder a este por que é tão simples quanto a tudo o mais. O Brasil não é o que merece ser, e está muito longe de ser, por causa de tanto descaso, de tanto egoísmo, de tanta ferocidade. De tanta incompetência dos senhores da casa-grande. Carregamos a infelicidade da maioria como a bola de ferro atada aos pés do convicto.
Mesmo o remediado não se incomoda se um mercado persa se estabelece em cada esquina. Basta erguer os vidros do carro e travar as portas. Outros nem precisam disso, sua carruagem relampejante é blindada. Ou dispõem de helicóptero. Impávidos, levantam seus prédios como torres de castelos medievais e das alturas contemplam impassíveis os casebres dos servos da gleba espalhados abaixo. A dita classe média acostumou-se com os panoramas da miséria, com a inestimável contribuição da mídia e das suas invenções, omissões, mentiras. E silêncios.
Às vezes me ocorre a possibilidade, condescendente, de que a insensibilidade seja o fruto carnudo da burrice.


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"Boas opiniões não têm valor. O que importa é quem 
as tem."  -  Karl Kraus
    

MENSALÃO


Nova jurisprudência: contra o PT, basta acusar




Saul Leblon, no Blog das Frases



O conservadorismo brasileiro vive um dilema meramente formal. Diferente do golpismo - com o qual não hesita em marchar quando a situação recomenda - prefere em geral meios institucionais para atingir os mesmos fins.

Às vezes, a coisa emperra,caso agora do julgamento do chamado 'mensalão', em que já se decidiu condenar; onde se patina é na escolha do lubrificante para deslizar a sentença no mundo das aparências.

A dificuldade remete a um detalhe: faltam provas cabais de que o crime não equivale ao disseminado caixa 2 de campanha, com todas as aberrações que a prática encerra, a saber: descarna partidos, esfarela programas, subverte a urna e aleija lideranças.

Reconhecê-lo, porém, tornaria implícita a precedência tucana com o valerioduto mineiro.

É no esforço de singularizar o que é idêntico que se unem os pelotões empenhados em convencer a opinião pública de que, no caso do PT, houve compra de voto com dinheiro público para aprovar projetos de interesse do governo Lula no Congresso.

O procurador Gurgel jogou a ísca: é da natureza desses esquemas não deixar rastros. A flexibilidade agradou. Colunistas compartilham abertamente o argumento da 'suspeição natural', inerente ao PT, logo, dispensável de provas.

Não se economiza paiol na fuzilaria.

Nas quatro semanas até 13 de agosto, segundo informou Marcos Coimbra, na Carta Capital, 65 mil textos foram publicados na imprensa sobre o "mensalão". No Jornal Nacional da Globo para cada 10 segundos de cobertura neutra houve cerca de 1,5mil negativos.

Um trecho ilustrativo da marcha forçada em direção à nova jurisprudência saiu no 'Estadão' desta 4ª feira, 22-08:

" (...) impossível não crer que Lula e toda a cúpula do PT soubessem dos meandros do mensalão. (...) dentro de um partido em que o projeto de poder sempre se confundiu com o futuro e o bem-estar da coletividade no qual ele existe, me parece impossível que Lula, José Dirceu, o famoso capitão do time, e outros próceres não tivessem articulado o plano de chegar ao socialismo compadresco petista pelo capitalismo selvagem nacional - o infame mensalão...." (Roberto Damatta, Estadão 22-08).

Deve-se creditar o pioneirismo do método a quem de direito. Em 2005, incapaz de sustentar 'reportagem' em que acusava o PT de ter recebido US$ 5 milhões das FARCs na campanha eleitoral de 2002, a revista VEJA desdenhou do alto de sua inexpugnável isenção e sapecou: "em todo o caso, nada prova que o PT não recebeu".

O ovo chocado no ventre da serpente é resumido assim pelo jornalista e escritor Bernardo Kuscinski: "Agora para condenar não é preciso provar a acusação; basta fazê-la".

Nesta 5ª feira, o ministro Ricardo Lewandowski afrontou os que pretendem submeter o país a esse rito em marcha batida.

O revisor do chamado processo do 'mensalão' desmontou os argumentos de Gurgel e Barbosa e inocentou o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) das acusações de corrupção e desvio de dinheiro público.

Ainda há juízes em Brasília? Lewandowski diz que sim. Ele se pautou pelas provas e pelas evidências, não pelo jogral midiático.

(*) nota atualizada dia 23-08, às 21:20























Voto de Lewandovski expõe falta de discernimento de Barbosa

Autor: 
 
O revisor Ministro Ricardo Lewandovski considerou haver sinais abundantes de que a empresa IFT, de Luiz Costa Pinto, prestou serviços à Câmara. Os advogados de defesa já haviam relatado inúmeros depoimentos de funcionários da Câmara atestando a entrega do trabalho.
Em seu voto, Joaquim Barbosa endossou as acusações da Procuradoria Geral da República (PGR), de que o contrato era fantasma e que Costa Pinto prestaria apenas trabalhos pessoais ao então presidente da Câmara João Paulo, motivo para indiciá-lo por peculato.
Houve uma primeira investigação que apurou não terem sido entregues boletins reservados mensais. Com base nisso, em uma análise superficial a primeira investigação da Polícia Federal considerou que o contrato era falho.
Posteriormente, o Tribunal de Contas aprofundou as investigações e constatou que:
  1. Não constava do contrato da Câmara com a IFT a feitura dos boletins.
  2. Mesmo que constasse do contrato, sua ausência não caracterizaria burla devido à abrangência muito maior do contrato, que foi entregue na sua totalidade.
  3. Lewandovski registrou a robusta prova testemunhal, de que a empresa efetivamente prestou serviços à Câmara, com elogios fartos de diversos setores da Câmara. E o fato do TCU, por unanimidade, ter considerado legal o contrato e sua execução.
Tudo isso foi ignorado por Joaquim Barbosa. Sua intenção jamais foi a de se comportar como juiz, mas como um auxiliar da acusação, um inquisidor pequeno. Não teve o menor interesse em separar as acusações objetivas das meras suspeitas, como se na ponta houvesse apenas inimigos a serem exterminados.
Duro nas suas sentenças, quando identifica sinais de culpa, Lewandovski  demonstra discernimento e preocupação em separar o joio do trigo. Até agora, sua palavra mostra credibilidade quando absolve e também quando condena. Ao contrário de Joaquim Barbosa, que não mostra credibilidade nem quando tem razão.
Como ensinou Lewandovski ao final, o juiz é o "perito dos peritos", o único a avaliar todos os elementos, não podendo fiar-se em um laudo único, sem considerar as demais provas e evidências.

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Paulo Moreira Leite

Quem pensava que o julgamento do mensalão seria um pelotão de fuzilamento já deve estar com as barbas de molho depois do voto de Ricardo Lewandovski.

Você pode pensar o que quiser de Lewandovski. Pode até lembrar que dona Marisa Lula da Silva teve grande influência em sua nomeação para o STF. E pode até achar que isso desqualifica sua escolha e seus votos.
Mas Lewandovski deu um voto claro e bem pensado, com argumentos e com fatos relevantes. Os especialistas dizem isso. Não eu.

Na véspera, ele condenou Henrique Pizzolato, Marcos Valério e outros envolvidos em desvio de verbas do Visanet. Parecia que ontem iria repetir a dose, condenando João Paulo Cunha, que era presidente da Câmara de Deputados e foi acusado por Joaquim Barbosa de um desvio de pelo menos R$ 10 milhões em verbas de publicidade da Câmara de Deputados.

Lewandovski questionou essa acusação com dados obtidos por auditores do TCU. Mostrou que o dinheiro supostamente desviado foi usado aonde deveria e por quem deveria.

Também mostrou dados que sugerem que os 50 000 reais –a única vinculação conhecida de João  Paulo com o esquema de Marcos Valério-Delúbio Soares — que a mulher do deputado foi buscar no Banco Rural foram  usados com despesas de campanha. Citou vários testemunhos para sustentar isso. Citou peritos e se apoiou em vários documentos. Você pode, é claro, duvidar dessa interpretação. Mas é recomendável encontrar fatos para apoiar o que pensa. A tese da acusação é que os 50 000 foram usados como propina para Valério conseguir o contrato de R$ 10 milhões. Verdade? Mentira? Apenas com fatos novos é possível sustentar uma outra visão.
Após o voto de Lewandovski  já  não vale ficar falando que tudo é “pizza” e clamando contra  a impunidade sem que se saiba, com clareza, o que deve ser punido, quem, por que, com base em que.

E agora?
É certo que teremos nova confusão. Depois de deixar a definição do sistema de votação para o plenário, Ayres Britto terá de se haver com um conflito  anunciado. Na segunda feira Barbosa quer responder ao voto do revisor.
Lewandovski, por sua vez, já disse que se houver replica do relator, ele vai querer uma tréplica. E aí ninguém sabe como a coisa vai continuar.

Só é preciso lembrar que vai ficar feio se surgirem tentativas — insinuadas entre comentaristas e observadores do julgamento — interessadas em enquadrar Lewandowski. Já começam a dizer que ele falou demais, que extrapalou…Agora se diz que o papel

de revisor não pode ser contestar o relator, contrapor-se, apresentar outra visão. Conhecemos essa conversinha.
As regras do fatiamento foram apresentadas na última hora para o tribunal. Se outros juizes já tinham conhecimento delas, o próprio Lewandovski deixou
claro que era o último a saber. A defesa fez o possível para convencer Ayres Brito a voltar atrás. A resposta foi um sorriso antes da explicação de que a matéria estava (ou era) preclusa…

Não é conveniente, agora, mudar as regras de novo.Vai ficar feio. Vai dar a impressão de que as regras só servem quando ajudam uma das partes.

E só estamos no primeiro item do voto de Barbosa. São oito. Se tivermos réplicas e tréplicas todas as vezes, vai ser difícil dizer que a defesa é que está fazendo tudo para prolongar o julgamento e impedir um veredito antes das eleições para prefeito.

E os demais ministros, quando começam a votar? Ninguém sabe. E o Cezar Peluso, cuja aposentadoria motivou tantas mudanças no calendário e até no sistema de votação, como fica? Muito menos. Se der empate no final, como fica o voto de Ayres Brito? Votará duas vezes?

Essa é a dura realidade do julgamento. Já tinha sido um  pouco exagerado definir claramente as regras de votação — o fatiamento — quando todos estavam certos de que seria um debate convencional, com o ponto de vista do relator, depois do revisor e assim por diante.

O voto de Lewandovski foi importante por causa do conteúdo. Mostrou que é possível apontar fragilidades na denúncia.

Deixou claro que a tese da “organização criminosa” que comandava uma rede de assalto ao Estado, com seus núcleos e uma divisão de trabalho de estilo mafioso é muito fácil de descrever mas difícil de demonstrar com provas consistentes. É fácil falar em “compra de consciência” para quem acredita que todos os políticos são corruptos.

Mas é difícil sustentar que isso aconteceu quando as pessoas têm o direito de se defender, de dar sua versão e usufruir de todas as garantias de um regime democrático. São centenas de testemunhas que negam a denúncia. Não custa lembrar. Há muito tempo a testemunha principal parou de dizer aquilo que disse.

Lewandovski foi ouvir o outro lado, foi perguntar aquilo que ninguém sabia e não queria saber.

Não inocentou ninguém por princípio. Tanto que na véspera ele deu um voto igual ao do relator.

Mas ele deixou claro que enxerga  a denúncia  de uma forma mais sofisticada, diferenciada, numa visão que se encaminha para negar que todos estivessem envolvidos na mesma atividade, fazendo as mesmas coisas, porque todos fariam parte de  uma “organização criminosa, “sob comando de um “núcleo político”, e outros “núcleos” estruturados e organizados. É claro que Lewandovski enxerga o crime, o roubo, a bandalheira. Mas sabe que há casos em que é legítimo falar em corrupção. Em outros, há crime eleitoral.

Mas não quer fingir que tem o domínio de fatos que não conhece por inteiro. Por isso ele diferencia a “verdade processual”, aquela que se pode conhecer, da “Verdade,” aquela que se pode até imaginar, conceber, descrever, mas não cabe nos autos.

Vamos falar de vida real.

É complicado imaginar que José Dirceu e Luiz Gushiken pudessem participar de uma mesma organização. Mesmo quem quer acreditar que  ambos são personagens sem uma gota de escrúpulo —  é uma hipótese — deveria saber que é difícil imaginar que os dois pudessem ficar mais de 5 minutos em qualquer tipo de organização, mesmo que fosse uma inocente tropa de escoteiros – muito menos uma quadrilha, que exige um grau de confiança, de intimidade e lealdade que os dois nunca tiveram. Eles passaram boa parte da vida pública, da campanha e do governo  conspirando um contra o outro, falando mal um do outro, disputando e até se sabotando. Como é que poderiam se unir para uma ação comum, clandestina, arriscadíssima? Como é que o Gushiken, aliado e padrinho de Palocci no início do governo, iria subordinar-se a Dirceu, adversário e concorrente?

A visão que  ignora as verdades duras da política   não combina com essa denúncia. É coisa de quem pretende acreditar que todos são criminosos comuns, 100% despolitizados.

Voltando a Lewandovski. Ele deixou claro que, para acreditar na tese de que Joáo  Paulo desviava recursos públicos da Câmara – isso é sempre importante para caracterizar corrupção – seria preciso acreditar que ele envolveu as principais empresas de comunicação do país nessa empreitada.

Se fossem verdadeiras, as célebres falsas despesas que teria declarado para desviar dinheiro envolviam os principais grupos de midia do país, as emissoras de maior audiência, os jornais de maior circulação e etc. Imagine o surrealismo: os mesmos grupos que faziam a denúncia   do mensalão durante o dia estariam se locupletando com Joáo Paulo à noite pelo mesmo crime que denunciavam. Me desculpem.  Se isso fosse verdade, o  “maior escândalo da história” teria de ser chamado de “mensalão do português”, com todo respeito, apenas como uma homenagem aos tempos em que nossos humoristas se vingavam de nossa experiência colonial. Mais uma vez, está tudo lá, com recibo, perícia e assim por diante. Ou seja: ao menos neste caso não houve desvio, nem terceirização suspeita. Os veículos de comunicação receberam pagamentos legítimos para veicular publicidade definida em campanhas da Câmara. Ponto. Parágrafo.

O voto de Lewandovski tem a modéstia de quem admite que está diante de uma realidade mais complexa e compreende que ela só é compreensível  a partir de uma visão sofisticada, sem simplismos nem frases de efeito. Não sei qual efeito seu voto terá sobre os demais ministros. Também não faço ideia de seu posicionamento nos próximos itens do julgamento.

Mas está na cara que sua intervenção, que teve de ser  reescrita à última hora para se adaptar as regras a que só foi apresentado  com o debate  já em andamento, representou uma contribuição lúcida ao debate.  Ninguém precisa estar de acordo com ele. O julgamento só começou e ainda há muito para ser debatido. Algumas das vozes mais experientes da casa sequer se posicionaram e terão muito a dizer.

Mas acredite: todos terão a  ganhar com isso.



Fonte: colunas.revistaepoca.globo.com



ELEIÇÕES








Verdades sobre o Horário Eleitoral






(*) Publicado originalmente na revista Teoria e Debate, ed. 103.

O início do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) evoca, regularmente, uma série de comentários críticos, preconceitos e reclamações das mais variadas origens, inclusive dos concessionários do serviço público de rádio e televisão.

Trata-se, portanto, de uma ocasião propícia para que algumas verdades sejam lembradas. Registro três.

1. Ao contrário do que o próprio nome indica, o HGPE nunca foi gratuito. A cada eleição, em cumprimento ao que determina a Constituição Federal (parágrafo 3º do artigo 17) e a Lei Eleitoral (9.504/1997, artigo 99), a Presidência da República faz conhecer, através de decreto, a regulamentação que normatiza a “compensação fiscal” que cada concessionário de radiodifusão terá pela “veiculação” da propaganda eleitoral. Este ano o decreto foi assinado no último dia 17 (7.791/2012).

É preciso que fique claro, portanto, que no HGPE o “gratuito” é o acesso de candidatos, partidos e coligações ao rádio e à televisão. Sua “veiculação”, ao contrário, não é gratuita.

Na verdade, a Receita Federal “compra” o horário das emissoras, permitindo que deduzam do imposto de renda em torno de 80% do que receberiam caso o período destinado ao HGPE fosse comercializado. O cálculo da “compensação fiscal” aos concessionários toma por base o valor de tabela para propaganda comercial nos horários utilizados. Pode-se afirmar com segurança que prejuízo não há, podendo haver até mesmo ganhos. De acordo com números divulgados em outubro de 2009, estimava-se que, em 2010, os custos para os cofres públicos dessa “compensação fiscal” chegariam a R$ 851,1 milhões.

2. O HGPE é certamente o que a legislação brasileira tem de mais próximo do chamado “direito de antena”. Vale dizer, o acesso gratuito ao serviço público de rádio e de televisão que devem ter – de acordo com sua relevância – partidos políticos e organizações sindicais, profissionais e representativas de atividades econômicas e outras organizações sociais. O “direito de antena” já é praticado, faz tempo, em países como Alemanha, França, Espanha, Portugal e Holanda.

O jurista Fábio Konder Comparato, no brilhante prefácio que escreveu para nosso Liberdade de Expressão vs. Liberdade da Imprensa (Publisher, 2ª edição, 2012), propõe: “Além dos partidos políticos, devem poder exercer o chamado direito de antena, já instituído nas Constituições da Espanha e de Portugal, as entidades privadas ou oficiais, reconhecidas de utilidade pública. Ou seja, elas devem poder fazer passar suas mensagens, de modo livre e gratuito, no rádio e na televisão, reservando-se, para tanto, um tempo mínimo nos respectivos veículos.”

3. Tendo em vista o enorme poder que o rádio e a televisão exercem em nossa sociedade como fonte de informação política e de persuasão, o tempo que partidos e candidatos dispõem no HGPE certamente ainda constitui (apesar da internet e de suas redes sociais) um fator determinante nos resultados eleitorais. Não é sem razão que alianças aparentemente paradoxais são feitas entre partidos políticos – antes das eleições – para garantir maior espaço no rádio e na televisão.

Infelizmente, muito do resultado positivo que determinado partido e/ou candidato alcança no HGPE se deve ao desempenho eficiente de profissionais de marketing, que “reduzem” o discurso político à linguagem comercial da grande mídia, despolitizando a própria política.

De qualquer maneira, o HGPE constitui momento decisivo no processo eleitoral, base da democracia representativa brasileira.

É sempre bom lembrar essas verdades.



Venício A. de Lima é jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010). Editora Publisher Brasil, 2012.






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Eleição e “mensalão” – Campanha eleitoral começa com pouco dinheiro em caixa e sem a utilização da Ação Penal 470 julgada no STF com foco nos réus petistas.




É possível notar na propaganda eleitoral nas ruas do Rio de Janeiro a força política da gigantesca aliança, de 20 agremiações, para sustentação da candidatura à reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB). Curioso é como alguns candidatos petistas à vereança, integrantes dessa coligação, se apresentam: “candidato do partido do Lula”.
 

Mais do que a carona na popularidade do ex-presidente que, como se sabe é maior do que o “partido do Lula”, há reação clara quanto ao possível efeito negativo do chamado “mensalão”.

Se a supressão da sigla do PT nos estandartes eleitorais é uma suposição que ainda não se confirmou, há um efeito bem mais perceptível: a campanha de 2012, comparada às anteriores, tem sinais de que falta dinheiro tanto no Caixa 1, oficial quando no amaldiçoado Caixa 2.

“Está assim em todo o país”, afirma um especialista de larga experiência no ramo, hoje aposentado após longa folha de serviços ao PSDB.

Mesmo nos primeiros dias da propaganda eleitoral gratuita não há rastro de  uso do dito “mensalão” como mote dos adversários dos petistas. E talvez esse problema seja esquecido, mesmo em cidades onde o PT tem candidaturas eleitoralmente relevantes e com chances de vitória.

Afinal, quando se trata de Caixa 2 uns e outros são farinhas do mesmo saco.

Quem faz barulho com o julgamento no STF é a mídia. Ela fala pela oposição. Vê nisso a oportunidade de, mais uma vez, sangrar Lula e o PT revivendo, em 2012, o que, em 2005, foi pintado por ela como algo próximo ao maior espetáculo da terra ou, pelo menos, como o maior escândalo de corrupção da República. O objetivo dessas metáforas é óbvio.

Um pouco de história ajuda a compreender essa obsessão.

Lula entrou inesperadamente no ambiente que FHC, em ensaio acadêmico conhecido, chamou de “Clube de Eleitos”. Era uma sociedade, até então, muito restrita. Antes do torneiro mecânico, só se entrava nela com um diploma de bacharel ou com a espada na mão. Considerando somente os presidentes eleitos pelo voto popular foram 12 advogados, dois militares, um médico um economista e dois sociólogos.

Ao longo do tempo houve muitas transformações no sistema de caça ao voto. Um processo eleitoral subvertido pela denuncia contida em duas frases do romancista José de Alencar: “o punho cerrado da violência” e o “dedo flexível da fraude”.

Começou assim. O crescimento natural do eleitorado e, mais, a extensão democrática do direito de voto ao analfabeto, além da redução da idade mínima do eleitor para 16 anos, tornou a eleição mais onerosa. Surgiu o Horário Eleitoral e, com ele, o marqueteiro. Deu chabu. O que foi feito para baratear terminou encarecendo.

A competição, então, transformou-se num fato econômico. Nesse contexto despontou o publicitário Marcos Valério. Ele fazia o dinheiro aparecer. Inicialmente para o PSDB e, posteriormente para o PT. A base era Minas Gerais.

Antes do PSDB e do PT houve o Caixa 2 de Ademar, de JK, de Collor, de Tancredo/Sarney (mesmo em eleição indireta) e de FHC. Todas já rastreadas e registradas por diversos pesquisadores.

Enfim, com o PT, o sistema caiu nas malhas da Justiça.

Políticos e a mídia conviviam com essa situação. Era admitida, então, como uma espécie de contravenção penal. Um crime menor.

Que todos sejam julgados. Punidos ou absolvidos conforme as leis.

O problema é que o moralismo de agora é de ocasião. Tem validade até o momento em que o poder trocar de mãos.  Nesse caso, tudo será como antes amanhã.



Por Maurício Dias, na Revista CartaCapital






HISTÓRIA


O mensalão de 54: atentado com o tiro no peito do pé (PHA)





VARGAS E A PRESENÇA DO ESTADO
NA ECONOMIA



por Mauro Santayana, em seu Blog 


Em 24 de agosto de 1954, os homens de minha geração chegavam à maioridade. Naquele dia, pela manhã, cheguei ao Rio, enviado pelo Diário de Minas, de Belo Horizonte, a fim de cobrir o velório de Vargas e a reação do povo carioca ao suicídio do Presidente. A Presidente Dilma Rousseff era uma menina de seis anos. Não poderia saber o que significava aquele gesto de um homem que mal passara dos 70, e ocupara o centro da vida brasileira naqueles últimos 24 anos.

As jornadas anteriores haviam sido enganosas, o que costuma ocorrer na História, desde o episódio famoso da frustrada queda de Richelieu. Os meios de comunicação haviam ampliado o suposto atentado contra Carlos Lacerda – obscuro até hoje – e atribuído a responsabilidade ao Presidente, tentando fazer crer que o Palácio do Governo se transformara em valhacouto de ladrões e assassinos. Houve quase unanimidade contra Getúlio. Quando passei pela Praça 7, em Belo Horizonte, a caminho do aeroporto da Pampulha, entre manifestantes de esquerda, um jovem sindicalista, meu amigo, pedia aos gritos, pelo megafone, a prisão do Presidente. Desci do táxi e lhe dei a notícia, com os avisos de meu pressentimento: dissolvesse o grupo, antes que os trabalhadores, ao saber da morte do Presidente, reagissem na defesa do líder desaparecido.

Durante a viagem ao Rio, que durava hora e meia, organizei minhas idéias. Entendi, em um instante, que a ação coordenada contra Vargas nada tinha a ver com o assassinato de um oficial da Força Aérea, transformado em guarda-costas do jornalista Carlos Lacerda – isso, sim, ato irregular e punível pelos regulamentos  militares. Lacerda, ferido no peito do pé, não permitiu que o revólver que portava fosse periciado pela polícia.   Açulada e acuada pela grande imprensa, a polícia nunca investigou o que realmente houve na Rua Tonelero. 

Vargas fora acossado pelos interesses dos banqueiros e grandes empresários associados ao capital norte-americano. Ao ouvir, pelo rádio, a leitura de sua carta, não tive qualquer dúvida: Getúlio se matara como ato de denúncia, não de renúncia. Morrera em defesa do desenvolvimento soberano de nosso povo. 

Sei que não basta a vontade política do governante para  administrar bem o Estado. Mas uma coisa parece óbvia a quem estuda as relações históricas entre o Estado e a Nação: o Estado existe para buscar a justiça, defender os mais frágeis, uma vez que a igualdade entre todos. Por isso,  algumas medidas anunciadas pelo governo inquietam grande parcela dos brasileiros bem informados. É sempre suspeito que os grandes empresários aplaudam, com alegria, uma decisão do governo. Posso imaginar a euforia dos lobos junto a uma ninhada de cordeiros. Quando os ricos aplaudem, os pobres devem acautelar-se. 

O regime de concessões vem desde o Império. As vantagens oferecidas aos investidores ingleses, no alvorecer da Independência, levaram à Revolução de 1842, chefiada pelo mineiro Teófilo Ottoni e pelos paulistas Feijó e Rafael Tobias de Aguiar, e conhecida como a Revolução do Serro, em  Minas, e de Sorocaba, em  São Paulo. O  Manifesto Revolucionário, divulgado em São João del Rei por Teófilo Ottoni, e assinado por José Feliciano Pinto Coelho, presidente da província rebelde,  é claro em seu nacionalismo, ao denunciar que os estrangeiros ditavam o que devíamos fazer “em nossa própria casa”.

A presidente deve conhecer bem, como estudiosa do tema, o que foi a política econômica de Campos Salles e seu ministro Joaquim Murtinho, em resposta à especulação financeira alucinante do encilhamento. O excessivo liberalismo do governo de Prudente de Moraes e de seu ministro Ruy Barbosa, afundou o Brasil, fazendo crescer absurdamente o serviço da dívida – já histórica –, obrigando Campos Salles (que morreria anos depois, em relativa pobreza) a  negociar, com notório constrangimento, o funding loan com a praça de Londres. O resultado foi desastroso para o Brasil. Os bancos brasileiros quebraram, um banco inglês em sua sucursal brasileira superou o Banco do Brasil em  recursos e operações e, ainda em 1999, a Light iniciava, no Brasil, o sistema de concessões como o conhecemos. O Brasil perdeu, nos dez anos que se seguiram, o caminho de desenvolvimento que vinha seguindo desde 1870.

Durante mais de 50 anos, a energia elétrica, a produção e distribuição de gás e o sistema de comunicações telefônicas no eixo Rio-SP-BH foram controlados pelos estrangeiros. Ao mesmo tempo, os combustíveis se encontravam sob  o controle da Standard Oil. A iluminação dos pobres se fazia com o Kerosene Jacaré, vendido em litros, nas pequenas mercearias dos subúrbios, cujos moradores não podiam pagar pela energia elétrica, escassa e muito cara. O caso das concessões da Light é exemplar: antes do fim do prazo, a empresa, sucateada, foi reestatizada, para, em seguida, ser recuperada pelo governo e “privatizada”. Como se sabe foi adquirida pela EDF, uma estatal francesa, durante o governo de Fernando Henrique. Novamente sucateada, foi preciso que uma estatal brasileira, a Cemig, associada a capitais privados nacionais, a assumisse, para as inversões necessárias à sua recuperação.

Vargas não tinha como se livrar, da noite para a manhã, dessa desgraça, mas iniciou o processo político necessário, ainda no Estado Novo, para conferir ao Estado o controle dos setores estratégicos da economia. Só conseguiu, antes de ser deposto em 1945, criar a CSN e a Vale do Rio Doce. Eleito, retomou o projeto, em  1951 e o confronto com Washington se tornou aberto. O capital americano desembarcara com apetite durante o governo Dutra, na primeira onda de desnacionalização da jovem indústria brasileira. Getúlio, na defesa de nossos interesses, decidiu limitar a remessa de lucros. Embora os banqueiros e as corporações estrangeiras soubessem muito bem como esquivar-se da lei, a decisão foi um pretexto para a articulação do golpe que o levaria à morte.

O Estado pode, e deve, manter sob seu controle estrito os setores estratégicos da economia, como os dos transportes, da energia, do sistema financeiro. Concessões, principalmente abertas aos estrangeiros, em quase todas as situações, são um risco dispensável. O Brasil dispõe hoje de técnicos e de recursos, tanto é assim que o BNDES vai financiar, a juros de mãe, os empreendimentos previstos. Se há escassez de engenheiros especializados, podemos contratá-los no Exterior, assim como podemos comprar os processos tecnológicos fora do país. Uma solução seria a das empresas de economia mista, com controle e maioria de capitais do Estado e a minoria dos investidores nacionais, mediante ações preferenciais.

Por mais caro nos custem, é melhor do que entregar as obras e a operação dos aeroportos, ferrovias e rodovias ao controle estrangeiro. O que nos tem faltado é cuidado e zelo na escolha dos administradores de algumas empresas públicas. Não há diferença entre uma empresa pública e uma empresa privada, a não ser a competência e a lisura de seus administradores. Entre os quadros de que dispomos, há engenheiros militares competentes e nacionalistas, como os que colaboraram com o projeto nacional de Vargas e com as realizações de Juscelino, na chefia e composição dos grupos de trabalho executivo, como o GEIA e o Geipot.

E por falar nisso, são numerosas e fortes as reações à anunciada nomeação do Sr. Bernardo Figueiredo, para dirigir a nova estatal ferroviária. Seu nome já foi vetado pelo Senado para a direção da Agência Nacional dos Transportes Terrestres. E o bom senso é contrário à construção do Trem Bala, que custará bilhões de reais. O senso comum recomenda usar esses recursos na melhoria das linhas existentes e na abertura de novos trechos convencionais. Não podemos entrar em uma corrida desse tipo com os países mais ricos. Eles se podem  dar esse luxo, porque já dispõem de armas atômicas e nós não temos como garantir nem mesmo as nossas fronteiras históricas.