23 novembro 2012

BRASIL

Tudo ao contrário



Mino Carta, na Revista CartaCapital 




O diretor da sucursal de Veja em Brasília, Policarpo Jr., e o contraventor Carlinhos Cachoeira, que acaba de ser condenado por formação de quadrilha e tráfico de influência, mantiveram uma longa relação baseada na troca de favores. Verdade factual.
Cunha. O indômito relator pede o indiciamento de Policarpo Jr., mas já começa a fraquejar. Foto: Monique Renne/D. A Press
Há provas irrefutáveis de que Cachoeira executou grampos a pedido de Policarpo Jr. e organizou a operação para monitorar os movimentos de José Dirceu, cujos resultados geraram uma capa da semanal da Abril. Provado está também que o ex-senador Demóstenes Torres ganhou as célebres páginas amarelas de Veja, prontas a apresentá-lo como um varão de Plutarco, em atenção a uma solicitação de Cachoeira. Investigações da Polícia Federal revelaram que, durante a feliz parceria, o profissional e o contraventor mantiveram mais de 200 conversações pelo telefone.
Situações similares em outros países provocaram a expulsão de jornalistas não somente de suas redações, mas também, e sobretudo, das próprias entidades da categoria. Por ter formulado acusações falsas, um diretor de redação italiano pagou recentemente pela culpa do seu jornal e foi condenado a alguns anos de reclusão. No Reino Unido, Rupert Murdoch teve de sair do país por ter praticado façanhas muito parecidas com aquelas cometidas pela Veja de Policarpo Jr.
No Brasil, causa surpresa, se não espanto, o fato de que o deputado Odair Cunha, relator da CPI do Cachoeira, peça o indiciamento do diretor da sucursal abriliana entre o de outros cidadãos sob suspeita, encabeçados pelo governador Marconi Perillo. Solicita também investigação a respeito do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Ao todo, 46 nomes, e muitos jornalistas, embora sem a ressonância de Policarpo Jr. Donde já me apresso a preparar meu coração e meus ouvidos para a tradicional ladainha, a denunciar o assalto à liberdade de imprensa. Como é do conhecimento até do mundo mineral esta, nas nossas latitudes, corresponde à liberdade dos barões midiáticos e dos seus sabujos de agirem como bem entendem. Manipulam, omitem, mentem.
Quando a verdade factual dos comportamentos de Policarpo Jr., e portanto da Veja e da Abril, veio à tona faz meses, até um Marinho se moveu do Rio no rumo de Brasília para um encontro com o vice-presidente da República, Michel Temer, a fim de alertá-lo sobre os riscos que a mídia da casa-grande sofreria caso o parceiro de Cachoeira fosse chamado a depor na CPI. Logo, uma figura graúda da Abril seguiu-lhe os passos para reproduzir o alerta. Se havia um plano de convocar Policarpo Jr., este abortou. Temer sabe mexer seus pauzinhos.
De todo modo, a mídia está de prontidão. Alinhados, como sempre do mesmo lado, os jornalões agora acusam o relator da CPI de ter cedido às pressões do seu partido, o PT, que dúvida! Ora, ora, acabamos de viver, nós, de uma forma ou de outra privilegiados, as consequências do processo do chamado “mensalão”. Vimos o Supremo Tribunal Federal, representante do terceiro poder da nossa democracia, perpetrar desatinos jurídicos sem conta, ao usar, inclusive, uma interpretação inaplicável nas circunstâncias. Tratou-se de um julgamento eminentemente político. Nele o STF curvou-se às pressões da mídia em vez de atentar para os sentimentos da maioria da população, desinteressada do êxito da demanda. Nesta edição leiam, a propósito, a instrutiva coluna de Marcos Coimbra.
Não pretendo afirmar, com isso, que o PT no poder não se portou como os demais partidos. Chegou ao cúmulo de imitar os tucanos dos tempos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso. Sim, portou-se e imitou, mas a maioria dos brasileiros está mais atenta aos resultados dos governos Lula e Dilma. Para a mídia, entretanto, só pesam os interesses da casa-grande, e a determinação apoia-se com firmeza inaudita na desfaçatez e na prepotência, de sorte a me arriscar a um vaticínio: o pedido de indiciamento de Policarpo Jr., este no mínimo, vai naufragar no oblívio. Donde, as raposas podem sossegar.
Há coisas que não entendo. Consta que a história é escrita pelos vencedores, no entanto, na hora de vazar as informações básicas a respeito do seu relatório, o valente Odair Cunha, que, aliás, começou a fraquejar no dia seguinte à divulgação do relatório, entregou o ouro ao Jornal Nacional da Globo. O qual, está claro, nada falou a respeito de Policarpo Jr. No fundo, até os senhores do poder petista, salvo exceções, gostam de aparecer no vídeo global ou nas páginas amarelas de Veja.
Observem: houvesse eleições presidenciais hoje, Dilma Rousseff esmagaria qualquer competidor da oposição. E Lula ganhou anteontem a parada paulistana ao levar Haddad à prefeitura contra o cada vez mais preparado José Serra. Não consigo escapar ao costumeiro diálogo com os meus botões. Será que, neste singular, insólito, quem sabe único país chamado Brasil, os vencedores atuam como perdedores e vice-versa?











Começo a ficar preocupado com determinados argumentos de quem pretende cassar o mandato dos deputados sem cumprir o ritual Constitucional — pelo menos.

Parece aquele truque do sujeito esperto demais que quer se fazer de bobo para ver se os outros não percebem aonde quer chegar…

O truque é dizer que a Lei Maior é confusa. E como tem acontecido recentemente, chamamos o Supremo para resolver a confusão. Alguém tem dúvida do resultado?

Pergunto para qualquer cidadão se há alguma ambiguidade nos parágrafos abaixo:
Diz o artigo 15 da Constituição:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II – incapacidade civil absoluta;
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Já  o artigo 55 da Constituição diz como é este processo:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994)

Não sou advogado. Eu era editor de política em 1988, quando Ulysses Guimarães liderou a Constituição cidadã. O país saía da ditadura militar e escreveu uma Constituição para proteger os direitos do povo e a soberania da nação. Um dos principais  cuidados envolvia a preservação de mandatos parlamentares pois, como nós sabemos, o regime militar adorava fazer contas de chegar no Congresso.

Sempre que a oposição ameaçava ganhar espaço, descobria-se um caso de “subversão” para cassar alguém. Ocorreram cassações individuais. Mas ditadura gosta de listas. Começou no primeiro dia do golpe e não parou mais. Grandes brasileiros, como Rubens Paiva, que seria sequestro, torturado e morto, e até hoje seu corpo se encontra desaparecido, foi um dos primeiros a perder o mandato. Vários outros vieram a seguir. Ou porque pertenciam a organizações de esquerda, ou porque tinham feito um pronunciamento mais duro ou simplesmente porque a ditadura queria exercer o direito de cassar mandatos, fechar o Congresso por uns tempos e assim por diante.

Traumatizados com o passado, nossos constituintes fizeram questão de afirmar, no texto de 1988, o princípio geral de que a cassação de mandatos não é uma coisa boa para o país. A ideia é que deveria ser evitada, pois era um gesto de ditadura.

Note que a primeira frase do artigo 15 é dizer que “é vedada a cassação de direitos políticos.” Ou seja:  se der, não se cassa. Se não tiver jeito,  cassa. É este o “espírito” da lei, pode explicar um advogado. Em princípio, cassar mandato é ruim.

Com essa ideia na cabeça, no artigo 55, eles explicaram quem pode cassar, em quais circunstâncias. Não queriam bagunça. Não queriam interferências externas neste assunto tão dolorosamente sério como a soberania popular.

O nome do Executivo não aparece, claro. Nem o do STF que não é mencionado nem como um lugar para alguém entrar com recurso. Quem cassa é o Congresso. A Câmara, no caso de deputados. O senado, no caso dos senadores. É preciso assegurar ampla defesa, e a votação deve ser secreta, por maioria simples. A mensagem é: só os representantes do povo podem cassar um representante do povo. Outro caso é o da Justiça Eleitoral, encarregada de zelar pelas leis eleitorais. É coerente, mais uma vez, com a vontade de proteger a vontade soberana da população. Mas em todo caso nenhum réu foi condenado por crime eleitoral, certo?

Qual é a dúvida? A confusão? A ambiguidade?

Nenhuma. Há algo para ser “interpretado”?

Não acredito. Faça um teste: leia os dois artigos para um amigo  18 anos de idade e pergunte o que ela entendeu.

Pergunte se ele acha que os constituintes queriam que o Supremo também pudesse cassar parlamentares.

Mas há confusão, ambiguidade, e dúvida em outro ponto. É no respeito às normas da democracia. No respeito à Constituição. Essa discussão só ocorre porque algumas pessoas estão tendo dúvidas perigosas a respeito disso.
Algumas pessoas acham que não fica bem, por exemplo, um sujeito condenado preservar seus direitos políticos. E se ele tiver de ir para a prisão, como fica?

Não “fica bem”?  Então se saiu de uma ditadura para que alguns consultores do bom gosto em política nos expliquem que algumas coisas não “ficam bem” e outras “ficam bem.” Não é a uma questão de boas maneiras. Os legisladores — que elaboram as leis — deixaram claro quem deveria fazer o quê. Não é etiqueta. É democracia. Este é o manual que deve ser cumprido.

O que não fica bem é atropelar a Constituição. Isso é que fica mal. Muito mal.

Não é uma questão de gosto. É aquela vontade de não se submeter a um ritual definido e pré-determinado, amparado em lei, que todos devem respeitar. Muita gente está gostando de um Supremo que parece poder fazer tudo. São aquelas pessoas que desde 2002 só conhecem derrota atrás de derrota nas urnas. Em 2012, ficaram com um pouquinho mais de raiva porque perderam o altar sagrado da prefeitura de São Paulo. O que deixa o pessoal com mais medo quando pensa em 2014. Pensou perder de novo? Puxa, esse povo ganhava desde a chegada de Pedro Alvares Cabral…Então, com o Supremo, eles estão se animando. Não gostam de Geraldo Vandré mas acreditam na volta do Cipó de Aroeira no lombo de quem mandô dá…

Essas pessoas adoram lembrar que em seus oito anos de mandato Lula fez oito nomeações para o STF. Nem todos votaram ao mesmo tempo mas eles tem um peso importante no plenário atual. Este fato deveria ajudar os adversários do governo a reconhecer que Lula usou critérios pouco aparelhados e partidários em suas escolhas, ao contrário do que sempre se diz. Quem dizia que ele não respeitava a autonomia entre poderes?

Hoje, os adversários do governo que respaldam o Supremo.

O fato de ministros nomeados pelo governo do PT assinarem sentenças desfavoráveis ao governo torna a decisão mais justa, mais correta? Não acho.  Não necessariamente. É preciso avaliar objetivamente, evitando maniqueísmos.

Vamos combinar. Até os paraguaios, quando quiseram livrar-se de um presidente eleito, fingiram um pouco mais.

Apresentaram a denúncia ao Congresso e deram duas horas para Fernando Lugo se defender. A acusação era tão falsa como aqueles uísques da década de 60 que todo pai de família de classe média importava de Assunção mas pelo menos se fingiu respeitar um ritual. Este tipo de respeito é necessário. Evita querelas internacionais, denuncias na OEA e outras dores de cabeça que Washington não gosta de enfrentar a não ser em casos extremos. Topa até reescrever a própria história, como fez em Honduras, quando mudou de lado quando isso se mostrou  conveniente. Não deu muito certo em Assunção porque o Brasil reagiu com presteza, mas a Casa Branca logo se alinhou com o “presidente”.

Aqui, nem isso se quer fazer. Possivelmente porque não há maioria, como houve no Congresso paraguaio e também em Brasília, para cassar Dirceu em 2005, com o argumento de que havia ferido o “decoro”.  Não vamos esquecer. Houve um acordo há sete anos, porque se esperava que a cassação de Dirceu (e Roberto Jefferson) seria capaz de aliviar a crise. Até o PT entrou no jogo, por baixo do pano.

Mas e agora, em 2012? A bancada governista, que tem maioria no Câmara e no Senado, vai aceitar o domínio do fato assim, numa boa? Vai bater palmas, sorrir amarelo e fingir que não está vendo nada, nem ouvindo nada? Ninguém sabe.

Estamos falando de três deputados. Quem sabe quatro.

Não se iluda. A experiência ensina: é muito fácil saber como esses jogos começam – e ninguém consegue adivinhar como terminam.

Podem terminar mal. Ou muito mal. Apenas isso.


Ouvi Pedro Serrano, um dos melhores constitucionalistas de São Paulo e você pode ler a entrevista dele aqui:
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/11/18/mandato-parlamentar-e-soberania-do-povo/




CPMI DE CACHOEIRA


A CPMI de Cachoeira e o papel da mídia

Autor: 
  (em seu Blog)

O papel moderno da imprensa, no mundo, tem dois divisores de água.
O primeiro, legítimo, o episódio Watergate, no qual um jornal (The Washington Post), com um jornalismo rigoroso e corajoso, logrou derrubar o presidente da República da
maior Nação democrática do planeta.
O segundo, tenebroso, o processo ao qual foi submetido o magnata da mídia, Rupert Murdoch, depois de revelados os métodos criminosos do seu tabloide, "The Sun", para obter reportagens sensacionalistas.
O crime do The Sun foi ter se envolvido com baixos e médios escalões da polícia para atentar contra o direito à privacidade de cidadãos ingleses.
***
O relatório da CPMI de Cachoeira, traz dados muito mais graves do que os crimes do "The Sun". Mostra ligações diretas entre jornalistas e o crime organizado.
A acusação maior é contra a revista Veja e seu diretor em Brasília, Policarpo Jr. O relatório mostra, com abundância de detalhes, como Policarpo era acionado para derrubar autoridades e servidores públicos que incomodassem Carlinhos Cachoeira, atacar concorrentes do marginal e como encomendava dossiês a ele, muitos obtidos por métodos criminosos.
***
Já em 2008, a série "O caso de Veja" - que publiquei na Internet - mostrava os resultados dessa parceria.
Um esquema aliado de Cachoeira havia sido afastado dos Correios pelo esquema Roberto Jefferson. Jairo (o araponga de Cachoeira) armou um grampo em cima de um diretor, Maurício Marinho, recebendo propina de R$ 3 mil. A gravação foi entregue a Policarpo, que a considerou insuficiente. Providenciou-se outra gravação, aprovada por Policarpo.
Divulgado o grampo, caiu toda a estrutura montada por Jefferson e entrou a de Cachoeira. Vejacompactuou com o novo grupo, mesmo sendo Policarpo conhecedor íntimo do esquema criminoso por trás dele.
Dois anos depois, a Polícia Federal implodiu o novo esquema. E a revista manteve-se em silêncio, preservando Cachoeira.
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Nos estudos sobre as chamadas OrgCrim (organizações criminosas), em nível global, identificam-se braços nos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e também na mídia. O relatório descreve bem as funções da organização de Cachoeira no país.
Cachoeira ajudou a eleger o ex-senador Demóstenes Torres. Veja transformou-o em uma figura política poderosa, com sucessivas matérias apontando-o como o paladino da luta contra a corrupção. Com o poder que se viu revestido por Veja, Demóstenes transitava em repartições, junto a Ministros do Supremo, aumentando o poder de lobby da quadrilha de Cachoeira.
***
Veja é um ponto fora da curva no jornalismo brasileiro. Mas não ficou sozinha nessa parceria com o crime.
Um levantamento sobre as premiações do jornalismo investigativo nas últimas décadas vai revelar como fontes, em muitos casos, lobistas e criminosos da pior espécie.
Não apenas isso. Poderiam ser utilizados como fonte e suas informações servirem de ponto de partida para investigações mais aprofundadas. Mas eram utilizadas a seco, sem passar sequer pelo teste da verossimilhança, sem nenhum filtro, fuzilando reputações e, principalmente, atentando contra o próprio exercício do jornalismo.









Pizzas tóxicas aterrorizam Brasília





Miguel do Rosário

Os capangas entraram em ação.
relatório da CPI do Cachoeira, apresentado esta semana por seu relator, o deputado federal Odair Cunha (PT-MG), enfureceu os barões da mídia, que não perderam tempo. Seus leões de chácara travestidos de colunistas vociferaram pesadamente contra a audácia do parlamentar petista de tocar nos intocáveis.
Todos, todos, todos os capangas gritaram em uníssono. Noblat, Merval, Dora Kramer, Cantanhede, editoriais, manchetes.
Não vou me estender muito sobre o assunto, nem linkar ninguém. Todos dizem a mesma coisa, fazem as mesmas distorções. Vamos elencar as mentiras mais gritantes:
  1. Que a CPI indiciou o tucano Perillo e “poupou” Agnelo. Ora, os próprios jornais onde estes colunistas escrevem publicaram dezenas de denúncias gravíssimas contra o governador de Goiás. Contra Agnelo, não apareceu nada consistente. O Cachoeira foi preso na casa do Perillo!
  2. Que um policial disse que não encontrara nada de ilegal nas conversas entre Policarpo e Cachoeira. A função da CPI é justamente investigar aspectos políticos, o que não compete a um policial comum. O relatório diz, com abundâncias de provas (não há nenhum domínio de fato aqui), que a organização criminosa utilizava a mídia para chantagear políticos e autoridades, visando facilitar seus negócios escusos, e Policarpo era o principal homem de Cachoeira na grande mídia.
  3. Que a CPI fracassou ou acabará em pizza. Uai. A CPI indicia um montão de gente, governador, prefeitos, jornalistas importantes, policiais, altos servidores públicos, e um dos homens mais ricos do país, o proprietário da Delta, Fernando Cavendish. Que pizza é essa?
  4. Que a CPI não acrescentou nada ao trabalho da Polícia Federal. Mentira. A CPI vai entregar à PF e ao Ministério Público milhares de sigilos bancários, telefônicos, fiscais, eletrônicos. A começar do próprio Marconi Perillo. Como assim não acrescentou nada?
  5. Que o relatório da CPI representou uma vingança política contra o julgamento do mensalão. Ué, cadê a curiosidade, a sede por justiça, o espírito ético? A mídia e seus colunistas não estão indignados com o esquema montado por Cachoeira, mafioso goiano, e Demóstenes Torres, senador do DEM, o mosqueteiro da ética?
  6. Condenaram Dirceu porque uma de suas ex-mulheres conseguiu um empréstimo para comprar o apartamento onde mora. Um empréstimo! Enquanto isso Perillo ofereceu sua própria casa ao maior bandido de seu estado, e ninguém fica indignado?
  7. Quanto a Roberto Gurgel, o Jornal Nacional o entrevistou nesta quinta-feira. Vimos um homem debochado, a responder com um sorriso cínico, sem demonstrar nenhum respeito pelo Congresso Nacional e pelo trabalho dos parlamentares que dirigem a CPI.
  8. Disseram que a CPI é instrumento de minoria. Balela. CPI é para investigar corruptos, e a CPI interrogou e investigou Perillo, Cachoeira e Cavendish.
  9. Que a CPI blindou a Delta. Caramba! A Delta foi declarada inidônea pela CGI, por causa das denúncias feitas na CPI, perdeu bilhões em contratos, está sendo processada por diversas instâncias do governo, e não pode mais participar de nenhuma licitação pública. Logo nos primeiros dias da CPI, a presidente Dilma mandou a Casa Civil publicar na internet todos os contratos da Delta com o Executivo. A notícia de que ela ainda é uma das companhias que mais recebe recursos do governo falseia a realidade. Ela recebe por obras já contratadas, em andamento ou já realizadas.

Não cabe à CPI do Cachoeira, à nenhuma CPI, resolver todos os problemas do país. CPI tem de ter foco, e ir fundo nele, e entregar um relatório ao final, que deverá ser encaminhado ao Ministério Público para que este, ajudado pela polícia, faça o seu trabalho, que é investigar.
Agora, é claro que o PT usou a CPI como forma de revidar politicamente ao tratamento que recebeu no mensalão. É do jogo democrático. É a razão de ser da democracia: o povo elege seus representantes também para que estes façam o bom combate político. O sujeito não vota num deputado do PT para vê-lo apanhar de colunistas tucanos. Essa é uma equação simples que a mídia não parece entender. Quando a mídia ataca Lula e o PT, ataca milhões de brasileiros que admiram o ex-presidente e seu partido, e estes mesmos brasileiros, quando votam, quando transferem seu poder para um representante político, o fazem para que este os defendam.
Pelo menos o PT fez o dever de casa e suas acusações são munidas de áudios, vídeos, documentos. Não tem nenhuma ilação, nenhum domínio do fato.

Fonte: www.ocafezinho.com.br 




MENSALÃO: UM JULGAMENTO

Os ministros do STF e as suas
sentenças; simples e ridículo assim


Enio Squeff (*)





Parece haver um certo consenso de que o STF extrapolou, às raias de um golpe, no julgamento da ação 470. A data em que foi marcado o início e o fim do debate da ação, de modo a coincidir com o começo do primeiro e do segundo turno das eleições municipais, convenhamos, por si só, já configuraria uma aberração. Estranha-se que os advogados dos réus não tivessem insistido em adiá-lo. Para uma instituição, que se diz neutra, e que, pela Constituição, deveria sê-lo, o comprometimento político, a partir daí, deixou de ser uma hipótese. A condenação quase unânime dos réus não deveria, sob este aspecto, espantar ninguém. Já estava inscrito na escolha da data do julgamento. Os ministros brasileiros dali em diante inscreveriam seu juízo na máxima de Voltaire, eles "só se serviram do pensamento para autorizar as suas injustiças e só empregaram as palavras, para disfarçar seu pensamento".

Houve coisa igual em qualquer época democrática do Brasil?

Diante da verborragia algo inútil dos senhores ministros - para fazer de conta de que tudo era para ser considerado verdadeiro, sincero - talvez se encontre alguma coisa mais ou menos parecida no ajuizamento das penas a serem brandidas contra os escravos fugitivos nos séculos que antecederam a Abolição. Conjeturar o que virá a seguir, pode ser um exercício kafkiano, ou uma recorrência à mais desvairada fantasia - não terá nada de realmente conseqüente. E o Senado ao qual está de alguma forma afeto o STF - já que é o Senado que pode ou não cassar um ministro -deveria por suas barbas cãs de molho. Fica claro que viveremos num sociedade de vulnerabilidade jurídica sem precedentes na incipiente história da democracia brasileira. Mas fica assim: os ministros se fazem de isentos e nós fingimos que acreditamos.

Valha-nos Nossa Senhora, quem sabe. Na medida em que o ensaio de golpe do STF reduz o Brasil a Honduras e ao Paraguai, dois países que, com todo o respeito, ainda ontem eram ditaduras sem freios, o que advirá talvez só possa ser o pior, ou o mais ridículo dos mundos.

No fundo, deveríamos temer que nos levassem a sério como país. Desde que qualquer jornalista ou jurista estrangeiro resolvesse seguir pari passo a ação 470, a premissa da data do julgamento já levaria um observador isento, a considerar especioso o aprofundamento do estudo da ação. Para ser minimamente objetivo, o tal observador se perguntaria em que recanto do hemisfério, um tribunal imparcial de qualquer país civilizado, aceitaria iniciar uma ação, contra políticos de um determinado partido, justamente às vésperas de uma eleição qualquer. Certamente, só encontraria um país - o Brasil. Somos desmedidamente sérios com algumas coisas, dentre elas o futebol e o carnaval. Talvez nos valha que encentemos a ajuizar tais atividades com jurisprudências que nos dêem alguma credibilidade - já que em outras atividades, mais sérias ou realmente sérias, a essas alturas, não temos muito a acrescentar.

A questão, na verdade, nos humilha. Beethoven tinha uma franca desconsideração pela Áustria que o abrigou desde a juventude ( tinha nascido em Bonn, na Alemanha). Dizia, sem rebuços, que enquanto tivessem salsicha e cerveja, os austríacos adiariam sine die a sua revolução. Não tinha os austríacos muito em alta conta e, de fato, as seguidas surras que os exércitos austríacos levaram de Napoleão, no inicio o modelo "par excelence" do revolucionarismo então vigente, davam uma razão genérica ao compositor. Mas eram tempos de guerras. E Beethoven certamente exagerou na forma derrisória com que julgou os austríacos em face da Revolução de 1789 na França.

O caso brasileiro, talvez, risivelmente, seja pior. Nem menos superamos uma ditadura, deparamo-nos com vários tipos de tentativa de golpe. Seria de se lembrar a eleição de Collor, com a manipulação escandalosa da mídia - sempre ela? Seria de se rememorar que o ex-presidente que sofreu o impeachment encontrou o beneplácito deste mesmo tribunal que hoje faz de conta que se redimiu e que, por fim, decidiu jogar duro contra políticos? Se era para ser isso, por que exatamente começar com alguns políticos, e não com todos? E por que a data do início de tudo, justamente durante o período pré- eleitoral? Será que isso é para ser levado realmente a sério? Evidentemente que não, embora se dê, como certa, a tragédia da prisão de inocentes.

O incrível, contudo, do julgamento do chamado "mensalão"é que até gente de esquerda diz e repete de que "alguma coisa houve", como se isso dispensasse o que, afinal ficou consagrado, já na marcação da data do início do julgamento da ação 470: a necessidade de provas concretas para condenar os réus.

Em 1762, ano que marcou o centenário do massacre dos huguenotes na França, um protestante foi supliciado e morto sob a acusação de ter matado o próprio filho. O julgamento foi feito sob a pressão da opinião pública francesa, majoritariamente católica e que considerou procedente a acusação de que o pai matara o próprio filho, já que este se dispusera a adotar a fé católica, contra a vontade de Jean Calas - que este era o nome do homem, que se dizia inocente e que foi morto, "por suspeitas". Voltaire soube do caso e se esforçou o quanto pôde para provar a inocência de Calas. Não adiantou - os juízes, muito convictos de que o suspeito era realmente culpado, não apenas dispensaram as provas. Recusaram-se a imaginar que as evidências não são suficientes para condenar ninguém.

Não são muitas as semelhanças com a ação 470, mas lá, como cá, o que moveu os juízes - no caso francês, contra a opinião de Voltaire - foram, de novo, as malfadadas "evidências". Para os juízes católicos franceses que seguiam a escolástica", evidências não precisam ser provadas; existem em si. E, no fim das contas, em nome principalmente da intolerância religiosa, foram coerentes e condenaram um inocente. Em relação ao julgamento do mensalão, não parece ter havido intolerância alguma. Ao marcar o julgamento da ação 470 para antes das eleições, os juízes do STF, disseram ao que vieram - nada de intolerância - pura e simplesmente a decisão de interferirem no pleito. Na França foi o pior que existe - que é o princípio da intolerância. No Brasil não parece ter sido isso de modo algum. Foi antes o desejo de influenciar nas eleições. O resto foi o que tinha de ser feitos: as sentenças suntuosamente severas.

Simples e ridículo, assim.




Enio Squeff é artista plástico e jornalista.


Fonte: Agência Carta Maior

JUDICIÁRIO


E agora Joaquim? A encruzilhada de um juiz






Saul Leblon, no Blog das Frases



Joaquim Barbosa assumiu a presidência de uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileira.

Monocraticamente, como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor da mídia conservadora, e de seu jogral togado --à exceção corajosa do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente retrógrados da sociedade brasileira --os mesmos cuja tradição egressa da casa-grande deixaram cicatrizes fundas no meio de origem do primeiro ministro negro do Supremo.

Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida.

Eficiente no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012. 

Fez pas de deux  de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçável do procurador geral, Roberto Gurgel -aquele cuja isenção exortou o eleitorado a punir nas urnas o partido dos réus.

Num ambiente de aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o relho irrecorrível no rosto. Pronto. Era correr para o abraço dos jornais do dia seguinte ou antes até, na mesma noite, no telejornal de conhecidas tradições democráticas.

Provas foram elididas; conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das redações --o famoso 'domínio do fato'; circunstâncias atropeladas; personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos, mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de Barbosa (leia:'Policarpo & Gurgel: ruídos na sinfonia dos contentes'); tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido.

O anabolizante midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência e hostil à razão argumentativa --como experimentou na pele, inúmeras vezes, o juiz revisor.

Consumada a meta, o conservadorismo e seu monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada histórica.

Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas das redações  e macular a toga suprema com a nódoa do cinismo autodepreciativo.

Arriadas as bandeiras da festa condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz da suprema instância: -- E agora Joaquim?

O mesmo relho, o mesmo 'domínio do fato', o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma pressa  condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536  --vulgo 'mensalão mineiro'?

Coube a Genoíno, já condenado --e também ao presidente nacional do PT, Rui Falcão-- fixar aquela que deve ser a posição de princípio da opinião democrática e progressista diante da encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto imposto ao PT', fixou sem hesitação o ex-guerrilheiro do Araguaia, no que é subscrito por Carta Maior.

Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.

Se dispensar ao chamado mensalão do PSDB o mesmo tratamento sem pejo imposto ao PT na Ação 470, sentirá o relho que empunhou voltar-se contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte.

Tampouco terá o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha --e dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino do procurador -geral.

Ao revés, no entanto, se optar pela indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade, o escárnio do judiciário, o desprezo da história --e o olhar devastador do espelho a cada noite e a cada dia, a martelar: 'E agora, Joaquim?'














A Justiça nos deu o drible da vaca?


Lula Miranda





Trecho final de meu artigo de 1º de outubro intitulado A suprema caricatura, que analisava o caricatural julgamento da Ação Penal 470 no Supremo. 

“Por que o Supremo [e também os jornalistas e os órgãos de imprensa] em vez de jogar para as galerias e apenas condenar, em alguns casos de modo precipitado e sem a devida prova, somente uns poucos graúdos e muitos “mequetrefes” pelos seus supostos crimes, não condena também, e principalmente, aí sim, toda essa prática deletéria e criminosa de “caixa 2” ou as/os “caixinhas” dos partidos políticos [de todos eles – a exceção, talvez, do PSOL e do PSTU] e propõe, em caráter de urgência, a discussão de uma reforma política ao Congresso e ao país? Seria talvez mais honesto. Para assim se tentar coibir essa prática, tão usual e conhecida por todos (hipocrisia à parte), dos arrecadadores ou “operadores” dos partidos políticos que se instalam nas empresas, autarquias e fundações públicas, tal qual cupins, para extorquir/achacar empresários e assediar e intimidar funcionários de carreira, carcomendo assim a estrutura da coisa pública e a integridade dos homens. Dessa forma, aí sim, o Supremo estaria, de modo soberano, cumprindo o seu papel de melhorar as instituições e a sociedade.

Caso contrário, ao final desse triste “espetáculo”, perceberemos constrangidos, que todos nós, os bem intencionados, a que tudo aplaudimos, de pé e entusiasticamente, fomos, sem o saber, cúmplices inocentes da criminosa hipocrisia com a qual nos enganamos desde sempre. Hipocrisia, lastro bastardo dessa falsa moral com a qual nos embriagamos e nos fartamos.”


Eis que a Justiça, ao que parece, deu o famoso “drible da vaca” no povo brasileiro libertando da prisão o réu Carlos Augusto Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, condenando-o à “rigorosa” pena de 5 anos de prisão em regime semiaberto.

Ao passo que essa mesma Justiça condenou, recentemente, os petistas José Dirceu e Delúbio Soares a penas de prisão, em regime fechado que, somadas resultam em quase duas décadas de “xilindró”.

Alguém já disse que no Brasil só vai preso preto, pobre, puta e agora, petista. Pelo visto o Sr. Cachoeira não se inclui em nenhuma dessas “titulações”.

Como se vê Dirceu e Delúbio são as “cataratas do Niagara” da criminalidade e o tal do Cachoeira uma simples “cascatinha”. Quem quiser que caia nessa. Cascata.

Será que ainda tem gente de pé aplaudindo? Aplaudindo o quê mesmo? O repasto dos hipócritas. Sei...





Lula Miranda é poeta e cronista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda.



Fonte: Agência Carta Maior



SEGURANÇA PÚBLICA

O caso analisado ocorre em São Paulo, relativamente à
segurança pública. Mas, bem sabemos, o problema afeta o Brasil como um todo. O que ocorre lá, ocorre aqui, ali, acolá...



Inversão de valores



Marcos Carneiro (foto), ex-diretor da Polícia Civil de São Paulo, suspeita que homicídios em São Paulo são praticados por policiais.


Miguel do Rosário, em seu blog O Cafezinho
A maior fomentadora de corrupção, a maior violentadora dos princípios éticos mais básicos, no Brasil, é a nossa mídia. Reacionária, corrupta, aética, manipuladora. A nossa mídia não apenas apoiou o golpe militar, ela foi a sua principal articuladora. Reuniões entre golpistas aconteciam em escritórios do Estadão, e Folha e Globo emprestavam suas páginas para todo tipo de diatribe pró-golpista, como foram as manifestações “populares” contra o governo João Goulart, que foram financiadas com dinheiro público, pelos governadores de São Paulo, Minas e Rio, aliados dos jornalões. E foi a ditadura que destruiu a estrutura mínima de combate à corrupção que vinha sendo construída no Brasil desde que Getúlio Vargas instituiu concursos públicos, dentre outras medidas saneadoras.
Tribunais de contas, judiciário independente, auditorias internas, polícia orientada pra combater crimes de colarinho branco, todo o sistema de contrapesos, toda a máquina de investigação, foi desmontada pela mesma ditadura que era sustentada pela grande mídia.
E durante o período democrático, mais uma vez, vimos a mídia sustentando grandes máquinas de corrupção, como foi a privataria, onde vimos a transferência irresponsável de patrimônio público para mãos de aventureiros como Daniel Dantas, estatais européias corruptas e especuladores.
A malandragem continua. Enquanto a mídia faz terrorismo financeiro, em conluio com grandes bancos privados, pra derrubar as ações da Eletrobrás, os mesmos bancos lideram as compras de papéis da estatal.
O pior, no entanto, é outra coisa. É a cumplicidade da mídia com a política de extermínio do governo de São Paulo.
Aí que entra a inversão de valores.
O chefe da polícia civil de São Paulo, Marcos Carneiro de Lima, levanta suspeitas, com base em indícios concretos (não ilações, como virou moda no STF) de que as dezenas de chacinas realizadas nos últimos meses em São Paulo vem sendo cometidas por servidores públicos do governo Alckmin.
Estamos falando de centenas de mortes, em número superior ao que acabamos de ver nos bombardeios de Israel à Faixa de Gaza. Onde estão os paladinos da ética?
A cara de pau não tem limites. Silvio Pereira ganha um Land Rover. Está errado, e merece ser punido. Mas um funcionário da prefeitura de São Paulo, responsável pelo licenciamento de imóveis na cidade, compra (compra, não ganha de presente) uns 60 apartamentos, e ninguém fica escandalizado.
No mesmo dia em que o chefe da polícia civil do estado de Sâo Paulo desnuda a existência de uma milícia fascista e homicida, que faz “justiça” com as próprias mãos, encrustrada dentro do estado, Dora Kramer, principal colunista do Estadão, faz um editorial criticando … Lula!
Não é apenas cara de pau, é safadeza. É falta de vergonha na cara. Falta de ética. Bandidagem midiática.
Não estamos falando aqui de teorias esquizóides, baseadas numa interpretação tropicalista do “domínio de fato”,
e sim na morte de centenas de pessoas, e a criação de um ambiente de extrema insegurança na região mais populosa do Brasil. Deixemos bem claro uma coisa: São Paulo, antes de pertencer a São Paulo, pertence ao Brasil. Na hierarquia dos valores republicanos, a pátria vem em primeiro lugar. Se há montagem de uma estrutura fascista em São Paulo, isso é um crime que merece atenção de todo país.
O mais alto patrimônio de um ser humano é a sua vida. E o mais alto patrimônio de um país é a vida de seus cidadãos. Se há uma onda descontrolada de homicídios em São Paulo, e se a responsabilidade por isso é do governo de São Paulo, este deve ser responsabilizado sem compaixão. Não é função da imprensa fiscalizar e criticar governos?
A corrupção é um crime hediondo. Deve ser combatido impiedosamente. Mas o crime capital sempre será o homicídio, porque só ele rouba uma coisa que não é possível recuperar jamais: a vida. Se temos o governo de São Paulo, através de sua corporação policial, envolvido em ações de extermínio e chacinas, muitas das quais tem características inclusive sociopatas, com fuzilamento aleatório de vítimas, isso é razão para criação de CPIs e impeachment.
Nem venham falar que não podemos falar em politização da tragédia. A falta de politização do problema é justamente o que tem bloqueado o surgimento de respostas consistentes. O problema da segurança pública tem de ser resolvido com inteligência, o que é um ativo que somente o bom e saudável debate político pode fornecer. As condições carcerárias em São Paulo tem de ser melhoradas. É preciso ampliar dramaticamente os programas sociais nas áreas violentas. Estabelecer parcerias verdadeiras e republicanas com todas as esferas de poder. Oferecer melhores condições de trabalho para a polícia militar e para a polícia civil.
Quando a Folha, covardemente, deixa de criticar duramente o governo de São Paulo, o PSDB, José Serra, e o coronel Talhada, que ameaçou um jornalista da própria empresa, então ela é conivente com a matança, com a corrupção, com a injustiça. Seus editoriais sobre ética escorrem para o bueiro de sua hipocrisia.
O governador Geraldo Alckmin, por sua vez, apenas intervêm no debate para confirmar sua responsabilidade. Ele diz somente platitudes idiotas, tipo “matar policial é grave, muito grave”, as quais, todavia, apenas ajudam a incitar a violência, porque mencionadas sem uma necessária contextualização sobre um planejamento estratégico. Vendo que o governo não faz nada para interromper a matança de policiais, os mesmos, desequilibrados pelo terrorismo do PCC,  organizam esquadrões da morte. Alckmin parece apoiar tacitamente essa estratégia, que além de criminosa é burra, porque gera insegurança generalizada, revolta popular por causa das vítimas inocentes, e espírito de vendeta entre a bandidagem, que tem muito menos a perder que policiais ou cidadãos comuns.
Essa é a gestão competente de que a mídia tanto fala? Buracos de metrô, pontes caindo, matança generalizada, espancamento de professores e alunos? A blindagem dos problemas no Bandeirantes pela imprensa paulista dá nisso: problemas se acumulam, autoridades não se mobilizam para resolvê-los, gerando uma explosão de sangue e violência na maior e mais rica cidade brasileira.
No afã de defender o PSDB e atacar o PT, a mídia paulista está conseguindo o contrário, numa dialética bizarra, quase divertida, que apenas um ambiente democrático poderia produzir. Mesmo no poder, o PT continua exercitando diariamente a luta política, como se ainda estivesse na oposição. E o PSDB, mesmo na oposição, engorda e perde agilidade no conforto da blindagem que a mídia lhe oferece.

A IMPRENSA E O CRIME

Quem são e o que fazem os "jornalistas
de Cachoeira"

Najla Passos




Brasília - Desde que o relator da CPMI do Cachoeira, deputado Odair Costa (PT-MG), confirmou, nesta quarta (21), que irá pedir o indiciamento de cinco jornalistas no seu relatório final, imprensa e oposição passaram a atacar a medida, em uníssono, alegando ora afronto à liberdade de expressão, ora o desejo de vingança do PT contra seus algozes no “mensalão”. Uma leitura do relatório revela uma outra realidade. E uma realidade estarrecedora sobre os meandros da imprensa brasileira. Os documentos falam de jornalistas vendendo sua força de trabalho ou o espaço dos veículos em que trabalham para beneficiarem uma reconhecida organização criminosa na prática de crimes. Ou então, associando-se a ela para destruir desafetos comuns dos criminosos e dos seus veículos.

O diretor da sucursal de Veja em Brasília, Policarpo Junior, é a face mais conhecida deste time. Mas o grupo é muito maior. O relatório da CPMI cita nominalmente doze jornalistas que teriam contribuído periodicamente com o esquema criminoso, e acabaram flagrados em atitudes, no mínimo, suspeitas, por meio das quebras de sigilos telefônicos, ficais e bancários dos membros da quadrilha e das empresas, de fachada ou não, que operavam em nome dela. Desses doze, pede o indiciamento de cinco, contra os quais as provas são robustas. Sugere ao Ministério Público Federal (MPF) o prosseguimento das investigações contra os outros sete, com base nos indícios já levantados pela Comissão.

Saiba quem são os jornalistas que, no entendimento da CPMI, devem ser indiciados:

1 - Wagner Relâmpago
Repórter policial do DF Alerta, da TV Brasília/Rede TV, e do programa Na Polícia e nas Ruas – Rádio Clube 105,5 FM - DF . Segundo a CPMI, ele utilizou seu espaço na TV e no rádio para “bater” nos inimigos da quadrilha ou personalidades públicas que atrapalhavam suas atividades criminosas. Em 2011, foram creditados pelo menos três repasses da quadrilha para sua conta pessoal de, aproximadamente, de R$ 300 mil cada. As relações de Relâmpago com Cachoeira foram reveladas por Carta Maior em 30/3, na reportagem Quadrilha de Cachoeira mantinha relações com a mídia. Para a CPMI, Relâmpago incorreu no artigo 288 do Código Penal, o que justifica seu indicamento pelo crime de formação de quadrilha.

2 - Patrícia Moraes
É sócia-administradora e editora de política do jornal Opção, de Goiás. Mantinha interlocução constante com Cachoeira e outros membros da quadrilha. Também recebia pagamentos períodicos do bando, na sua conta pessoal e na do jornal, para “divulgar as matérias de interesse da organização criminosa e fazer oposição e a desconstrução midiática de adversários”, conforme o relatório da CPMI. O documento sugere, inclusive, suspeitas de que o periódico possa pertencer à quadrilha de Cachoeira. Os recursos recebidos pela jornalista somam R$ 155 mil. A CPMI pediu seu indiciamento por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

3 - João Unes
Jornalista e advogado, trabalhou em O Estado de S.Paulo, O Popular, TV Anhanguera e TV Record. Segundo a CPMI, foi um dos jornalistas que receberam as mais vultosas quantias da quadrilha. Foi o idealizador e diretor do jornal online A Redação que, segundo a CPMI, foi adquirido posteriormente pela máfia. A soma dos valores transferidos para ele, conforme diálogos interceptados, chega a R$ 1, 85 milhão. Nem todos os valores mencionados nos diálogos foram comprovados na quebra dos sigilos do jornalista e das empresas fantasmas do bando. A CPMI pede seu indiciamento por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

4 - Carlos Antônio Nogueira, o Botina
Segundo o relatório, ele se apresenta como proprietário do jornal O Estado de Goiás, mas na verdade é sócio minoritário de Carlinhos Cachoeira no empreendimento que, conforme diálogos interceptados, também tem ou teve como sócio o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Botina também é proprietário da empresa WCR Comunicação e Produção e do Canal 5. Sob ordens de Cachoeira, utilizava o jornal para criar fatos políticos, fabricar notícias que pudessem prejudicar adversários ou constranger autoridades, enfim, que beneficiem as atividades da organização. Movimentou vultosas quantias. As maiores delas foram por meio da WCR Produção e Comunicação, que recebeu recursos das laranjas de Cachoeira da ordem de R$ 460 mil, R$ 1,42 milhão e R$ 584 mil, entre outros. A CPMI pede seu indiciamento por formação de quadrilha e lavagem de recursos.

5 - Policarpo Junior
É diretor da sucursal da Veja em Brasília. Segundo o relatório da CPMI, colaborou com os interesses da organização criminosa promovendo suas atividades ilícitas, eliminando ou inviabilizando a concorrência e desconstruindo imagens e biografias de adversários comuns da máfia e da publicação. O relacionamento entre Cachoeira e Policarpo começou em 2004. Apesar de atualmente mídia e oposição considerarem um acinte à liberdade de imprensa sua convocação para prestar esclareimentos na CPMI do Cachoeira, ele depôs na CPI dos Bingos, em 2005, para defender o contraventor, como Carta Maior revelou na reportagem Jornalista da Veja favoreceu Cachoeira em depoimento de 2005, em 28/5. Suas relações com Cachoeira foram fartamente documentadas, como mostram, por exemplo, as reportagens Os encontros entre Policarpo, da Veja, e os homens de Cachoeira, de 10/5, e Cachoeira: “O Policarpo, ele confia muito em mim, viu?”, de 15/5. A CPMI pediu seu indiciamento por formação de quadrilha.

Confira também quem são os jornalistas que a CPMI pede que sejam alvos de mais investigações pelo MPF:

1 - Luiz Costa Pinto, o Lulinha
É o proprietário da empresa Ideias, Fatos e Textos (IFT), que prestou serviços para a Câmara durante a gestão de João Paulo Cunha (PT-SP), fato que acabou rendendo à ambos denúncias por crime de peculato no escândalo do “mensalão”. Cunha foi absolvido por este crime na ação penal 470, que tramita no STF. O processo contra Lulinha tramita na justiça comum. Conforme o relatório da CPMI, O jornalista foi contratado pela organização criminosa de Cachoeira para emplacar matérias favoráveis ao grupo nos meios jornalísticos. Entre fevereiro de 2011 e maio de 2012, recebeu o total de R$ 425 mil da Delta, por meio de transferências creditadas na conta da IFT.

2 - Cláudio Humberto
Citado em diversas gravações interceptadas pela Polícia Federal como uma espécie de assessor de comunicação, ele também foi contratado via Delta, a pedido do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Entre 2011 e 2012, recebeu R$ 187,7 mil, depositados pela Delta na conta da CT Pontocom Ltda, empresa na qual é sócio-administrador desde maior de 2001.

3 - Jorge Kajuru
É apresentador da TV Esporte Interativo. Também recebeu recursos da organização de Cachoeira que, segundo ele, se referiam à patrocínio feito pela Vitapan, empresa farmacêutica ligada ao esquema criminoso. Ele teria recebido do grupo R$ 20 mil, entre 2011 e 2012, em contas das suas empresas e na sua conta pessoal. A CPMI, porém, o isenta de responsabilidades por conduta criminosa.

4 - Magno José, o Maguinho
De acordo com a CPMI, o blogueiro Magno José, o Maguinho, também recebeu recursos da organização criminosa para prestar serviços à quadrilha. Ele é editor do blog Boletim de Novidades Lotéricas, que prega a legalização dos jogos no país. Entretanto, os repasses dos recursos ao jornalista não foram comprovado. Os indícios decorrem do material publicado pelo blog e das conversas dos membros da quadrilha interceptadas pela PF. Portanto, a CPMI optou por não propor seu indicamento.

5 - Mino Pedrosa
Já trabalhou no Jornal de Brasília, em O Estado de S.Paulo, em O Globo, na revista IstoÉ e hoje é editor-chefe do blog QuidNovi. É apontado como o responsável pela deflagração do Caso Loterj, que resultou na queda do assessor da Casa Civil do governo Lula, Waldomiro Diniz. De acordo com conversas interceptadas pela Polícia Federal (PF) entre membros da quadrilha de Cachoeira, ele teria recebido um apartamento e um carro para depôr em favor do contraventor, envolvido no esquema. É responsabilizado também como o autor de denúncias sobre o governo do Distrito Federal, com base em grampos ilegais feitos por Idalberto Matias, o Dadá, membro da quadrilha. E, também, como a pessoa que “vazou” para Cachoeira que a PF preparava a Operação Monte Carlo. A CPMI reconhece, porém, que não obteve provas suficientes para pedir o indiciamento do jornalista.

6 - Renato Alves
É jornalista do Correio Braziliense e editor do blog Última Parada. Segundo o relatório, as interceptações telefônicas revelaram que ele também mantinha interlocução frequente com a organização criminosa. Foi, inclusive, o autor de uma das matérias mais comemoradas pelos integrantes da quadrilha em 2011, que promovia os jogos eletrônicos do grupo pela internet no exterior. Em troca dos serviçcos prestados, Alves recebia presentes e vantagens, como ele mesmo atesta em ligação itnerceptada pela PF. Mas a CPMI afirma que não conseguiu colher provas suficientes de que ele tenha contribuído para a prática de crimes e pede novas investigações.

7 - Eumano Silva, o Doni
É ex-Diretor da Revista Época em Brasília. Também teria prestado importantes serviços à quadrilha de Cachoeira, por meio de reportagens que a beneficiava. A CPMI, porém não encontrou provas conclusivas sobre sua participação no crime e, por isso, sugeriu ao MPF mais investigações.



Fonte: Agência Carta Maior

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Pelo fim do fator previdenciário


Paulo Klias (*)



A maldade foi instituída há treze anos atrás. Atuando na seqüência da famosa Reforma Previdenciária de 1998, o governo FHC encaminhou um projeto de lei ao Congresso Nacional, alterando um conjunto de regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Transformado na Lei n° 9.876/99, o maior prejuízo que a nova medida trazia ficou conhecido como “fator previdenciário”.

O momento era de grande entusiasmo do “establishment” com as recomendações do receituário do neoliberalismo. A previdência social já era objeto de bombardeio cotidiano por parte dos grandes meios de comunicação, embalados por informações falseadas, que os próprios responsáveis do governo deixavam escapar. Déficit estrutural, bomba de efeito retardado, modelo falido e demais figuras do gênero eram as caricaturas que a imprensa utilizava em sua missão de desconstruir o nosso regime previdenciário no imaginário popular.

O plano estratégico obedecia a um cronograma mensal, quando uma nova edição do boletim do Ministério divulgava as contas e a situação da Previdência em nosso País. O enredo implicava a divulgação do novo número bombástico a respeito do “estrondoso déficit previdenciário”, sempre da ordem de vários e assustadores bilhões de reais. Porém, ao misturar alhos com bugalhos, as autoridades do governo acabavam por contribuir para a desinformação a respeito da situação real das contas do RGPS.

Criação artificial da crise da Previdência: os 4 aspectos
O primeiro aspecto dizia respeito aos escândalos de corrupção envolvendo o sistema. Desde as grandes negociatas no atacado, até os pequenos delitos relativos a pagamento de pensões indevidas, óbitos não comunicados, licenças sem base médica justificada e similares. Ora, eram casos que diziam respeito à nossa natureza cultural, à forma particularmente tupiniquim de estabelecer a relação com o poder público. Tinha pouco a ver com a sustentabilidade do regime previdenciário, do ponto de vista de seu equilíbrio atuarial e financeiro. A resposta para esse tipo de dificuldade passaria por medidas de fortalecimento na fiscalização, maior rigor na punição e mais transparência nas informações.

O segundo aspecto referia-se à insistência mal intencionada de somar o conjunto do pagamento de benefícios previdenciários e compará-lo com as fontes de receita. E aí, realmente, aparecia um descompasso. Mas essa diferença estava baseada em uma decisão da Assembléia Nacional Constituinte em 1988, quando se deu um importante passo na direção da inclusão social e da universalização da cidadania. Foi o reconhecimento do direito dos benefícios previdenciários aos trabalhadores do campo, até então excluídos de qualquer acesso ao sistema do INSS. E ao fazê-lo, as contas do RGPS passaram a exibir uma rubrica de despesa, sem que tais beneficiários houvessem contribuído ao longo de sua via econômica ativa.

Apesar de justíssima como medida de política pública, a contabilidade adequada exigia que o Tesouro Nacional realizasse a contrapartida dessa contribuição de cada beneficiário rural, pois a responsabilidade não poderia ser imputada a algum desajuste do regime previdenciário. Aquela havia sido uma decisão da Nação.

O terceiro aspecto consistia na soma agregada das despesas de regimes previdenciários completamente díspares, como o RGPS e os regimes próprios de previdência dos funcionários da União, dos Estados, dos Municípios e dos militares. Por se tratarem de modelos completamente distintos, os valores também destoavam. O INSS sempre apresentou um valor médio de benefícios bem abaixo, quando comparados aos valores pagos aos aposentados e pensionistas da administração direta. Além disso, o Estado tampouco recolhia simbolicamente às contas dos fundos dos regimes próprios a sua cota parte como empregador. Assim, as contas estavam sistematicamente deficitárias.

O quarto aspecto envolvia o “esquecimento” sistemático de valores igualmente bilionários que deveriam estar presentes pelo lado da receita do RGPS, mas não eram contabilizados. E aqui me refiro aos inúmeros casos de isenção de contribuição previdenciária (entidades filantrópicas, clubes de futebol, instituições religiosas, microempresas, etc) e os números escandalosamente bilionários de sonegação conhecida ou dívidas enormes em arrastadas disputas judiciais. Trata-se também de situações em que a responsabilidade não pode ser imputada a um suposto desequilíbrio estrutural do sistema previdenciário.

A criação do fator para reduzir o valor dos benefícios
Assim, em nome do combate a esse falso déficit alardeado aos quatro ventos, começam a surgir as panacéias conhecidas por todos nós. E as sugestões de ajuste sempre sugeriam a busca do equilíbrio a partir da lógica de redução das despesas – ou seja, do corte de benefícios. Durante o período de inflação crônica e elevada, as dificuldades para a realização das maldades eram menores: bastava um reajuste atrasado por alguns dias, com um índice abaixo da correção adequada. E pronto: o valor real dos benefícios estava abaixo do que deveria ser de fato. Era o fenômeno que os livros de economia chamam de imposto inflacionário. O Estado e os grandes agentes econômicos conseguem “arrecadar” mais do que têm direito, apenas com esse tipo de estratégia político-financeira, dos setores que não conseguem se proteger da inflação.

Com a estabilidade alcançada a partir do Plano Real, em 1994, passou a surgir mais dificuldade em escancarar a tão desejada redução do valor dos benefícios. O fator previdenciário caiu como uma luva e veio “legalizar” essa estratégia de colocar no colo dos (atuais e futuros) aposentados e pensionistas a conta de ajuste do sistema. Pelo novo método de cálculo dos valores dos benefícios, os trabalhadores deveriam passar mais anos na ativa para que não houvesse perdas nos valores dos benefícios. Era isso o que se depreendia da aplicação da complicada fórmula constante no anexo da lei. Caso quisessem manter sua expectativa de direitos e se aposentar na idade prevista até então, o fator promoveria redução nos valores a receber dali para frente. Em dimensões expressivas, podendo chegar a perdas de 30% e mesmo 50% do poder de compra dos benefícios.

A extinção do fator de 2010 e o veto de Lula
E assim ficou. Apesar de todo o amplo movimento social contrário à medida, o fator foi incorporado de fato aos cálculos do RGPS. A generalização das perdas previdenciárias continuou, mesmo depois de 2003, quando o partido que mais havia lutado contra a medida chegou ao poder – o PT com Lula Presidente. O fator previdenciário continuou imexível. Já em seu segundo mandato, o governo foi surpreendido pelo próprio Congresso Nacional, que chegou a aprovar o fim do fator previdenciário, ao embuti-lo no texto da Medida Provisória 475/99, que tratava do reajuste dos benefícios. Transformada na Lei n° 12.254/10, a medida atravessou a Praça dos 3 Poderes para receber a rotineira sanção presidencial. Mas Lula, aconselhado pela área econômica, decidiu por vetar o dispositivo que extinguia o fator previdenciário.

Como a maioria das entidades da área sindical e dos aposentados nunca se acomodou face a tal situação, a medida volta novamente agora à agenda política e está na pauta de votação no Congresso Nacional. O Senado Federal já aprovou o PL n° 3.299/08, que extingue o fator previdenciário. E a proposição deveria entrar em votação na Câmara dos Deputados, assim que a ordem do dia for destravada pelas medidas provisórias. Ao que tudo indica há um grande acordo para que seja aprovado um Projeto Substitutivo do deputado federal Pepe Vargas (PT/RS), atualmente Ministro do Desenvolvimento Agrário. Essa proposta alternativa é a que institui a chamada regra dos “95/85”. Isso significa que será estabelecido um pré-requisito mínimo para poder se aposentar, envolvendo a idade da pessoa e o tempo de contribuição. No caso dos homens, um mínimo de 60 anos de idade e 35 anos de contribuição – total de 95. No caso das mulheres, 55 anos de idade e 30 anos de contribuição – total de 85.

O PL em pauta na Câmara dos Deputados
No entanto, há resistência mesmo assim em setores do governo, que temem pelo aumento das despesas previdenciárias. Tanto que sugerem mudar a base de cálculo do valor dos benefícios, que antes era a média dos últimos 36 meses de contribuição. Assim, de acordo com o texto do Projeto Substitutivo em negociação, o valor da pensão passaria a ser calculado com base em 70% do total das contribuições do indivíduo ao longo de sua vida. Restaria ainda uma dúvida jurídica e uma pendência judicial, a ser apreciada pelo STF, a respeito do tratamento a ser conferido às aposentadorias já concedidas sob a vigência do fator desde 1999, que tiveram seus valores injustamente reduzidos.

Ainda que tardia, a correção dessa injustiça social é bem vinda. Não há o que temer pelo equilíbrio das contas previdenciárias. Como já foi demonstrado ao extremo, até o momento atual o sistema está atuarialmente calibrado, no que se refere aos trabalhadores urbanos. O impacto relativo ao passivo dos aposentados rurais é quase nulo, pois todos recebem um beneficio equivalente a um salário mínimo. A grande maioria da sociedade brasileira mantém seus olhos sobre o plenário da Câmara dos Deputados, aguardando pela aprovação urgente do fim do fator. E espera que o gesto do veto presidencial não se repita, como ocorreu tristemente em 2010.




Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.


Fonte: Agência Carta Maior