24 fevereiro 2012

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Carnavalizamos a tragédia



Por  Mino Carta, na Revista Carta Capital

 

Fato e versão. A imagem divulgada pelo II Exército em 1975 e hoje a encenação da Águia de Ouro. Foto: AE
Ao desfilar no grupo especial das escolas carnavalescas de São Paulo, a Águia de Ouro foi muito além da apoteose, carnavalizou a tragédia em nome da paz e do amor. Um dos seus carros evocou Vlado Herzog, assassinado pelo terror de Estado na masmorra do DOI-Codi dia 25 de outubro de 1975. Em uma caixa de vidro erguida no topo do carro entre flores gigantes, mostrou um homem aparentemente enforcado e abandonado na mesma, exata posição em que uma foto oficial exibiu Vlado na pretensão de afirmar seu suicídio.
De vez em quando, no auge do batuque, a personagem levanta-se e cai no samba. Eufórica e competente. A história deveria ser conhecida até nos detalhes miúdos, mas as circunstâncias me induzem à recordação. Vlado chefiava o jornalismo da TV Cultura e, juntamente com seus comandados e alguns amigos, era há tempo apontado como subversivo por um certo Claudio Marques, torpe figura a destilar fel nas páginas de um jornaleco de propaganda chamado Shopping News.
No espaço de uma semana, o grupo todo foi preso sob a acusação de compor uma célula comunista. Uma sombra desliza sorrateira no entrecho, estranho intermediário entre os agentes da repressão e o jornalista, avalista da entrega espontânea deste na manhã daquele sábado 25 de outubro. Torturado, Vlado não resiste, morre antes das 5 da tarde. Apoiada pela imagem forjada que inspira a encenação da Águia de Ouro, a lembrar um títere atirado ao bastidor, o comando do II Exército divulgou a versão do suicídio.
Título do enredo da escola: Tropicália da Paz e do Amor. Contou com a participação de destaques graúdos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Wanderléa, Cauby Peixoto, Fernando Meirelles. Um conjunto de dúvidas me assalta na tentativa de interpretar o evento. Palpita nele algo similar à glorificação do esquecimento? A falta de memória é traço forte da personalidade nacional, mas no caso a impressão se desfaz diante da evidência da lembrança, embora distorcida. Vlado não é um suicida, como a plateia do Sambódromo quem sabe tenha sido levada a imaginar, ele é a vítima de algozes fardados, dos seus mandantes pluriestrelados e da ditadura invocada e provocada pelos vetustos donos do poder.
Abalo-me a crer que aquele carro, aquele específico ao menos, tencione celebrar a índole nacional. Se não ignora os fatos, condena ao oblívio seu lado feroz. Agora pergunto aos meus estupefatos botões a quem aproveitam tanta paz e tanto amor. De saída, meus constantes interlocutores recomendam prudência. Atenção, atenção, o terreno é movediço, dizem, logo alguém sublinhará que você nasceu alhures. Insisto, porém, e os botões se entregam à constatação do óbvio: a pregação de paz e amor serve aos interesses de quem recusa alterações de rota, aos herdeiros da casa-grande. Quanto aos herdeiros da senzala, que fiquem onde estão, resignados, sem dar-se conta da sua própria resignação a ponto de mergulharem na festa de corpo e alma, literalmente, tomados por singular, peculiaríssima alegria.
A homenagem a Vlado Herzog. Foto Marcos Alves/Agencia O Globo
Moral no enredo de 1975: a violência atroz e estulta da repressão fardada. Que perigo representavam para a ditadura aqueles jovens jornalistas, e tantos outros cidadãos que se supunham esquerdistas? Moral do desfile da Águia de Ouro: às favas, no embalo do samba, com o respeito à verdade factual, com o correto conhecimento, com o senso de responsabilidade cidadã, e até estético, no sentido comezinho do bom gosto. Com a mais elementar sensibilidade. Paz e amor, a bem da covardia e da hipocrisia, e que o silêncio se feche sobre as vergonhas do passado como o mar sobre um barco furado.
Dizem haver em atividade uma Comissão da Verdade, mas até agora não se entende a que veio. Uma escola carnavalesca paulista parece oferecer-lhe a pauta: deixemos para lá, paz e amor, isto é Brasil. E qual seria este Brasil? Aquele da maioria rude e ignara, ou aquele da minoria até hoje nutrida pelo preconceito e pelo ódio de classe, e sempre e sempre impune? A outra pergunta os botões não respondem: quantos na assistência do Sambódromo de São Paulo deixaram de entrar no ritmo à passagem da Águia de Ouro?

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O crime organizado, carnaval e futebol

Por mais importante seja a alegria do povo, nas arquibancadas dos estádios e das passarelas do carnaval, uma coisa não pode ser confundida com a outra. A corrupção e o jogo do bicho são atividades criminosas, e devem ser investigadas e punidas.

Conhecidos jogadores de futebol, ídolos do público, como Ronaldo e Neymar, defendem o Sr. Ricardo Teixeira das acusações que lhe estão sendo feitas. Para os dois profissionais, o presidente da CBF é um homem excepcional, que prestou grandes serviços ao esporte, e não deve ser afastado de seu cargo. Ao mesmo tempo, diretores de escolas de samba investem contra o governador Sérgio Cabral, que fez declarações contra a participação dos bicheiros no carnaval carioca. Ora, se se confirmarem as denúncias contra Teixeira e seu sogro, João Havelange, eles poderão ser qualificados como participantes de uma forma de crime organizado. E o jogo do bicho, até que haja leis em contrário, é uma atividade criminosa. 

Por mais importante seja a alegria do povo, nas arquibancadas dos estádios e das passarelas do carnaval, uma coisa não pode ser confundida com a outra. A corrupção e o jogo do bicho são atividades criminosas, e devem ser investigadas e punidas. O episódio nos conduz a pensar um pouco sobre a tolerância nacional para com os que violam as leis. Homens públicos de biografia conhecida se tornam facilitadores de negócios, sob o rótulo genérico de consultores. A atividade de consultores está ligada à especialidade de cada um deles. Um jornalista pode dar consultoria em divulgação de empresas: é sua especialidade. Um engenheiro calculista faz o mesmo, e o mesmo pode fazer um geólogo. Os médicos e advogados são consultores de tempo integral. Mas os lobistas não são consultores: são corretores de negócios – geralmente negócios com o poder público.

Os ídolos do público, jogadores de futebol ou sambistas, vivem em outra dimensão da realidade. Os craques de futebol, principalmente os de hoje, estão afastados da maioria da sociedade. Ganham fortunas, porque, com seu talento, geram fortunas ainda maiores. Fora alguns casos – e Romário é um deles -, distanciam-se das coisas cotidianas e vivem, como é natural, navegando nas nuvens da própria glória. Não deviam, sendo assim, imiscuir-se nas coisas políticas. 

É de se recordar a desastrada declaração de Pelé, a de que o povo não sabe votar, feita ainda durante o regime militar. Recorde-se que grande parte de sua carreira coincidiu com o auge da Ditadura, quando um dos presidentes, Garrastazu Médici, se jactava de ser o maior torcedor brasileiro, a ponto de dar palpites sobre o elenco da seleção e receber a corajosa resposta de João Saldanha: “ao presidente cabe escalar o Ministério, e, a mim, escalar o time”. 

É velha a tolerância nacional para com os bandidos simpáticos. Durante muitos anos reinou, absoluto, como o maior contrabandista do Rio, o célebre Zico, proprietário do famoso Bar Flórida, da Praça Mauá. O bar era o ponto mais conhecido da boemia carioca, freqüentado por prostitutas, marinheiros e malandros. Milionário, Zico era, como todos os sujeitos de sua estirpe, generoso por esperteza, a fim de angariar o apoio de parcelas da população, e financiador de vereadores cariocas. Conta-se que até mesmo Dutra, presidente de sua época, o recebia no Catete. Ao que se sabe, ele nunca foi incomodado pela polícia. 

Estamos em uma fase de saneamento moral na atividade política, com a aprovação definitiva da exigência de ficha limpa aos candidatos aos cargos eletivos. Alguns governos estaduais – e o primeiro deles foi o de Minas – já adotaram a exigência e se comprometem a não nomear quem não possa cumpri-la. Seria bom que as escolas de samba não se deixassem governar por notórios bicheiros, e que o futebol voltasse a ser o que foi no passado. Tudo isso é difícil, mas não podemos esmorecer.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


Fonte: Agência Carta Maior






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No reverso do desenvolvimento regional

Alagoas: as aparências não enganam
Luciano Siqueira

Publicado no Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online)

Do vizinho estado das Alagoas já tive visões diversas – do início dos anos 70 do século passado, quando lá vivi em Maceió e em Santana do Ipanema, na condição de vendedor ambulante e militante clandestino, até sermos presos, Luci e eu, em 1974, aos anos recentes, de passagem, usufruindo da beleza do seu litoral, em férias. Antes, o dever de compreender a realidade local em sua inteireza, parte que era aquele território de toda uma área determinada pelo PCdoB sobre a qual, como dirigente regional, tinha responsabilidade. Hoje, muito de relance, superficialmente, pois ainda que permaneça dirigente do Partido, outra é a distribuição geográfica de responsabilidades.

Pois bem. Ao olhar assim superficial, chama a atenção de quem percorre as cidades praianas, exceto Maceió, de orla exuberante e pungente atividade turística, os sinais evidentes de pobreza e de desigualdade social. De atraso, inclusive político e cultural. As aparências são de que o estado permanece em semi-estagnação, convivendo com bolsões de fausto inseridos num mar de pobreza.

Mas, nesse caso, as aparências não enganam, espelham a dura realidade como ela é. É o que revela reportagem do Valor Econômico, intitulada “Estagnada, Alagoas perde o boom nordestino”.

A razão disso, segundo a reportagem, está na dependência da economia local em relação ao setor sucroalcooleiro, ao que se ajunta a carência de infraestrutura, a pequenez do mercado consumidor e a anemia do poder público incapaz de oferecer contrapartidas à tomada de recursos federais. Ao contrário de Pernambuco – em primeiro lugar no pódio regional -, da Bahia e do Ceará, a capacidade de atração de novos investimentos que diversifiquem a economia alagoana e ampliem as oportunidades de trabalho é perto de zero.

Assim, nos últimos anos – assinala a reportagem -, o Produto Interno Bruto (PIB) de Alagoas avançou abaixo da média do Nordeste, ainda assim puxado pelo crescimento do consumo, na esteira da expansão do crédito e do Bolsa Família, em um modelo conhecido por "renda sem produção". E, conforme dados do Banco Central, Alagoas é o estado segundo colocado no ranking regional do crédito ofertado a pessoas físicas e o último no crédito para empresas.

Em consequência, em cinco anos, Alagoas criou pouco mais de 48 mil empregos, o pior desempenho do Nordeste.

Teoricamente essa realidade se compreende pela ação de uma lei objetiva do sistema capitalista, a do desenvolvimento desigual. Porém politicamente chama as forças vivas locais, perfiladas no campo progressista, a arrostarem o desafio de romper com o crônico subdesenvolvimento.





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Gilmar Mendes despreza a opinião pública

 
Por Wálter Fanganiello Maierovitch
 
Gilmar Mendes
Gilmar Mendes
O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 contra 4 votos, da constitucionalidade das condições de elegibilidade estabelecidas na chamada Lei da Ficha Limpa foi importante na pavimentação do caminho ético na nossa ainda imperfeita democracia representativa.
No entanto, faltam muitas outras medidas de aperfeiçoamento democrático. A começar pelo “recall” (cassação popular de mandatos) contra aqueles que traem os compromissos assumidos com os eleitores em programas que apresentaram como candidatos.
�ntese. O caso mais recente de recall ocorreu na Califórnia, com o afastamento do governador Gray Davis, do Partido Democrata, e a eleição do republicano Arnold Schwarzenegger. Em muitos cantões da Suíça, o recall pode ser utilizado contra os representantes nas câmaras e nos governos cantoneses. Na Constituição russa de 1918, os leninistas conseguiram introduzir o recall e ele permaneceu nas constituições da União Soviética de 1936 e 1977. Para Lenin, num escrito publicado no seu jornal Iskra, editado na Suíça durante seu exílio, um país não é democrático se o eleitor não contar com um instrumento para retomar o mandato concedido ao eleito. O recall recomendado por Lenin acabou introduzido na então Alemanha Oriental, Hungria, Romênia, Polônia, Tchecoslováquia e Bulgária.
No julgamento de ontem, um fato alarmante não pode cair no esquecimento, em especial por ter a Lei da Ficha Limpa nascido da iniciativa de 1,3 milhão de eleitores. Refiro-me ao proclamado, a plenos pulmões, pelo ministro Gilmar Mendes revelando, como já fizera em outra ocasião o ministro Cezar Peluso, que para ele a opinião pública não conta. Da sua lavra é a frase que, colocada num âmbito de Brasil e não regional, é equivocada: “Não se deve esquecer, ademais, que essa tal opinião pública é a mesma que elege os chamados candidatos ficha suja”.
A “tal opinião pública”, quando se está num regime onde todo o poder provém do povo e será exercido em seu nome, pesa sim. E não pode ser desconsiderada quando em conformidade à Constituição (estado de Direito).
No particular, quem pensa como o ministro Gilmar Mendes num estado democrático revela insensibilidade, autoritarismo, arrogância, prepotência e desconhecimento de que um ministro do STF pertence a um órgão do poder e não é agente de autoridade. E sempre convém lembrar que a palavra grega demokratia é composta de demos (povo) e kratos (poder), que significa “poder do povo”. Do povo, e não de Gilmar Mendes.
A respeito de opinião pública nas democracias, lembro de uma definição inspirada na respeitada Hannah Arendt e transcrita no livro intitulado Corrupção e Sistema Político (acabou de chegar às livrarias), de Leonardo Avritzer e Fernando Figueiras (edição Civilização Brasileira-RJ):
“Entendemos em geral por opinião pública uma esfera em princípio acessível a todos, na qual os indivíduos, enquanto membros do público, podem se comunicar de maneira relativamente livre uns com os outros sobre questões que interessam à comunidade. O acesso sem entraves às informações, à liberdade de expressão e à tolerância recíproca de perspectivas compõe essa opinião pública, fórum de comunicação para todos os que dizem alguma coisa ou que querem escutar o que dizem os outros.”
O certo é que a opinião pública vai continuar a pressionar por melhorias e Gilmar Mendes, desde que rasgou súmula do STF para soltar por habeas corpus o banqueiro Daniel Dantas, pode não estar entre os mais confiáveis se feita uma pesquisa de opinião pública.
Pano rápido. Por pressão da opinião pública, talvez consigamos fixar prazo para mandato de ministros do STF e mudar os critérios de escolha.





Fonte: Blog de Luís Nassif 








saúde      SAÚDE     SAÚDE                SAÚDE





Os médicos e os planos de saúde



Por Flávia Lefèvre Guimarães*
Há poucos dias um amigo médico me procurou bastante angustiado. Fora intimado para responder a uma denúncia no Conselho Regional de Medicina. Motivo: negligência? Não. Segundo a empresa de plano de saúde que o denunciou, excesso de zelo. O médico está respondendo por ter prescrito muitos exames para uma paciente com quadro de suspeita de câncer.
É sabido que há muitos anos as empresas de plano e seguro de saúde vêm tratando a classe médica de forma aviltada. Pagam valores irrisórios por consultas e procedimentos cirúrgicos, incompatíveis com a importância que a profissão tem para a concretização do direito universal de acesso e garantia da saúde.
Foi a Constituição Federal de 1988 que instituiu o direito ao acesso universal aos serviços de saúde, estabelecendo que esta garantia passava a ser atribuição do Estado. Surgiu, então, o Sistema Único de Saúde – o SUS, voltado para o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, desenvolvidas pela União, estados e municípios.
Mas todos sabemos da precariedade da rede pública, que termina por empurrar as classes média e alta para o enorme sacrifício financeiro de contratação de planos de saúde, na esperança de serem atendidos dignamente quando estiverem doentes.
A mesma Constituição autorizou que empresas privadas participassem de forma complementar ao SUS, seguindo as mesmas diretrizes. Entretanto, os planos e seguro de saúde vêm marcando sua atuação no mercado como se vendessem serviços supérfluos e não serviços públicos essenciais.
Apesar da clareza da lei, estas empresas são conhecidas pelas práticas desrespeitosas ao Código de Defesa do Consumidor, como tem sido comprovado nos tribunais do país, que têm tido o papel fundamental de impor a elas o dever de arcarem com as despesas relativas a consultas, internações, procedimentos, equipamentos e materiais correspondentes aos atendimentos médicos, ambulatoriais e cirúrgicos.
Considerando o entendimento dos nossos tribunais quanto às práticas muitas vezes abusivas das empresas de saúde, que inclusive tem revertido em condenações ao pagamento de danos morais aos consumidores, é possível que agora elas tenham passado a uma nova estratégia – o constrangimento dos médicos.
É inadmissível que os médicos, com as obrigações e ética a que estão obrigados, passem a orientar o exercício da profissão pelo temor de terem de responder junto aos conselhos de medicina.
O quadro claro de desrespeito que aflora nos tribunais e Procons do país revela que seria fundamental uma atuação mais forte da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no sentido de acompanhar e coibir práticas abusivas voltadas contra a classe médica e que têm significado uma barreira ao cumprimento de direitos dos consumidores de planos de saúde , e também uma violação ao princípio básico de tratamento digno aos doentes.
No entanto, sabemos que a ANS tem sido omissa, uma vez que fiscalizam de forma insuficiente as empresas, e, no processo regulatório, as posições das operadoras têm pesado muito mais do que a dos consumidores e da classe médica.
* Flávia Lefèvre Guimarães, advogada e sócia do escritório Lescher e Lefèvre Advogados Associados, mestre em processo civil pela PUC-SP e conselheira da PROTESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor

Fonte: www.cartacapital.com.br 


sociedade     SOCIEDADE     SOCIEDADE


O extermínio das falas regionais na Globo

por Urariano Mota, em Direto da Redação
Mais de uma vez eu já havia notado que os apresentadores de telejornalismo têm uma língua diferente da falada no Brasil. Mas a coisa se tornou mais séria quando percebi que, mesmo fora do trator absoluto doJornal Nacional, os apresentadores locais, de cada região, também falavam uma outra língua. O que me despertou foi uma reportagem sobre o trânsito na Avenida Beberibe, no bairro de Água Fria, que tão bem conheço. E não sei se foi um despertar ou um escândalo. Olhem: http://globotv.globo.com/rede-globo/netv-1-edicao/v/falta-de-sinalizacao-em-avenida-movimentada-do-recife-traz-perigo-para-pedestres/1772082/
Na ocasião, o repórter, o apresentador, as chamadas, somente chamavam Beberibe de Bê-Bê-ribe. O que era aquilo? É histórico, desde a mais tenra infância, que essa avenida sempre tenha sido chamada de Bibiribe, ainda que se escrevesse e se escreva Beberibe.
Ligo para a redação da Globo Nordeste. Um jornalista me atende. Falo, na minha forma errada de falar, como aprenderia depois:
- Amigo, por que vocês falam bê-bê-ribe, em vez de bibiribe?
- Porque é o certo, senhor. Bé-Bé é Bebê.
- Sério? Quem ensina isso é algum mestre da língua portuguesa?
- Não, senhor. O certo quem nos ensina é uma fonoaudióloga.
Ah, bom. Para o certo erram de mestre. Mas daí pude ver que a fonoaudióloga como autoridade da língua portuguesa é uma ignorância que vem da matriz, lá no Rio. Ou seja, assim me falou a pesquisa:
“Em 1974, a Rede Globo iniciou um treinamento dos repórteres de vídeo… Nesse período a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller começou a trabalhar na Globo. Como conta Alice-Maria, uma das idealizadoras do Jornal Nacional: “sentimos a necessidade de alguém que orientasse sua formação para que falassem com naturalidade”.
Foi nesta época, que Beuttenmüller, começou a uniformizar a fala dos repórteres e locutores espalhados pelo país, amenizando os sotaques regionais. No seu trabalho de definição de um padrão nacional, a fonoaudióloga se pautou nas decisões de um congresso de filologia realizado em Salvador,em 1956, no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no Brasil seria do Rio de Janeiro”. (Destaque meu.)
Mas isso é a morte da língua. É um extermínio das falas regionais, na voz dos repórteres e apresentadores. Os falares diversos, certos/errados aos quais Manuel Bandeira já se referia no verso “Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo”,  ganha aqui um status de anulação da identidade, em que os apresentadores nativos se envergonham da própria fala. Assim, repórteres locais, “nativos”, se referem ao pequi do Ceará como “pê-qui”, enquanto os agricultores respondem com um piqui.
De um modo geral, as vogais abertas, uma característica do Nordeste, passaram a se pronunciar fechadas: nosso é, de “E”, virou ê. E defunto (difunto, em nossa fala “errada”) se transformou em dê-funto. Coração não é mais córa-ção, é côra-ção. Olinda, que o prefeito da cidade e todo olindense chamam de Ó-linda, nos telejornais virou Ô-linda. Diabo, falar Ó-linda é histórico, desde Duarte Coelho. Coisa mais bela não há que a juventude gritando no carnaval “Ó-linda, quero cantar a ti esta canção”. Já Ô-linda é de uma língua artificial,  que nem é do sudeste nem, muito menos, do Nordeste. É uma outra coisa, um ridículo sem fim, tão risível quanto os nordestinos de telenovela, com os sotaques caricaturais em tipos de físicos europeus.
Esse ar “civilizado”de apresentadores regionais mereceria um Molière. Enunciam, sempre sob orientação do fonoaudiólogo, “mê-ninô”, “bô-necÔ”, enquanto o povo, na história viva da língua, continua com miní-nu e buneco.  O que antes era uma transformação do sotaque, pois na telinha da sala os apresentadores falariam o português “correto”, atingiu algo mais grave: na sua imensa e inesgotável ignorância, eles passaram a mudar os nomes dos lugares naturais da região.
O tão natural Pernambuco, que dizemos Pér-nambuco, se pronuncia agora como Pêr-nambuco.  E Petrolina, Pé-tró-lina, uma cidade de referência do desenvolvimento local, virou outra coisa: Pê-trô-lina. E mais este “Nóbel” da ortoépia televisiva: de tal maneira mudaram e mudam até os nomes das cidades nordestinas, que, acreditem, amigos, eu vi: sabedores que são da tendência regional de transformar o “o” em “u”, um repórter rebatizou a cidade de Juazeiro na Bahia. Virou JÔ-azeiro! O que tem lá a sua lógica: se o povo fala jUazeiro, só podia mesmo ser Jô-azeiro.


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A metáfora é o jornalismo

Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
                                                  

O Festival de Cinema que os grandes estúdios de Hollywood geralmente oferecem antes da cerimônia da entrega dos Oscar neste ano nos brinda com duas obras excepcionais – uma com 10 indicações, outra com 11 – inspiradas no mesmo tema.
O artista e Hugo (título americano) são metafilmes – cinema sobre o cinema. Também podem ser entendidos como metáforas sobre as demais artes. Inclusive o jornalismo. Ambos têm a ver com o impacto das novas tecnologias e, apesar da enorme diferença de formatos, estilos e relatos, fazem a mesma aposta na qualidade do conteúdo, no poder da reinvenção, na perenidade da criação artística independente das circunstâncias e das tecnologias empregadas.
O artista foi filmado em preto & branco, sem diálogos falados, apenas escritos, dentro do ritmo e paradigmas do cinema mudo, e focaliza o exato momento (fim dos anos 1920) em que a introdução dostalkies – os filmes falados – transformou radicalmente a cinematografia.
Hugo retrocede no tempo, vai à gênese do cinema, focaliza o seu criador, o mágico e ilusionista Georges Méliès, servindo-se do que há de mais moderno para contar a sua fábula sobre a máquina e o homem: cores deslumbrantes, efeitos especiais, 3D.
Há quanto tempo?
Os críticos de cinema, obviamente, examinam as obras per se, como espetáculo, sua obrigação é levar o leitor à sala de cinema e proporcionar-lhe os elementos subjetivos para tornar inesquecível a experiência. Alguns aproximam os dois filmes, a tentação é irrecusável, legítima.
Mas não é apenas o cinema que está em pauta nessas duas maravilhosas exibições da arte cinematográfica. O díptico foi montado casualmente, não houve combinação entre as produtoras, mas a aproximação é inevitável.
Também as conclusões: a indústria cinematográfica mundial – nela incluindo todos os segmentos profissionais – acredita no negócio, aposta no negócio, e mesmo como negócio consegue enxergar a sua porção de arte. O cinema vem sendo ameaçado há meio século, sobretudo pelos avanços técnicos da TV (agora perigosamente associada à internet). O que se convencionou chamar de “modelo de negócio” foi refeito meia dúzia de vezes, mas a indústria gosta do que faz. Adora filmes. E faz filmes que fazem gostar de filmes. Com qualquer tecnologia, plataforma, gênero e forma de produção.
Não é o que acontece com os comandantes atuais da indústria jornalística mundial. Na sua maioria, eles têm problemas com o jornalismo. As gerações anteriores divinizam a imprensa, fizeram dela uma entidade mítica, mas à medida que foram obrigados a fazer concessões, não a reconhecem mais, até a repudiam. Os primeiros a anunciar o fim dos jornais impressos – portanto, o fim do jornalismo como o conhecemos há 400 anos – foram os seus proprietários. E o fizeram até com uma ponta de euforia.
Há quanto tempo não aparece nos EUA ou Europa um jornal/revista primoroso, voltado para o leitor adulto? Não se sonha mais com o jornalismo perfeito, todos se satisfazem com as sobras.
O cinema é querido por aqueles que o fazem. Bem amado, nota-se. A indústria jornalística tornou-se mal-amada. E não esconde.



































SEGUNDA PÁGINA

OS MILITARES E A MADAME DILMA


Por NANI

















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Espanha e o princípio da reciprocidade

Por Mauro Santayana, em seu blog:

Se, conforme o personagem de Guimarães Rosa, cada um de nós tem os seus seis meses, com as sociedades nacionais ocorre a mesma coisa. Em tempos recentes, e as causas são conhecidas, o Brasil passou por momentos amargos, e centenas de milhares de brasileiros se dispersaram pelo mundo – do Japão à Irlanda, de Portugal ao Canadá. Era a diáspora econômica, depois da diáspora política dos anos de chumbo.



Uma onda de xenofobia nos atingiu, principalmente na Península Ibérica. Em Portugal, país de que jamais poderíamos esperar uma atitude dessas, fomos rechaçados como leprosos morais. Foi necessária uma combinação diplomática hábil, entre firmeza e paciência, conduzida, nos momentos mais agudos, pelo Embaixador José Aparecido de Oliveira, que contou com as personalidades políticas mais responsáveis daquele país – entre elas e, em primeiro lugar, Mário Soares – a fim de que o repúdio aos brasileiros se amenizasse.

Dos espanhóis, a quem não nos ligavam os mesmos sentimentos afetivos, recebemos tratamento igual, mas que não nos doeu, naquele momento, tanto quanto o daqueles de quem herdamos a língua e a nossa forma de sentir o mundo.

Na época, muitos brasileiros lembraram, menos como cobrança histórica, mas com perplexidade, da acolhida que o nosso país sempre deu aos europeus, nas épocas de crise, principalmente aos portugueses, mesmo tendo sofrido, como havíamos sofrido, a brutalidade do colonialismo. Em toda a Europa, a situação foi semelhante. Registremos, com justiça, que - mesmo com o rigor de suas leis a respeito do assunto - nos Estados Unidos, no Japão, e no Canadá, os brasileiros não foram vistos com o mesmo desprezo que sofríamos na Europa.

Os ventos históricos movem as nossas velas, neste momento. As circunstâncias internas e externas, aproveitadas com inteligência pelo governo e pela sociedade brasileira, nos permitiram, até agora, fazer frente à crise internacional, e assegurar relativo crescimento ao país. Os que têm bom senso se esquivam de considerar essa situação como adquirida para sempre. Também contraria a nossa índole transformar os êxitos atuais em manifestações grosseiras de desforra. As lições da História não podem ser desprezadas.

Todos os povos são iguais. O sentimento de patriotismo é positivo, mas não pode ser exercido na xenofobia, no chauvinismo, no preconceito étnico. A nossa diplomacia sempre tratou com cautela o problema dos brasileiros no Exterior. Por um lado, em alguns governos, como os de Fernando Collor e Fernando Henrique, fomos conduzidos pelo complexo de inferioridade, e tentávamos entrar no convívio dos países maiores - como fazem os servidores contratados para as festas – pelas portas dos fundos.

Pelo outro, temíamos, ao tratar de tema tão delicado, que o nosso endurecimento pudesse provocar situações ainda mais difíceis aos nossos compatriotas no exterior. Depois que o Tratado de Schengen foi alterado pelos acordos de Lisboa, de 2007, a situação dos chamados extracomunitários na Europa se tornou ainda mais dramática. A Espanha, Portugal e a Itália exacerbaram o controle da entrada, em suas fronteiras, dos visitantes latino-americanos em geral - e dos brasileiros, em particular. E, convém registrar: o Aeroporto de Barajas, em Madri, destacou-se na brutalidade em reter os turistas brasileiros em suas instalações, principalmente os mais jovens, antes de devolvê-los, sob o látego da humilhação. Muitos eram algemados, e assim mantidos nas dependências policiais, sem comer, nem beber. Ao mesmo jejum eram submetidas as crianças retidas.

Em 2007, mais de 3.000 brasileiros já haviam sido repatriados dos aeroportos espanhóis, com um prejuízo, só em passagens, de mais de 6 milhões de dólares. Em 2008, foram 2.196. Em 2009, 1.714. Em setembro de 2010, ocorreu a segunda Reunião Consular de Alto Nível entre os dois países, mas nada mudou. Naquele ano foram expulsos mais 1.695 brasileiros.

O governo atual, que procura solucionar problemas antigos, entre eles, os da corrupção no Estado, decidiu reexaminar a questão. O Itamaraty vinha tentando, com a paciência tradicional da Casa, resolver o problema com as autoridades espanholas, sem qualquer êxito. Reuniões se fizeram em Madri e foram feitas promessas, nunca cumpridas.

Diante de tudo isso, a Chancelaria decidiu exercer, na defesa de nossos compatriotas, o direito e o dever da reciprocidade. A partir de dois de abril, os espanhóis que vierem ao Brasil deverão cumprir as mesmas exigências que as autoridades espanholas exigem dos visitantes brasileiros. Nenhuma a mais, nenhuma a menos.

Em conseqüência, um movimento de ódio, insuflado pela extrema-direita espanhola, ocupou a internet, com insultos chulos contra o povo brasileiro. Voltaram aos estereótipos: todo jovem brasileiro que chega a Madri é um travesti; toda jovem, uma prostituta. Travestis e prostitutas existem em todas as sociedades, e se essas pessoas mudam de país é porque encontram em seu destino mercado para as suas atividades. E há mais: as organizações internacionais humanitárias denunciam essa mobilização como tráfico internacional da escravidão branca. Moças e rapazes são seduzidos com falsos contratos de trabalho, ou sob enganosas promessas de casamento, para serem submetidos ao cárcere privado, em prostíbulos.

Em princípio, qualquer estado soberano tem o direito de fechar suas fronteiras a qualquer estrangeiro, negando-lhe a entrada, sem explicar sua atitude. Mas é da boa norma, nas relações internacionais, que trate com dignidade o recusado, favorecendo seu contato com as autoridades consulares de seu país, se as houver, e de prestar-lhe a assistência recomendada nas circunstâncias, como alimentá-lo e dar-lhe alojamento decente, enquanto durar a custódia. Não era o que ocorria aos brasileiros em Madri.

Temos sido muito complacentes – em nome dos interesses dos negócios do turismo – com os estrangeiros. Em certo momento, e já no governo Lula, o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, propôs que revogássemos, unilateralmente, a exigência de vistos de turismo para os cidadãos norte-americanos. Felizmente, prevaleceu, na ocasião, o bom senso e a ponderação do Itamaraty de que não devíamos fazê-lo. Agora, o mesmo complexo de inferioridade se manifesta. Em programa de televisão, certa senhora de São Paulo, apresentada como analista de não sabemos bem o quê, criticou a posição brasileira. Somos humilhados e ofendidos pelos espanhóis e devemos, conforme essa senhora, tratá-los com o pão, o sal e as flores da velha hospitalidade. Não só devemos oferecer a outra face aos que nos estapeiam, mas, também, beijar as mãos agressoras.

Vamos receber, com o devido respeito, a partir do segundo dia de abril, todos os espanhóis que chegarem às nossas fronteiras, marítimas, aéreas e terrestres, munidos da mesma documentação que nos exigem em seu país, e submetê-los aos mesmos trâmites imigratórios, mas sem nenhum arranhão aos direitos humanos.

O povo de Cervantes e de Picasso, de Goya e de Lorca, é muito maior do que a facção dos Torquemadas e Francos, e merece o nosso respeito. Mas, até mesmo para que dêem valor à nossa acolhida, os espanhóis honrados sabem que devem cumprir as mesmas normas que cumprimos quando visitamos o seu país. Não merece respeito o povo que não respeita os outros povos, nem lhes exige, em troca, o mesmo comportamento.





O amargo chá do colonialismo inglês







Ao negar as acusações da presidente Cristina Kirchner de que esteja militarizando o Atlântico Sul e rejeitar qualquer solução negociada sobre a soberania das ilhas Malvinas, o governo do premiê David Cameron comprou uma briga complicadíssima, impossível de ser vencida: com seu próprio passado que combinou, com perfeição, a intransigência, o garrote e a libra

A diplomacia britânica ainda conserva desconcertantes sutilezas herdadas do seu passado imperial. Sofismas e negação de evidências são a marca registrada quando se trata de ocultar velhos métodos. No transcurso de dois séculos, os ingleses usaram e abusaram da ingerência política, econômica, diplomática e militar. Possivelmente, mesmo depois do declínio, ainda conservem o modus operandi. 

Para alcançar seus objetivos, os sucessivos governos de Sua Majestade recorreram a invasões, guerras, à desestabilização interna e ao acirramento de conflitos regionais para assegurar sua supremacia em regiões colonizadas. Também, em diferentes épocas, contaram com diversos aliados: presidentes, ministros, chanceleres, generais, banqueiros e mercenários de toda ordem.

Voltemos à guerra de 1982. Quatro anos antes, em 1978, Chile e Argentina estiveram a ponto de entrar em guerra pelo litígio do Canal de Beagle. Ao serem desatadas as hostilidades pelas Malvinas, o governo de Santiago recusou a aliar-se aos seus vizinhos como fez o resto da América Latina, opôs-se à convocação do Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) e absteve-se em todas as votações que condenaram a agressão britânica e o apoio norte-americano. A posição chilena favorecia o Reino Unido e, contudo, os ingleses colocaram o parceiro em evidência, expondo-o a consequências desagradáveis.

Foi a própria mídia estatal inglesa a encarregada de revelar o papel determinante do Chile para a inteligência britânica que teria instalado naquele país um sistema de espionagem eletrônica das bases argentinas em Ushuaia, Rio Grande e Rio Gallego.

Não, não houve qualquer trapalhada diplomática. Essas declarações de "gratidão" não obedeceram aos bons modos britânicos, mas sim à sua prática constante de dividir para reinar, fomentando a ressurreição de antigos eixos geopolíticos, pelos quais cada país se considera inimigo de seu vizinho, em proveito do inimigo de todos eles que costuma ser também o abastecedor de armas. Um cenário felizmente superado na região.

Quando negam as intenções militares, os ingleses parecem ter esquecido que, em 1985, a Argentina protestou energicamente perante a OEA contra uma base aérea no arquipélago. O então ministro das Relações Exteriores, Dante Caputto, garantiu que a conversão das Malvinas numa poderosa base militar constituía "uma grave ameaça à segurança de nossa nação, à paz e à tranquilidade do nosso continente e, por conseguinte, à paz e à tranquilidade no mundo".

O comunicado da Secretaria de Exterior britânica, afirmando que cabe aos Kelpers (como são chamados os habitantes das ilhas) decidirem seu próprio destino (“Eles escolheram a cidadania britânica, têm liberdade para determinar seu futuro e não haverá negociações com a Argentina a não ser que eles assim desejem”), prima pelo sofisma e pela jactância imperial.

Como recorda o historiador Dino Freitas "no século XVII, Oliver Cromwell esmagou a rebelião irlandesa usando tropas escocesas, e colonizou o norte da Irlanda com essas forças, que se ambientaram à região do Ulster, dando origem às raízes do atual conflito anglo-irlandês. Os chamados protestantes irlandeses, de irlandeses não tem quase nada. Com o estabelecimento de uma população de colonos britânicos no Atlântico Sul, os ingleses aplicam a mesma estratégia. Introduzem uma população fanática e cegamente leal para defender seus interesses, já que nunca desejarão ser argentinos".

È previsível saber os futuros desejos dos Kelpers. Cameron, como um pugilista desonesto, procura meter o dedo no olho inchado de seu rival. Se no século retrasado, isso serviu para dominar os mares e o comércio - explorar os recursos naturais e amarrar os povos periféricos na roda dos juros compostos de seus créditos que nunca terminavam de se pagar - hoje os ingleses buscam, além do petróleo, conservar os remanescentes daquele esplendor, alimentando sua moderna indústria bélica e agregando valor a vários setores de sua combalida economia. À América Latina não cabe outra posição que não seja de irrestrito apoio às reivindicações do governo de Cristina Kirchner

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil



Fonte: Agência Carta Maior


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A grande contradição brasileira

O mais grave é que com a obsessão do crescimento estamos minando a vitalidade da Terra. Precisamos de um crescimento mas com uma nova consciência ecológica que nos liberte da escravidão do produtivismo e do consumismo. Esse é o grande desafio para enfrentar a incômoda contradição brasileira.

Mais e mais cresce a convicção, inclusive entre os economistas seja do stablisment seja da linha neokeynesiana, de que nos acercamos perigosamente dos limites físicos da Terra. Mesmo utilizando novas tecnologias, dificilmente poderemos levar avante o projeto do crescimento sem limites. A Terra não aguenta mais e somos forçados a trocar de rumo.

Economistas como Ladislau Dowbor entre nós, Ignace Sachs, Joan Alier, Herman Daly, Tim Jack e Peter Victor e bem antes Georgescu-Roegen incorporam organicamente o momento ecológico no processo produtivo. Especialmente o inglês T. Jack se celebrizou pelo livro “Prosperidade sem crescimento”(2009) e o canadense P. Victor pelo “Managing sem crescimento”(2008). Ambos mostraram que o aumento da dívida para financiar o consumo privado e público (é o caso atual nos países ricos), exigindo mais energia e uso maior de bens e serviços naturais não é de modo algum sustentável.

Os Prêmios Nobel como P. Krugman e J. Stiglitz, porque não incluem explicitamente em suas análises os limites da Terra, caem na armadilha de propor como saída para a crise atual um maior gasto público no pressuposto de que este produzirá crescimento econômico e maior consumo com os quais se pagarão mais à frente as astronômicas dívidas privadas e públicas. Já dissemos à saciedade, que um planeta finito não suporta um projeto desta natureza que pressupõe a infinitude dos bens e serviços. Esse dado já é assegurado.

O que Jack e Victor propõem é uma “prosperidade sem crescimento”. Nos países desenvolvidos o crescimento atingido já é suficiente para permitir o desabrochar das potencialidades humanas, nos limites possíveis do planeta. Então chega de crescimento. O que se pode pretender é a “prosperidade” que significa mais qualidade de vida, de educação, de saúde, de cultura ecológica, de espiritualidade etc. Essa solução é racional mas pode provocar grande desemprego, problema que eles resolvem mal, apelando para uma renda universal básica e uma diminuição de horas de trabalho. Não haverá nenhuma solução sem um prévio acerto de como vamos nos relacionar com a Terra, amigavelmente, e definir os padrões de consumo para que todos tenham o suficiente e o decente.

Para os países pobres e emergentes se inverte a equação. Precisa-se de “crescimento com prosperidade”. O crescimento é necessário para atender as demandas mínimas dos que estão na pobreza, na miséria e na exclusão social. É uma questão de justiça: assegurar a quantidade de bens e serviços indispensáveis. Mas simultaneamente deve-se visar a prosperidade que tem a ver com a qualidade do crescimento. Há o risco real de que sejam vítimas da lógica do sistema que incita a consumir mais e mais, especialmente bens supérfluos. Então acabam agravando os limites da Terra, coisa que se quer exatamente evitar. Estamos em face de um angustiante círculo vicioso que não sabemos como fazê-lo virtuoso sem prejudicar a sustentabilidade da Terra viva.

A contradição vivida pelo Brasil é esta: urge crescer para realizar o que o governo petista fez: garantir os mínimos para que milhões pudessem comer e, por políticas sociais, serem inseridos na sociedade. Para as classes já atendidas, precisa-se cobrar menos crescimento e mais prosperidade: melhorar a qualidade do bem viver, da educação, das relações sociais menos desiguais e mais solidariedade a partir dos últimos. Mas quem vai convencê-los se são violentamente cooptados pela propaganda que os incita ao consumo? 

Ocorre que até agora os governos apenas fizeram políticas distributivas: repartiram desigualmente os recursos públicos. Primeiro garantem-se 140 bilhões de reais para o sistema financeiro a fim de pagar a dívida pública, depois para os grandes projetos e somente cerca de 60 bilhões para as imensas maiorias que só agora estão ascendendo. Todos ganham, mas de forma desigual. Tratar de forma desigual a iguais é grande injustiça. Nunca houve políticas redistributivas: tirar dos ricos (por meios legais) e repassar aos que mais precisam. Haveria equidade.

O mais grave é que com a obsessão do crescimento estamos minando a vitalidade da Terra. Precisamos de um crescimento mas com uma nova consciência ecológica que nos liberte da escravidão do produtivismo e do consumismo. Esse é o grande desafio para enfrentar a incômoda contradição brasileira.

(*) Publicado originalmente no site Adital.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.



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As transmissões do carnaval pela TV e aquilo que não nos é dado ver ou ouvir

Não parece apenas uma leve desconfiança de que a partir do momento em que nos propomos a ver TV, seja para o que for, não se mostre difícil que os competentes comentaristas nos alertem, a todo o instante, de que somos imbecis. Ou cegos, ou surdos.

A transmissão, via TV, dos carnavais dos sambódromos, tanto do Rio quanto de São Paulo, não são, na realidade, o que se vê nos respectivos locais – isso todos sabemos. Richard Wagner (1813-1883), que era um exímio leitor de partituras, e que dispensava as audições físicas das obras, conta que só foi entender alguns aspectos da nona sinfonia de Beethoven, quando a escutou ao vivo, em Paris. A música, o teatro ou os espetáculos das escolas de samba, são eventos para além das telas da TV; por maiores que sejam os aparelhos, elas nunca dimensionam o vento, a presença viva das pessoas e, no que as escolas de samba têm de melhor, fundamentalmente para os ouvidos – não há equipamentos de som que ressoem como nos sambódromos. Dá-se, então, que pensemos que determinada escola será a mais premiada. Mas a “São Clemente” acabará perdendo para a “Vila Isabel” ou, em São Paulo, não será a “Vai Vai” a campeã – mas outra qualquer. O problema, o grande problema parece ser os comentários das transmissões.

Eles quase sempre discorrem a favor da telinha da TV. Dizem que o espetáculo está bonito – mas ninguém está achando feio (mesmo porque o que a transmissão demonstra, dispensa as opiniões em contrário). Quanto às baterias das escolas, não há a menor chance de que se as escute por três ou quatro minutos, sem a interferência de alguém. Haverá sempre a conversa de um dos “tradutores”, sejam das imagens, sejam dos sons. Eles dirão que há um repique interessante no acompanhamento do samba-enredo que não nos é dado escutar, já que o mais importante é que o trabalho dos repórteres repitam o óbvio: que há, de fato, o tal repique, que alguns versos são bonitos e, por fim, mas não finalmente, que as cores da escola se compõem muito bem. E daí que fica sempre a suposição do daltonismo dos espectadores: o azul é preciso se dizer que é azul. E que os belos tons de roxo, vejam senhores telespectadores, são belos tons de roxos. 

A Fundação Gulbenkian, de Lisboa, compõe-se de muitos equipamentos, mas principalmente de um dos “pequenos” grandes museus da Europa. São incontáveis as obras expostas, desde o período da dominação moura, na Península, aos impressionistas franceses. Em seu catálogo, porém, muitos dos comentários sobre as obras de arte, não são quaisquer adendos – mas autênticas descrições para cegos: talvez importe informar que o verde “de Veronese” está justamente num quadro de Veronese – pintor veneziano seiscentista – e que sua cor está realmente entre o verde e o azul – mas haverá algo mais expressivo do que o quadro, além da descrição do quadro?

Miguel de Cervantes no século XVII, já tinha consciência dos truísmos e pleonasmos que enxameavam os compêndios, não apenas de sua época. Talvez, para prevenir os ilustres leitores para o que os esperava, muitos autores faziam uma espécie de “abstract” do que se seguiria Eram redundâncias tão grandes, que Cervantes resolveu imitá-los. Só que, no seu “Dom Quixote”, não se pode conter o riso: a cada capítulo o autor faz um resumo que, não raro, ressalta o óbvio clamoroso que se torna mais engraçado, justamente por isso. Assim, ao tentar reter a curiosidade do leitor Cervantes alerta: “Onde se lê o que se segue”. É a relevância da bobagem, mas de que, modernamente, se inferem muitas outras questões.

Por exemplo: para os telespectadores refestelados em suas cadeiras, talvez não ocorram os níveis de redundâncias a que estão subjugados. Dizer que a bateria faz uma pausa longa, certamente não acrescenta à própria o que todos estão escutando – mas esse é justamente o comentário que mais ocorre. E não para chamar a atenção, demonstrando o fato – mas para que os espectadores vejam e escutem muito menos do que está, por si mesmo, já restringido pela tela da TV.

Talvez, contudo, essa questão –a da obviedade - não seja tão desimportante ou dispensável. A idéia de contraponto – de algo que contradiz uma imagem ou um som – para alcançar uma outra dimensão, pode ser um recurso cênico ou dramático em torno de um discurso que não se propõe à contradição; ou que o dispense pela simploriedade. No cinema mudo, nas cópias sonorizadas que nos chegam, o olhar de Carlitos se enternece com a música que reflete os olhos da jovem na melancolia ou na correspondência do seu olhar, também emocionado. Mas a cena dramática ou francamente trágica, pode ser acompanhada de um música saltitante e alegre. 

Numa bienal de muito tempo atrás, havia uma instalação que raiava sadismo com muito maior contundência do que o comum delas: era uma sucessão de filmes, nunca divulgados para o grande público, de cenas verdadeiras de acidentes aéreos. Ensaiava o mais macabro possível: todos sabiam que no imenso telão que ocupava uma parede de mais de três metros de altura, as cenas dos aviões se despedaçando – em alguns casos, divisavam-se os corpos sendo cuspidos fora das aeronaves – que tudo aquilo era verdadeiro, nada era de mentirinha. O pior, porém, era certamente o que o autor da instalação mais queria – provocar o mais puro pânico nos espectadores. Tudo muito consentâneo, digamos, com as suas autênticas intenções terroristas. O que tornava a cena ainda mais assustadora, horripilante mesmo, não eram vozes ou gritos – mas uma valsa muito amena, até bonita. Ela palpitava em três por quatro o paradoxo dos milhares de mortos – pois os desastres se sucediam uns depois dos outros – uma centena deles, talvez. Sempre ao som de uma valsa. E todos, com aviões de passageiros enormes, desses que carregam dezenas, senão centenas de pessoas.

Não há muito o que concluir. No “Maior Espetáculo da Terra”, como dizem os locutores, a repetirem redundantemente, que os desfiles das escolas de samba, são realmente representações grandiosas, fica-se, apesar de tudo, ou por isso mesmo, num mar de dúvidas. Vivemos um mundo de redundâncias: todos os que gostam de futebol, sabemos que o gol foi belíssimo, que o chute de fora da área encobriu o goleiro numa parabólica perfeita, quase milagrosa. No entanto, precisamos ouvir do locutor que o gol, dado desde fora da área, foi belíssimo? E que encobriu o goleiro, sendo que foi exatamente isso que as várias câmeras registraram?

Não parece apenas uma leve desconfiança de que a partir do momento em que nos propomos a ver TV, seja para o que for, não se mostre difícil que os competentes comentaristas nos alertem, a todo o instante, de que somos imbecis. Ou cegos, ou surdos.

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.


Fonte: Agência Carta Maior