27 julho 2012

STF E O MENSALÃO


Desatemos o nó





Por Mino Carta, na Revista CartaCapital


Wálter Fanganiello Maierovitch critica a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, por ter dito que com o processo do chamado “mensalão” a Nação julgará o próprio Supremo. Segundo o nosso colunista, quem será julgado é o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que denunciou os acusados de participar do esquema criminoso. Procedente ou não a denúncia? Eis a questão.
O fato de que Gurgel mereça a precedência no julgamento da opinião pública não invalida a ideia da senhora Calmon, na qual sinto a constatação em lugar da pressão. Não é que o STF faça jus à confiança coral do povo brasileiro. Nem sempre foi impecável na atuação, pelo contrário. Sem contar os passos em falso dados por este ou aquele ministro. Primeiro entre eles, dentro das composições mais recentes, Gilmar Mendes.

Ayres Britto. Confiamos na batuta do maestro. Foto:Carlos Humberto/SCO/STF

Autoritário até a truculência, Mendes é aquele que chamou às falas o presidente Lula. E denunciou ser vítima do grampo, executado pelos agentes da Abin, de suas conversas com o amigão Demóstenes Torres, escuta que nunca houve e, mesmo assim, resultou no desterro para Portugal do chefe da agência, o honrado delegado Paulo Lacerda, melhor diretor da Polícia Federal das últimas décadas.
Mendes é sócio de um instituto de ensino, a contrariar a Lei Orgânica da Magistratura, que exige dedicação exclusiva, e não hesitou em convocar, na qualidade de professores, colegas do Supremo. Por exemplo, Eros Grau quando ministro. Tertúlias de felizes e pontuais consumidores de pizza, convictos de sua impunidade. Mendes é também acusador de Lula ex-presidente, apontado, um mês depois dos eventos alegados, como autor de pressões para influenciar seu voto no processo do “mensalão”. Foi desmentido inexoravelmente pelo próprio ex-ministro Nelson Jobim, anfitrião do encontro com Lula.
Na reportagem de capa desta edição, Mendes volta à ribalta, e por causa de circunstâncias destinadas a esclarecer de forma decisiva as razões do seu voto contrário ao envolvimento do ex-governador Eduardo Azeredo no “mensalão” das Alterosas. A suspeição de Mendes no processo que se inicia é muito mais que evidente. Talvez não seja o único ministro que a justifica. Veremos o que veremos. De saída, CartaCapital declara confiar na batuta do presidente do STF, Ayres Britto, figura de todo respeito.
Que o nó seja desatado, e não pela espada de Alexandre, o macedônio, é da conveniência da Nação em peso, inescapável juiz dos comportamentos do Supremo diante de uma questão tão crucial na perspectiva do futuro do País, emergente superdotado e até hoje cerceado pelos herdeiros da casa-grande, elite (elite?) prepotente e hipócrita, feroz e covarde. Não é por acaso que o Brasil contou com torturadores eméritos, capatazes e jagunços imbatíveis nos seus misteres. E até hoje é incapaz de negar, pela força da Justiça, a validade de uma lei da anistia imposta pela ditadura civil-militar.
CartaCapital sempre entendeu que o “mensalão”, com o significado de mesada do suborno, nunca foi provado, embora houvesse evidências de outros crimes, igualmente graves. Espera agora por um julgamento digno da Suprema Corte de um país democrático e civilizado, sem excluir de pronto possibilidade alguma.
De sorte a cumprirmos dignamente o compromisso com o jornalismo honesto, ancorado na verdade dos fatos, a partir desta edição passamos a publicar a contribuição de um grupo de professores de Direito da PUC de São Paulo, análise estritamente técnica das condições iniciais e dos desenvolvimentos do processo. Trata-se de um trabalho que alia profundidade à isenção, e que prosseguirá ao longo de toda a demanda. CartaCapital faz questão de diferenciar-se de quem se antecipa à sentença final na impafiosa certeza de ter já identificado executores e mandantes. Esperamos, apenas, que se faça justiça, a bem do Brasil.



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O STF agirá como corte criminal, e não ‘política’






por Pedro Estevam Serrano*

Uma questão que tem ocupado espaços nobres de debate na mídia é a de que se deve o chamado caso do mensalão ter um julgamento técnico-jurídico ou político.
Processos contra os 40 réus do chamado mensalão. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
A rigor o tema é ao menos parcialmente vazio de sentido. A jurisdição como função constitucional do Estado é uma função sempre política, pois trata-se de uma das atividades fundamentais  que se realizam pela possibilidade do uso legitimo da violência para fazer valer suas determinações.
Por outro lado, essas mesmas determinações são produzidas por seus agentes, os magistrados, não com fundamento em sua vontade autônoma, mas sim com fulcro na vontade heterônoma da lei, como forma de solução definitiva de conflitos de interesse, e neste aspecto são técnico-jurídicas por excelência, ou seja, o poder político é exercido através e submisso ao direito e não ao largo dele. É assim que funciona o chamado Estado de Direito.

Mas a expressão “político” não tem sido usada por alguns formadores de opinião nesse sentido que expressei acima. Em essência, argumentam que como o julgamento do “mensalão” será realizado pelo STF e este é uma corte constitucional, e não um tribunal comum, tal julgamento deve se dar com a busca de um equilíbrio entre o juízo que emana do processo e a satisfação da chamada opinião pública, pois, segundo esse entender, as cortes constitucionais atuam com uma esfera de agir autônomo maior que a dos juízes comuns na interpretação da lei. Este o sentido da expressão “julgamento político” que parcela da mídia quer ver realizado no caso do “mensalão”.
Tal opinião expressa um efetivo desconhecimento das competências constitucionais e da natureza jurídica-institucional de nossa Suprema Corte.
De forma sintética, nos limites que possibilita um texto jornalístico, podemos afirmar, grosso modo, que dois modelos de jurisdição constitucional foram conformados no primeiro mundo desde o surgimento do Estado Constitucional de Direito.
A jurisprudência norte-americana, a partir do clássico Caso Marbury vs. Madison, construiu seu sistema de controle de constitucionalidade pelo chamado judicial review, ou seja, a constitucionalidade das leis é controlada pelo exercício corrente da atividade judicial comum. A partir de casos concretos de conflitos entre pessoas, as leis podem ser declaradas inconstitucionais.
Como há naquele país a figura jurídica do precedente, que obriga os órgãos judiciais a adotar as decisões anteriores de tribunais superiores em casos semelhantes, a decisão da Suprema Corte que declara inconstitucional uma lei num caso concreto acaba tendo efeito para toda a sociedade.
Já na Europa continental a forma historicamente construída de controle de constitucionalidade das leis foi outra, iniciando-se na Constituição Austríaca de 1920, aperfeiçoada por emenda de 1929, por inspiração de um dos maiores juristas do direito contemporâneo, Hans Kelsen, e influenciada certamente pelo fato de inexistir nos sistemas jurídicos da Europa continental a figura jurídica do precedente com vinculação de decisões futuras.
No sistema europeu, o controle de constitucionalidade, com as eventuais peculiaridades de cada país, é feito de forma concentrada por um órgão distinto do Poder Judiciário, chamado normalmente de Corte Constitucional, ou seja, as leis tidas como inconstitucionais têm seu controle realizado em abstrato, sem estar relacionado ao julgamento de um caso judicial concreto, por um órgão não integrante da estrutura do Poder Judiciário.
Na concepção de Kelsen, as cortes constitucionais teriam assim um papel de legislador negativo mais que de juízes, revogando leis tidas como inconstitucionais.
Daí surgem as concepções doutrinárias, mal compreendidas por parcela de nossa mídia, que atribuem à jurisdição constitucional um caráter mais político do que técnico-jurídico, a partir da visão que as normas constitucionais seriam dotadas de uma inafastável amplitude e vaguidade semântica que exige de seu aplicador mais que uma mera interpretação técnica, aproximando-a mais da atividade política do legislador que daquela do juiz comum.
Divergimos desse ponto de vista que vê tamanho poder do aplicador da norma constitucional na formulação de seu sentido, por entendê-lo superado no atual momento do pensamento jurídico, mas a questão da natureza constitucional do julgamento do mensalão não exige ingressar neste debate para ser deslindada.
Nossa Constituição adotou um modelo híbrido de controle de constitucionalidade entre os sistemas norte-americano e europeu, podendo ser realizado tanto de forma abstrata quanto no julgamento de casos concretos.
E mais: nosso STF, embora realize o controle abstrato de constitucionalidade, é órgão integrante do Poder Judiciário, possuindo além das atribuições de corte constitucional uma série de competências próprias de uma corte judicial comum, como o julgamento de recursos extraordinários em processos comuns, de mandados de segurança contra algumas autoridades federais, o julgamento de alguns processos crimes etc.
O STF não é uma corte constitucional apenas, pois exerce mais funções que o controle de constitucionalidade.
E aí o grande equívoco manifestado em editoriais e artigos de parte de nossa mídia. Ao julgar o caso do mensalão, o STF não estará atuando como corte constitucional, não estará realizando qualquer forma de controle de constitucionalidade, mas sim atuando como uma corte criminal comum, conforme a alínea “b” do artigo 102 de nossa Constituição.
Atuará como órgão de aplicação da ordem jurídica penal, nem se cogitando de exercer o papel supostamente “político” que parcela de nossa doutrina enxerga nas cortes constitucionais.
Das áreas do Direito em que atua nossa Jurisdição, certamente a criminal é a que o magistrado ou a corte julgadora mais deve ter sua decisão amalgamada às provas do processo, ao ponto de em havendo dúvida razoável quanto à autoria ou a materialidade do delito, o réu deve ser julgado inocente. É a chamada presunção de inocência.
A lei penal é, sem duvida, a que menos permite ao intérprete construções subjetivas autônomas em sua interpretação, pois, por ditame constitucional as normas penais devem ser interpretadas restritivamente, salvo quando em benefício do réu.
Querer que o magistrado leve em conta uma chamada opinião pública, que em verdade é a opinião publicada, numa decisão de processo-crime, como forma de mitigar o valor das provas constituídas no processo, mais que uma ofensa a direitos fundamentais dos acusados, é um inequívoco atentado aos valores e princípios mais comezinhos de um Estado Democrático de Direito. Trata-se de querer transformar o julgamento em linchamento.
Cabe, sim, a uma mídia democrática fiscalizar se o STF na fundamentação de sua decisão a realizará segundo as provas do processo e de acordo com nossa ordem jurídica e não procurar substituir a magistratura no exercício de suas funções.

*é advogado, colunista do site de CartaCapital e professor da Faculdade de Direito da PUC-SP



MÍDIA E A BLOGOSFERA

TENTANDO SEGURAR O SOL COM AS
MÃOS



SERRA E A DEMOCRACIA DE DUAS ORELHAS


A verdade, diz um provérbio berbere, é como o camelo: tem duas orelhas. Você pode agarrá-la como lhe for mais conveniente, pela direita ou pela esquerda. Essa parece ser a postura do candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, que prefere a direita. Para quem conheceu o jovem Serra de há quase 50 anos, é um desconsolo descobrir o que o tempo faz aos homens. Não só, como no poema de Drummond, ao abater com sua mão pesada, cobra os anos com “rugas, dentes, calva”, mas também costuma sulcar erosões nas idéias.

José Serra quer calar os blogueiros sujos, e usou o seu partido para isso.

Dois nomes são mencionados, Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. Não preciso expressar a minha solidariedade aos atingidos. O que está em questão – e os dois estarão de acordo com o raciocínio – é muito maior do que eles mesmos  e todos os outros franco-atiradores da internet. O problema real são os limites que querem impor à democracia. 

Ao que parece, há uma liberdade de imprensa para uns, e outra, para os demais. Os grandes veículos de comunicação combatem o governo e recebem dele vultosas verbas de publicidade, como é do conhecimento geral.

Alguns poucos blogs, por convicção, defendem o governo federal, mas, conforme o PSDB,  estão impedidos de receber verbas publicitárias das empresas estatais.

Nenhum jornalista brasileiro pode se dar o luxo de não contar, em sua remuneração, qualquer que ela seja, com parcelas, ainda que pequenas, de dinheiro público. O poder público é a base de toda a economia nacional. Ele contrata as empreiteiras, compra das grandes empresas industriais, além de subsidiá-las com incentivos fiscais,  financia as atividades agropecuárias,  paga pelos serviços,  participa do custeio das grandes organizações patronais, entre elas a Fiesp, para ficar apenas em São Paulo.

Assim, indiretamente, participa de todos os gastos com publicidade.

E mais, ainda: quem paga tudo, afinal, é a sociedade e, nela, os que realmente produzem, ou, seja, os trabalhadores. E são os trabalhadores, com parcela de seu suor, que mantêm o enganoso Fundo de Amparo ao Trabalhador que, administrado pelo Estado, por intermédio do BNDES, financiou as privatizações e continua a financiar empresas estrangeiras, como é o caso notório das companhias telefônicas, a começar pela controlada pelos espanhóis.

Em suma, o trabalhador paga pela corda que o sufoca.

Serra, e os que pensam como ele, tentam, como Josué em Jericó, segurar o sol com as mãos, ou, melhor, impedir que a Terra continue rodando em torno de seu eixo e em torno da nossa estrela. A internet é indomável. E, apesar de suas terríveis distorções, como veículo que serve à difamação, à calúnia, à contrainformação, a difusão de atos de insânia – ampliando o que a televisão vinha fazendo – não há, no horizonte das idéias plausíveis, como amordaçar os bytes, imobilizar os elétrons, apagar as telas.

Tudo isso poderá ocorrer com uma tempestade solar, mas nunca pela ação dos estados – a menos que, como tantos sonham, um governo fascista mundial destrua o sistema.

O candidato José Serra e seus correligionários se encontram alheios ao mundo que os cerca. Estão como um francês distraído que, em 10 de agosto de 1792, em um dos muitos cafés do Jardim das Tuileries, tomava placidamente uma baravoise – para os curiosos, mistura de café, conhaque e uma gema de ovo, segundo a receita do libertino Casanova.

Enquanto isso, a multidão invadiu o Palácio Real – de onde, por pouco,  escaparam Luis XVI e Maria Antonieta – e o saqueou. O desconhecido continuou a beber. Todos os que o cercavam fugiram esbaforidos. Na defesa do palácio, morreram seiscentos guardas suíços. O francês distraído estava alheio a tudo, em sua manhã de agosto. Cinco meses depois, o rei e a rainha encontrariam a lâmina da guilhotina.

José Serra e os seus estão pensando em seu outubro, embora estejamos, no mundo inteiro, em tempos semelhantes aos do francês sans souci. Como sempre, o que está em jogo é a mesma reivindicação dos sans culotte: igualdade, liberdade, fraternidade – ou, seja, a democracia real.














COMO TUDO NO BRASIL, A LIBERDADE

DE EXPRESSÃO É PRIVILÉGIO DOS

RICOS





por Rafael Castilho, em seu blog

A crescente participação dos blogs e das redes sociais na difusão de conteúdo jornalístico e de opinião, democratizando o debate político para além dos meios de comunicação tradicionais vem causando arrepios na classe conservadora.

A cada dia, os brasileiros adquirem o habito de buscar fontes alternativas de informação e de reflexão sobre as grandes questões políticas nacionais, ou mesmo sobre a nossa vida cotidiana.

Isso sem falar nos conteúdos de diversão e entretenimento.

A população jovem aprendeu rápido a buscar conteúdo na internet, deixando de depender da programação das tradicionais empresas de comunicação.

Ainda que a velha mídia tenha imensa importância na formação de opinião, a internet (em especial as redes sociais), surgem como fonte alternativa.

Entre outras coisas, as pessoas perceberam que a vida real não se resume à “versão oficial” dos jornais.

Enquanto as redes sociais eram meras concorrentes na geração de entretenimento, os grandes grupos de comunicação se prepararam para a disputa de mercado.

Mas quando as questões políticas nacionais passaram a ser discutidas, contradizendo as grandes manchetes midiáticas, a disputa passou a ser questão de sobrevivência.

Nas últimas eleições, as redes foram responsáveis por “inverter o roteiro” de uma novela que deveria ter um final diferente, caso o debate político eleitoral estivesse ainda entregue aos grandes grupos de comunicação.
Agora, a disputa é pelo poder.

Os grandes interesses da oligarquia estão em jogo.

Para os ricos, a democracia atendia ao propósito de legitimar o poder dos grandes grupos econômicos, porém, acomodando sanha por representação e participação política na sociedade brasileira.

Tampouco interessava à oligarquia governos autoritários e intervencionistas que viessem a limitar as grandes negociatas.

A democracia desenhada pela oligarquia era um grande teatro. O cenário ideal para a manutenção dos velhos privilégios. E a mídia dirigia o espetáculo com maestria, cabendo ao povo o papel de referendar nas urnas o que já estava decidido.

O Brasil ainda não fez mais do que algumas reformas sociais e tênues correções de rumos. Mas isso já foi suficiente para o estresse dos conservadores.

A democratização nos meios de comunicação, pode a médio e longo prazo dissolver a capacidade dos grandes grupos de comunicação “pautarem” a agenda do executivo e do legislativo.
A possibilidade de o Estado criar instrumentos sérios de regulação da mídia é tratada pelos magnatas como um atentado contra a liberdade de imprensa.
Mas ao que parece, a liberdade de expressão deve ser um privilegio apenas dos grandes e ricos grupos de comunicação.
Sem menor pudor, a velha imprensa vem atacando a “blogosfera” e exigindo que o poder público controle as redes sociais, inibindo seu potencial de comunicação com a sociedade.

Não são poucos os editoriais em que os grandes jornais acusam os blogueiros de serem militantes contratados pelo PT.

Muito curioso este protesto.

Ao menos este blogueiro que vos fala, jamais foi filiado ao Partido dos Trabalhadores e sequer militou em suas prestigiosas fileiras.

Além do mais, seria razoável que os grandes órgãos de imprensa fossem também denunciados por apoiarem de maneira escandalosa, desde sempre, o partido que condenou o Brasil à chaga do neoliberalismo.

E por falar em neoliberalismo, a velha imprensa festejou a abertura escancarada da economia brasileira à especulação internacional. Regozijou-se gostosamente defendendo a dilapidação do patrimônio público para empresas gringas que sucatearam os serviços ao consumidor, enquanto recheavam seus cofres. Deu de ombros para a quebradeira da industria nacional que ficou sem condições de competir no mercado internacional.

Mas o interessante, é que este apego às regras de ouro do livre mercado globalizado não se reflete quando o assunto é a concorrência das empresas de comunicação brasileiras com empresas estrangeiras.

Os grandes jornais e televisões se manifestam com veemência em defesa da soberania nacional quando vêem a possibilidade de serem obrigados a concorrer com os grandes grupos estrangeiros.

É pena que não tenha sido da mesma forma quando eles defenderam a quebra do monopólio estatal do petróleo, das telecomunicações e a venda a preço de banana das nossas grandes empresas estratégicas ao interesse especulativo internacional.

E as contradições não param por aí. Os magnatas das comunicações querem impedir uns poucos blogs de receberem publicidade institucional.

Mas a hipocrisia moralizadora da velha mídia, ao tratar dos gastos públicos, omite os bilhões de reais gastos com o dinheiro do contribuinte, por meio de publicidade governamental, para pagar o arrego dos grandes grupos que desde sempre conspiram contra o Brasil.

A liberdade de expressão não pode ser, como tantas coisas no Brasil, privilegio da oligarquia.

Ensaia-se uma ofensiva contra os blogs e a sociedade deve estar consciente deste verdadeiro atentado contra a democracia.




OLIMPÍADAS


Ah, isso só no Brasil mesmo...
Londres e as olimpíadas


Rodrigo Vianna, no blog O Escrevinhador




Claro que Londres tem um belíssimo sistema de transporte público, com metrô cobrindo toda a cidade. E claro que Londres reserva espaço para as bicicletas, em meio ao trânsito de carros que é – sim – quase tão caótico como o das grandes cidades brasileiras…

Mas Londres – que deve fazer uma belíssima (e, pasmem, ensolarada) Olimpíada - também tem seus problemas. Cheguei na última quinta-feira por aqui. Vi obras que ainda não estão prontas, e muitas falhas na sinalização para chegar (de carro ou metrô) ao Parque Olimpíco, onde fica o centro de imprensa. Mais que isso: os voluntários, que deveriam ajudar quem vem de fora, são muito simpáticos mas muitas vezes não sabem indicar o caminho. Mandam a gente prum lado, depois pro outro. E, no final, a gente tem é que se virar sozinho.
Nada demais. Não tira pedaço. E no segundo ou terceiro dia, todo mundo já está sabendo como se deslocar pela cidade.

Mas, ah se fosse no Brasil…

No embarque no aeroporto, ainda em São Paulo, eu estava ao lado de um veterano jornalista, experiente em coberturas esportivas internacionais. Na fila do passaporte, ele comentava comigo: “não aguento mais esses brasileiros que, diante de qualquer probleminha, saem dizendo – ah, esse é o país que quer fazer Copa e Olimpíada…”. E não é que dois minutos depois, a fila parou e, advinhem –  alguém soltou exatamente essa frase… “Esse é o país que quer fazer a Copa…”

Pois bem, nessa terça-feira os taxistas ingleses fizeram um protesto na London Bridge. É mais ou menos como se os taxistas do Rio parassem o acesso ao Pão de Açúcar. Foi uma tremenda confusão. Os taxistas londrinos estão bravos por causa das faixas exclusivas para ônibus e veículos credenciados nas Olimpíadas. Os taxistas londrinos queriam ter o direito de andar nessas faixas, e dizem que elas foram mal planejadas… A imprensa inglesa cobriu o protesto, claro. Mas ninguém saiu dizendo: “que vergonha, a Inglaterra mostra que não tem condição de organizar uma Olimpíada…”.

Hoje, entre uma matéria e outra, dei uma escapada rumo à Foyles – belíssima livraria na Charing Cross… Pra chegar até lá, tive que desviar de uma obra gigante, bem ao lado da estação de metrô em Tottenham Court Road. Um caos: poeira, marteladas e tapumes travando o caminho.

Duas quadras depois, outra obra inacabada na praça principal do bairro do Soho. Os turistas passavam por ali, em meio aos andaimes, e os ingleses se refestelavam na grama pra curtir o solzinho que finalmente brilhou. Mal comparando, é como se na véspera da Olimpíada do Rio a praça Nossa Senhora da Paz em Ipanema estivesse cercada por obras. De novo, ninguém sai por Londres dizendo: “esse país é uma vergonha, não consegue terminar as obras a tempo…”.

Na Foyles, a tal livraria, encontrei um simpático brasileiro trabalhando na cafeteria. E foi ele que me falou: “essas obras inacabadas, se fossem no Brasil, estavam derrubando ministro e governador…”

Não sei se chegaria a tanto. Mas sei que podemos aprender algumas coisas com os ingleses. Uma delas é que não se faz um evento do tamanho de uma Copa ou de uma Olimpíada, sem cometer alguns erros.

Precisamos, sim, melhorar os aeroportos e nossa rede de transporte público para os grandes eventos esportivos. Isso é inegável. Mas muita calma nessa hora. Chega desse papo furado de “isso, só no Brasil mesmo…”.

Ah, falando nisso, há uma coisa que NÃO devemos aprender com os ingleses: jogar os clientes pra fora do restaurante às 11 da noite (não estou falando dos pubs, mas de restaurantes mesmo). Dia desses, depois de levar uma porta na cara em mais um restaurante que estava aberto, mas já com a cozinha fechada, resolvi perguntar pro garçom espanhol: será que nas Olimpíadas eles não vão esticar um pouco os horários pra atender a demanda de tantos turistas e do povo que veio trabalhar no evento? O espanhol sorriu apenas… E respondeu, numa mistura de castelhano e inglês: “eles aqui na Inglaterra não mudam as coisas para agradar quem chega de fora; o mundo é que precisa se adaptar a eles…”

Quem será que está certo? Os ingleses, ou a turma do “ah, isso só no Brasil mesmo”?

Deixo a resposta pra vocês. Agora, chega de conversa. Vou tomar uma cerveja quente ali no pub, antes que feche….


MÍDIA


A crise de credibilidade da velha mídia


Jornais e revistas da velha mídia brasileira fazem reformas gráficas, cobram páginas na internet, dão brindes, mas ficam longe dos principais problemas que os têm levado a essa crise irreversível.

O problema central da decadência da velha mídia é a falta de credibilidade. Não apenas porque tem sistematicamente apostado editorialmente nos candidatos derrotados, como se fossem órgãos dos partidos opositores, mas também porque nem sequer tem, nas suas páginas, o mínimo de pluralismo, que permita aos leitores confrontar pontos de vista distintos.

São os mesmos colunistas, com pontos de vista muito similares, que povoam as chatíssimas páginas da mídia brasileira. (O mesmo acontece no rádio e na tv privados.) A impressão que dão é que seus pontos de vista – nos editorais e nos artigos, muito similares entre si – é que seus argumentos são tão frágeis, que tem medo de se ver confrontados com perspectivas diferentes. Escudam-se então no monopólio dos seus argumentos, como se ainda estivéssemos nos tempos em que ocupavam totalmente o espectro da formação de opinião publica e contavam com governos que concordavam em tudo com eles.

Não haverá recuperação dessa velha mídia, que caminha inexoravelmente para a intranscendência, até porque os jovens não leem mais jornais, usam a internet. A velha mídia oscila entre tentar desqualificar as mídia virtuais ou concorrer com elas.

Nenhum dos dois caminhos dá certo. Com que moral essa velha mídia – que apoiou o golpe militar, com esteve com a ditadura, com o Sarney, com o Collor e com o FHC – vem falar da falta de credibilidade das mídias alternativas? Como querem concorrer, se nas mídias alternativas estão justamente os analistas e as interpretações que eles excluem dos seus espaços?

É uma perda que jornais que já tiveram um papel progressista no passado, tenham se transformado em órgãos de direção politica e ideológica de uma oposição conservadora, sem rumo e sem apoio popular. Que tenham se partidarizado tão fortemente, que editorializem toda a publicação, que percam qualquer interesse para o debate democrático e pluralista.

Mas na verdade a decadência vem de antes, do momento do golpe de 1964. No momento mais significativo da história brasileira, eles ficaram do lado da ditadura e contra a democracia. E nunca fizeram autocrítica. Seu comportamento hoje – e a decadência irreversível em que estão – é, no fundo resultado da opção que fizeram naquele momento. Aquela opção os colocou do lado das elites, contra o povo, sem condições portanto de se identificar com o mais importante processo de democratização econômica e social que o Brasil vive há uma década. 


Por Emir Sader, em seu Blog


NOSSO MUNDO



As autonomias espanholas no olho do
furacão


Madri - Não é só a banca que enfrenta dificuldades extraordinárias na Espanha em crise. Os governos regionais também começaram a acusar o golpe da falta de liquidez que asfixia o Estado em seu conjunto e três Comunidades Autônomas – Valencia, Murcia e Cataluña – pediram nos últimos dias ajuda a Madri para dar conta dos vencimentos de sua dívida pública. A situação é crítica é afeta pelo menos 70% das regiões. A catástrofe financeira põe em questão o próprio modelo de Estado assumido pela Espanha na Constituição de 1978 que serviu para resolver suas tensões nacionalistas internas. O atual governo do Partido Popular, com uma tradição política de escasso apego ao chamado “modelo autonômico” de corte federalista, piora as coisas adotando um autoritarismo não usual com os governos regionais que ameaça despedaçar acordos constitucionais fundamentais.

“Se não cumprirem os objetivos do déficit, nós vamos intervir”, ameaçou em abril deste ano o Secretário de Estado de Administrações Públicas, Antonio Beteta, as autonomias regionais resistentes a cortar o gasto público no pior momento da crise econômica e social que vive a península. A ameaça, publicada imediatamente pelo diário El País, de Madri, despertou uma onda de indignação em todas as regiões que têm identidade nacional própria – País Basco, Catalunha, Galícia, Navarra, Comunidade Valenciana, Canárias – que elevaram seus gritos aos céus ante a mera possibilidade de ocorrer algo inédito na história espanhola recente.

A tensão se tornou finalmente pública no dia 12 de julho passado durante o transcurso da reunião do conselho de Política Fiscal e Financeira, organismo que coordena a política econômica do governo central com os conselheiros de Economia das regiões. O governo do PP endureceu o déficit fiscal máximo autorizado às regiões, com base no PIB de 1,1%, para 0,7% no ano de 2013, o que, na prática, se traduz em maiores cortes de gastos públicos dos governos autonômicos. Madri busca, desse modo, compartilhar o desgaste político que implicam essas medidas impopulares com os governos de cada região. Mas as ameaças de intervenção causaram reticências importantes e nem sequer a liberação do Fundo de Liquidez Autonômica, um instrumento para garantir que os governos regionais possam pagar seus vencimentos de dívida, serviu para colocar panos frios suficientes.

Para compreender a magnitude do que está em jogo é preciso remontar à reforma constitucional de 1978 que aprovou a figura da Comunidade Autônoma para tentar contornar de uma maneira pacífica a disputa entre o Estado central com eixo em Madri, o que sempre desejou a direita mais empedernida, e o estado federal defendido pelas regiões que reivindicam uma identidade linguística e cultural diferente, e que fazem parte de territórios anexados ao Reino da Espanha nos tempos do Império. Durante todo o século XX, a Espanha sofreu enormes tensões internas por conta desse conflito de larga data, que teve sua máxima expressão durante a Guerra Civil entre 1936 e 1939, quando os governos destas comunidades históricas apoiaram em máxima a República que havia lhes concedido pela primeira vez uma ampla margem de autonomia. A ditadura franquista calou os reclamos nacionalistas internos a sangue e fogo e a Constituição de 78 recuperou a figura da Comunidade Autonômica para evitar falar de “federalismo”, uma palavra que deixa a direita mais ortodoxa de pelos eriçados.

Mas o Partido Popular, que expressa grande parte desta visão conservadora do Estado, não digeriu nem assumiu como seu o programa autonômico e sempre tratou de colocar entraves ao mesmo. Isso ficou demonstrado, por exemplo, em 2006, quando o governo do socialista José Luís Rodríguez Zapatero promoveu a reforma do Estatuto de Autonomia para a Catalunha. Só o primeiro artigo que afirmava que “a Catalunha é uma nação” já foi suficiente para despertar fortes reações, levando o tema para os tribunais superiores de justiça que finalmente devolveram a Barcelona uma versão diluída do novo estatuto que não agradou nem a gregos nem a troianos. A crise econômica lança faíscas agora sobre este material inflamável de alta periculosidade. Às tensões políticas geradas pela aplicação de medidas antipopulares e de corte neoliberal somam-se agora as provocadas pelos desejos de intervenção de Madri com o objetivo de controlar as contas públicas.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: www.cartamaior.com.br 




CRISE

NÃO À DESONERAÇÃO DA PREVIDÊNCIA



É impressionante a capacidade do governo em atender rápida e prontamente aos pleitos do grande capital nacional e estrangeiro. Vira e mexe, entra na pauta da negociação política algum item novo ou mesmo requentado, fruto da ação dos lobistas das associações patronais. O objetivo, como sempre, é aumentar os ganhos nas operações das empresas e ampliar o volume da acumulação privada.

Nada contra que cada setor da sociedade se articule e saia a campo para defender seus interesses específicos e corporativos. No entanto, deveria caber aos responsáveis da administração pública a capacidade de filtrar e analisar com mais cautela esse tipo manjado de demanda. Afinal, imagina-se que o prioritário deva ser o atendimento às necessidades da maioria da população e não apenas ficar se rendendo às chantagens ou aos cantos de sereia dos poderosos.

Liberalismo empresarial: crítica ao Estado e pedido de recursos públicos.
O raciocínio é bastante simples, nesse caso. A grande maioria dos empresários deseja a redução de seus custos e a maximização de suas receitas. E ponto final. Pedem todo tipo de ajuda pública para seus empreendimentos, mas fazem cara feia na hora de pagar os tributos devidos em suas atividades. Tanto que há estimativas de que os valores da sonegação fiscal sejam também elevadíssimos em nossas terras. Tudo é realizado sob o manto técnico-profissional do chamado “planejamento tributário” – mero eufemismo para designar os mecanismos para encontrar as brechas que permitam pagar menos impostos. Porém, os representantes do capital estão sempre na fila do BNDES para solicitar empréstimos a juros subsidiados, pressionam para obter benesses tributárias em seu ramo de atividade e gritam por todos os cantos seus lamentos a respeito do famoso “custo Brasil”.

Ora, não há dúvida de que a nossa formação social apresenta heranças históricas e outras características específicas que contribuem para torná-la menos eficiente do que poderia. Os exemplos são inúmeros: o verdadeiro cipoal de tributos existentes entre os 3 níveis da federação (União, Estados e Municípios), o grau excessivo de “cartorialismo” e “regulamentacionismo casuístico”, a tendência do poder público a apresentar empecilhos e dificuldades à ação dos indivíduos e das empresas, entre outros. No entanto, a solução passa por aperfeiçoar esses procedimentos institucionais, tornando-os cada vez mais justos e republicanos. É importante reduzir a regressividade de nossa estrutura tributária, onde os que têm menos renda e menos patrimônio pagam, proporcionalmente, muito mais impostos do que as camadas do alto da pirâmide social. É fundamental melhorar o gasto público e tornar a ação do Estado mais eficiente, de maneira que a gestão pública ofereça serviços de qualidade para a maioria da população. E não apenas ficar papagaiando o discurso pseudo-liberal a respeito da diminuição do tamanho do Estado e da tão propalada redução da carga tributária.

“Custo Brasil” e o salário mínimo: discurso e realidade
A antiga cantilena sobre o suposto elevado patamar dos encargos trabalhistas no Brasil é outro assunto que sobrevoa, de forma permanente, a agenda política. Apareceu uma brecha, alguma autoridade governamental abre o espaço e dá-lhe uma avalanche de artigos, reuniões e seminários sobre o tema. O discurso é monotônico: nosso País estaria a perder competitividade em função desses custos, associados à remuneração da força de trabalho. O curioso é que nas épocas em que a proposta de “flexibilização das regras trabalhistas” era hegemônica, felizmente pouco se conseguiu avançar. Houve muita resistência e as sugestões de acabar com salário mínimo, décimo terceiro salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), alterações estruturais na Previdência Social, remuneração de hora extra, semana de 40 horas e outros direitos não conseguiram avançar muito.

O exemplo mais cristalino da falácia dessa forma viesada de analisar a dinâmica sócio-econômica é o caso do próprio salário mínimo. Está muito presente na memória coletiva a enorme resistência dos empresários e dos governantes em aceitar um pacto social que incorporasse a melhoria das condições de vida de nosso povo e da distribuição de renda via recuperação do valor real do salário mínimo. Não obstante os cálculos do DIEESE demonstrarem quão longe estamos do que valor correto dessa remuneração (em junho seria de R$ 2.383), uma antiga proposta do deputado federal e depois senador Paulo Paim (PT/RS) era alvo de chacota e de ataques políticos. Imaginem a ousadia! Propor que o salário mínimo em nosso País atingisse o equivalente a US$ 100. Que absurdo! Isso iria quebrar o Brasil! Uma verdadeira irresponsabilidade de sindicalista fora de órbita! E por aí seguiam as acusações iradas.

Pois os anos se passaram e aos poucos a política de revalorização do salário mínimo e a melhoria das condições macroeconômicas (auxiliada também pela valorização da taxa de câmbio) fizeram com que o salário mínimo de R$ 622 seja equivalente, hoje em dia, a mais de US$ 300. E nenhuma daquelas previsões catastrofistas se confirmaram. Muito pelo contrário, aliás. O salário mínimo aumentou bastante de valor. E o capital está belo e contente, faturando como há muito não fazia, em razão da ampliação do mercado interno consumidor. Mas se dependesse daquela abordagem liberalóide da flexibilização e da redução dos custos associados ao trabalho, hoje deveríamos estar com salários no patamar dos chineses. De acordo com esse raciocínio perverso e reducionista - aí, sim! – então seríamos uma sociedade economicamente eficiente e competitiva. Uma loucura!

Desoneração da folha: perigo para a Previdência
Pois agora, a bola da vez é a desoneração da folha de pagamento. Os empresários sempre resistiram a que o correspondente a 20% do total de salários fossem recolhidos como a cota patronal para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Na outra ponta, os trabalhadores recolhem 11%. Esse é o modelo que vigora há décadas e que sustenta, apesar de todos os problemas, nosso sistema previdenciário público e universal. É óbvio que são necessários ajustes, pois as dinâmicas econômica e demográfica provocam transformações em nossa estrutura social que devem ser objeto de adequação. Mas a proposta dos representantes patronais sempre foi mais radical: desvincular – de forma definitiva - a obrigatoriedade da contribuição do custo salarial. Há mesmo até quem defenda o caminho da trágica trapalhada em que se meteram o Chile e a Argentina, que chegaram a privatizar os respectivos sistemas de previdência, na toada da onda neoliberal. E depois se arrependeram da bobagem e tentam voltar ao modelo público de seguridade.

Por aqui, infelizmente o governo acabou cedendo a esse tipo de pressão e se submeteu a uma espécie de “experiência de laboratório”. Como se um modelo de elevada sensibilidade social e de efeitos a se fazerem sentir de geração em geração pudesse ser tratado dessa forma leviana e irresponsável, quase na base da tentativa e erro. O fato é que um conjunto expressivo de setores não está pagando mais a contribuição previdenciária da forma acima descrita. Passaram a recolher uma alíquota variável (entre 0,5% e 2%) sobre o faturamento das empresas e o próprio governo reconhecia, em abril passado, que tal medida iria implicar um custo anual extraordinário de R$ 7,2 bi ao Tesouro Nacional. Ou seja, apesar de não haver recursos para todas as demandas de natureza social, mais uma vez se evidencia que sempre sobram verbas para sair em socorro do grande capital.

A generalização da experiência setorial
Pouca gente se deu conta, mas já existem 15 ramos importantes de nossa indústria que estão operando com esse modelo, digamos, experimental. É o caso dos têxteis, móveis, plásticos, material elétrico, autopeças, ônibus, naval, aéreo, bens de capital mecânico, hotéis, fábricas de chips eletrônicos, confecções, couro e calçados, tecnologia de informação e “call center”. A mudança foi totalmente arbitrária e revelou-se um verdadeiro salto no escuro. Afinal, se não ocorrer perda para o regime da Previdência Social, isso significa que as empresas estariam recolhendo o mesmo montante que antes. Ou seja, trocam-se seis por meia dúzia. Mas o risco maior é que o valor total arrecadado sobre o faturamento não seja suficiente para cobrir as despesas do RGPS. E aí, quem vai cobrir esse buraco? Como sempre, os assalariados, os aposentados e o Tesouro Nacional.

As contas do governo continuam completamente obscuras nesse quesito e ninguém sabe ao certo se esse novo modelo de base arrecadadora se sustentará no médio e no longo prazos. E o problema é que o processo de extensão foi acelerado. Aquilo que inicialmente foi lançado apenas como uma experiência, agora - apenas 3 meses depois! - já se apresenta como uma solução supostamente definitiva. No começo de julho, em reunião com a nata do capital na sede da FIESP e com o Grupo de Líderes Empresariais (LIDE), o Ministro Mantega não poderia ter sido mais claro: “Qualquer setor que estiver interessado na desoneração da folha, representado por sua entidade, deve entrar em contato conosco.” E ainda saiu-se com a pérola: “Temos de reduzir o custo da mão-de-obra”.

Previdência equilibrada e os riscos para o futuro
Ocorre que os próprios dados do Ministério da Previdência demonstram que o RGPS está razoavelmente equilibrado. Em 12 meses, o sistema arrecada R$ 257 bi, entre trabalhadores urbanos (R$ 251 bi) e rurais (R$ 6 bi). Pelo lado das despesas, a estrutura contabiliza um gasto total de R$ 292 bi. Tal fato decorre da decisão da Assembléia Constituinte de 1988 de reconhecer a enorme injustiça para com os trabalhadores do campo, até então excluídos do regime. Assim, essa importante parcela da população passou a ser integrante do RGPS e com direito a usufruir de seus benefícios. Com isso, há uma geração que recebe aposentadorias e pensões de apenas 1 salário mínimo, mas sem nunca ter contribuído ao longo de sua vida de trabalho. São quase 9 milhões de pessoas espalhados por todo o País, incorporados minimamente à condição básica de cidadania. Contribuem para o mercado interno e não podem ser responsabilizados pelo discurso demagógico de “excessos de gastos da União”.

Assim, vê-se que isso não tem nada a ver com problemas de ineficiência da Previdência Social. Foi uma decisão importante do País adotada à época e os recursos devem ser contabilizados à conta do Tesouro Nacional. Na verdade, as manchetes garrafais estampando o falso “déficit da previdência social” servem apenas para desacreditar de forma criminosa o modelo. Caso sejam incorporados ainda os valores não pagos por segmentos beneficiados e instituições filantrópicas – além das dívidas judiciais não pagas – o sistema vai muito bem, obrigado. Tanto que o subgrupo dos trabalhadores urbanos é superavitário: arrecada mais do que gasta com benefícios.

O risco da via adotada pelo governo na desoneração da folha é o da política do fato consumado. Se os empresários estiverem satisfeitos com o novo modelo, será difícil realizar uma volta atrás, caso o novo modelo de contribuição se revele incapaz de dar conta de suas destinações para o RGPS. Ao mesmo tempo em que inicia a reforma previdenciária por temas polêmicos e sensíveis de despesa (fator previdenciário, tempo de contribuição, idade mínima, etc), o governo altera profundamente o mesmo sistema pelo lado da arrecadação – as receitas. Mais uma vez, oferece todo o tipo de bondades aos representantes do capital e deixa a conta das maldades para ser paga - no futuro - por trabalhadores, aposentados e pensionistas.



Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte: www.cartamaior.com.br 

MÁFIAS NO PODER


 A Genealogia do Fenômeno Cachoeira


por Luis Nassif


A CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) de Cachoeira contribuirá para trazer luz definitivamente sobre a pior simbiose política-financiamento de campanha desde a redemocratização: a aliança de sucessivos partidos políticos com máfias do jogo, nacionais e internacionais.
Nenhum partido escapou a essa praga, que teve início quando descobriu-se a possibilidade de terceirizar loterias federal e estaduais.
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Quem introduziu essa manobra obscena no país foi Danilo de Castro, presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) no governo Itamar Franco – e, juntamente com seu filho Rodrigo de Castro, dono de uma biografia controversa e que, de certo modo, choca-se com a tradição política de Minas. Danilo tem ligação direta com a Lista de Furnas – de políticos beneficiados por pagamentos da estatal – e aparece nas conversas de Carlinhos Cachoeira com o ex-senador Demóstenes Torres.
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Essas manobras se tornaram possíveis com a introdução dos sistemas eletrônicos de loteria.
Até Danilo, o processamento da loteria na CEF era tocado pela Datamec, estatal. Em 1993, a Racimec convenceu Danilo de Castro a montar um grupo de trabalho de loterias, visando implantar o sistema online real time. Foi formalizado através da Portaria n° 258/93.

Com a desculpa de que o processo precisava ser agilizado, 18 meses antes da abertura da concorrência pública, a CEF alegou inexigibilidade de licitação para adquirir novos equipamentos “de transição” da Racimec, que seriam utilizados para a implantação final do modelo, três anos e meio à frente. No processamento offline das apostas, topou também substituir a Datamec pela Racimec.
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Por trás, da Racime, a Gtech, empresa que dominava o sistema de jogos em Las Vegas e com grande fatia do mercado mundial. No novo contrato, Danilo de Castro Incluiu serviços que sequer haviam sido previstos no edital. E criou uma situação deliberada de dependência tecnológica.
A Racimec continuou operando a loteria da CEF até o final do processo licitatório, que foi concluído em 1997, já em pleno governo FHC.
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O presidente da CEF, agora, era Sérgio Cutollo.
Em 13 de janeiro de 1997, a loteria inaugurou o sistema online, através de um contrato da CEF com a Racimec por um período de 48 meses, até 13 de janeiro de 2001.
A decisão motivou uma ação  ordinária declaratória de nulidade por parte da IT-Companhia Internacional de Tecnologia, alegando que a Racimec detinha informações privilegiadas sobre o novo modelo, já que era responsável pelo sistema of-f-line da CEF e já fornecera equipamentos de sua fabricação necessários para o sistema online.
Através da Portaria PRESI 348/203, a presidência da CEF constituiu uma Comissão de Sindicância, cujo relatório final é devastador.
Constatou que, no nascedouro, o contrato da CEF permitiu uma "verdadeira sociedade" na exploração dos negócios de loterias. Em vez de remuneração dos serviços, o contrato permitia a remuneração mediante pagamento de participação ou comissão, dividindo os lucros do negócio.
No item 4.5 do contrato, ficava claro de que a CEF, mesmo antes da assinatura do contrato com a Racimec, já sabia que a Gtech seria, de fato e de direito, a real prestadora de serviços.

A RENOVAÇÃO DO CONTRATO GTECH

Mesmo assim, a licitação continuou e, surpreendentemente, com modificações que beneficiavam ainda mais a Gtech. No preço global do primeiro contrato estavam inclusivos os serviços não-lotéricos  que a CEF executa para empresas concessionárias de serviços públicos. No novo contrato, esses serviços foram colocados à parte, permitindo cobrança adicional. E aumentou a remuneração por aposta.

ATROPELANDO O JURÍDICO

O contrato foi bloqueado pelas áreas administrativa e jurídica da CEF. Mas as duas áreas foram atropelados pelos gerentes das áreas de Tecnologia e Loteria, José Maria Nardeli Pinto, Aires Ferreira Coimbra, e o Diretor Adelmar de Miranda Torres, valendo-se de dados. Os preços subiram  de R$ 0,05 para 0,08 por processamento, com pagamento retroativo contado a partir da data do pleito da empresa (maio/98).

O CUSTO DO PERÍODO CUTOLLO

A preços de março de 2005, o prejuízo da CEF chegou a R$ 17 milhões. Em 13 de maio de 1995 a CEF pagava R$ 0,24 aos empresários lotéricos por documento recebido. Em março de 2003 reajustou para R$ 0,26 - aumento de 9%. No mesmo período, o reajuste da Gtech aumentou em 200%. Em dezembro de 2002, a CEF tinha um lucro de 1,4% sobre o faturamento do sistema de loteria e prognósticos; e a Gtech de 5,75%.

CPI DA LOTERJ

Enquanto a Gtech se havia com a CEF, no Rio instaurava-se a CPI de Loterj, para apurar corrupção na gestão de Waldomiro Diniz, e também no Rioprevidência. Durou apenas 4 meses, de 15 de fevereiro a 30 de junho. Ali, pela primeira vez, o nome de Carlinhos Cachoeira se cruza com o da Gtech. O Rio seria a vitrine para a empresa de Cachoeira. A partir dali poderia competir com a Gtech em outros estados.

A JOGADA COM WLADOMIRO DINIZ

Sua entrada no Rio se deu no governo Benedita da Silva, do PT e o contato era Waldomiro Diniz. A incursão de Cachoeira no Rio termina em um escândalo em uma CPI – da qual Cachoeira se livra graças à parceria com Policarpo Jr e com a revista Veja. Em fins de 2001, com o Ministério Público no pé, a direção da CEF decide abrir nova licitação e joga a bomba para a administração seguinte, já do PT.

O EPISÓDIO DO GRAMPO

Cachoeira queria que Waldomiro convencesse a CEF a exigir da Gtech transferência de tecnologia para parceiro brasileiro – no caso, empresa do bicheiro. Mas Waldomiro foi atropelado pela influência maior do ex-Ministro da Fazenda Antônio Palocci, que colocou seus parceiros de Ribeirão Preto para oferecer proteção à Gtech. Foi esse movimento que fez Cachoeira espalhar o vídeo com a conversa de Waldomiro, ainda nos tempos da Rio Loteria.


25 julho 2012

JUDICIÁRIO: OS MENSALÕES


azeredo E quando vai ser julgado o mensalão tucano?
Começa no próximo dia 2 de agosto, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento do chamado "mensalão do PT". Muito justo: afinal, o caso já se arrasta desde de 2005 e nós estamos em 2012. Estava na hora.
Por falar nisso, pergunto: e quando vai ser julgado o "mensalão tucano", rebatizado pela grande imprensa de "mensalão mineiro", que é bem mais antigo e vem se arrastando desde 1998?
Para se ter notícias do "mensalão do PT", basta abrir qualquer jornal ou revista, ligar o rádio ou a televisão, está tudo lá diariamente, contado em caudalosas reportagens nos mínimos detalhes, comprovados ou não.
Já o "mensalão tucano" foi simplesmente escondido pela mídia reunida no Instituto Millenium, que não quer nem ouvir falar no assunto. Quem quiser saber a quantas anda o processo que dormita no Supremo Tribunal Federal precisa acessar aquilo que o tucano José Serra chama de "blogs sujos".
Foi o que eu fiz ao entrar no Google, que registra 508 mil citações sobre o "mensalão tucano", a grande maioria publicada em blogs, enquanto o "mensalão do PT", embora mais recente, já alcance 3.720.000 matérias publicadas.
Sob o título "Mensalão tucano e silêncio da mídia", o blog de Altamiro Borges tratou do asunto no último dia 10 de junho:
"Na quarta-feira passada (6), finalmente o Supremo Tribunal Federal decidiu incluir na pauta o debate sobre o "mensalão tucano", o esquema utilizado patra alimentar a campanha pela reeleição do governador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) em 1998. A mídia, porém, não deu qualquer destaque ao assunto. Algumas notinhas informaram apenas que o "mensalão mineiro" também será julgado em breve _ a imprensa demotucana evita, por razões óbvias, falar em mensalão tucano".
Quer dizer, 14 anos depois, o STF decidiu colocar na pauta e vai começar a debater o "mensalão tucano". Nem se pensa ainda em marcar uma data para o julgamento, ao contrário do que aconteceu com o "mensalão do PT", que virou um caso de vida ou morte para a mídia e precisa porque precisa ser julgado _ e todo mundo condenado _ antes das eleições de outubro. Altamiro explica:
"O caso é bastante emblemático. Ele serve para comprovar a seletividade da chamada grande imprensa. O escândalo surgiu bem antes das denúncias contra o PT. A própria Procuradoria-Geral da República, ao encaminhar o caso ao STF, em novembro de 2007, afirmou que o esquema foi "a origem e o laboratório" do mensalão do PT. Ele teria sido armado pelo mesmo publicitário Marcos Valério, que montou o famoso "valerioduto" para financiar campanhas eleitorais com recursos públicos e doações de empresas privadas".
Muitos anos antes, em 2 de outubro de 2007, meu velho amigo Carlos Brickmann, jornalista dos bons que pode ser acusado de tudo, menos de ser petista, já tinha tocado no mesmo assunto em sua coluna "Circo da Notícia", publicada no Observatório da Imprensa. Sob o título "Quando a polícia abre o baú da imprensa", Brickmann escreveu:
"Que o mensalão começou em Minas Gerais, até os fios de cabelo de Marcos Valério sabiam. A primeira investida do esquema beneficiou o governador tucano Eduardo Azeredo, candidato à reeleição (perdeu para Itamar Franco). A imprensa até que deu a notícia, embora discretamente. E esqueceu o assunto".
(...) "Pois é: há asuntos que entram na moda, há assuntos que não há força humana capaz de colocá-los na mídia. Tudo bem, vai ver que o mundo é assim. Mas precisava transformar o mensalão tucano, na imprensa, em mensalão mineiro?"
Dias atrás, o Blog do Mello resgatou trecho de uma entrevista com Eduardo Azeredo publicada pela "Folha" em 2007 na qual podem estar os motivos para esta preferência da mídia tratar furiosamente do  "mensalão do PT" e deixar de lado o chamado "mensalão mineiro":
Folha _ A Polícia Federal diz que houve caixa dois na sua campanha...
Eduardo Azeredo _ Tivemos problemas na prestação de contas da campanha, que não era só minha, mas de partidos coligados, que envolvia outros cargos, até mesmo de presidente da República.
Folha _ O dinheiro da sua campanha financiou a de FHC em Minas?
Azeredo _ Sim, parte dos custos foram bancados pela minha campanha. Fernando Henrique não foi a Minas na campanha por causa do Itamar Franco, que era meu adversário, mas tinha comitês bancados pela minha campanha.
Fundador do PSDB e presidente do partido quando o escândalo estourou, Eduardo Azeredo conseguiu desta forma o apoio irrestrito dos tucanos de bico grande que cuidaram de tirar o assunto da mídia.
A acusação central de que o PT usou dinheiro público para comprar o voto de parlamentares no Congresso foi derrubada pelo Tribunal de Contas da União, como informou Marta Salomon, em nota publicada no portal Estadão.com, às 22h15 desta quinta-feira:
"O Tribunal de Contas da União considerou regular o contrato milionário da empresa de publicidade DNA, de Marcos Valério Fernandes de Souza, com o Banco do Brasil. O contrato é uma das bases da acusação da Procuradoria-Geral da República contra o empresário mineiro no julgamento do mensalão, marcado para agosto". Mais adiante, a matéria lembra:
"De acordo com a Procuradoria-Geral da República, contratos das agências de publicidade de Marcos Valério com os orgãos públicos e estatais serviam de garantia e fonte de recursos para financiar o esquema de pagamentos a políticos aliados do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
Não encontrei esta notícia na edição impressa da "Folha" de hoje, que publica matéria sobre a defesa apresentada por Delúbio Soares, tesoureiro do PT na época: "Delúbio dirá a STF que não houve compra de deputado".
Se e quando o STF finalmente marcar o julgamento do "mensalão tucano", vamos ver o que Eduardo Azeredo terá a dizer e se a imprensa vai lembrar do que ele falou nesta entrevista de 2007.
Podem até querer esquecer esta história, mas o Google lembra. Está tudo lá.
Por Ricardo Kotscho, no seu Blog












BLOGOSFERA


A crença míope nos superpoderes de blogueiros


publicado em 24 de julho de 2012 às 18:27
por Luiz Carlos Azenha, no Blog Viomundo




Confesso que, de uns tempos para cá, minha tolerância com a hipocrisia é próxima de zero.
Acho perda de tempo participar de polêmicas cuja função essencial é mascarar a realidade, além de alimentar o desejo de alguns por circo.
Circo move tráfego na rede.
A ação do PSDB relativa aos blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luís Nassif não busca debater o essencial, ou seja, o uso do dinheiro público em publicidade ou propaganda. Se buscasse, haveria de tratar do conjunto: quais são os gastos de governos federal, estaduais e municipais com propaganda? Quanto recebem a Globo, a Veja, a Folha e o Estadão proporcionalmente ao bolo? Os governos não poderiam reduzir estes custos investindo mais na internet, por exemplo, dada a crescente capacidade de disseminação de informações através das redes sociais? É viável fazer como o agora senador Roberto Requião, que quando governador do Paraná cortou todas as verbas publicitárias, a não ser as de campanhas de utilidade pública? Cabem políticas públicas para promover a pluralidade e a diversidade de opiniões?
Há outras questões, tão interessantes quanto. Deve um partido tentar definir a pauta de um blog eminentemente pessoal? Por que o anúncio de empresas públicas supostamente compra um blogueiro mas não compra um dono de jornal? Crítica é ataque às instituições? Ao criticar o Congresso, o governo federal ou o Judiciário os colunistas dos grandes jornais estariam ‘atacando as instituições’? Mas, se o financiamento dos jornais para os quais escrevem — ou das emissoras de rádio e TV nas quais trabalham — é feito parcialmente com dinheiro público, eles podem ‘atacar as instituições’ livremente e os blogueiros não? E a liberdade de expressão e o direito ao contraditório?
Trato destes temas com tranquilidade. O Viomundo, pelo menos por enquanto, é mantido com anúncios Google. O Leandro Guedes, que nos representa comercialmente, desenvolve ferramentas para que nosso financiamento seja proporcionado pelos próprios leitores. Desde que começou a fazer isso, há dois meses, não está autorizado nem a enviar os media kits (com dados de audiência, etc) a empresas públicas ou governos federal, estaduais ou municipais. Esperamos que a grande mídia siga nosso exemplo.
[Pausa para gargalhar]
Não sei o que moveu o PSDB. Provavelmente, pela escolha dos alvos, José Serra. Tenho comigo que algum mago, daqueles que cobram fortunas para fazer campanha, tenha concluído que existe uma relação entre a altíssima taxa de rejeição de Serra e a blogosfera/mídias sociais.
Não sei se o diagnóstico está certo ou errado, mas a cura é duvidosa. Parte do pressuposto de que blogueiros sejam capazes de mover legiões de internautas. A crença nisso é uma farsa, muitas vezes alimentada por quem está chegando agora ou está “investido” na blogosfera. Quem lida com os internautas no dia a dia e respeita a diversidade de opiniões descobre que este é um meio horizontal. Não é estruturado hierarquicamente. Não obedece a comandos. O valor das opiniões não está na autoridade, nem no currículo, nem no status do autor: deriva da qualidade, da lógica, da originalidade da argumentação. Deriva da capacidade de apontar algo que outros não notaram. De desvendar conexões encobertas. De colocar fatos em perspectiva histórica. De ajudar a concatenar e, portanto, fixar ideias que circulavam desconexas no “inconsciente coletivo digital”. Simplificando, quando a piada é boa ganha o mundo.
Aquela foto de Serra sobre o skate, na capa da Folha, pode ter sido feita num momento autêntico de descontração, mas cristalizou a imagem de um candidato tentando parecer o que não é: jovem. Se dezenas de milhares de pessoas perceberam isso ao mesmo tempo e puderam conversar sobre isso nas redes sociais — o que não poderiam ter feito no passado, quando dependiam de passar pelo crivo de um repórter, de um editor e do dono de um grande jornal e de escrever carta para a coluna do leitor  – é culpa dos blogueiros?
Acreditar que dois blogueiros — ou duas dúzias —  sejam capazes de mover a rede é subestimar a inteligência dos internautas. Ou alguém acredita que tem um comunista escondido embaixo de cada Curtir? Com ferramentas razoavelmente simples como o twitter e o Facebook, hoje cada leitor pode exercer como nunca seu direito de escolha, de interagir e de se fazer ouvir. É natural que quem vive no mundo das hierarquias rígidas estranhe, se sinta intimidado ou frustrado. O que está em curso nas redes sociais é o equivalente a uma segunda revolução do controle remoto.
Portanto, não estamos diante de uma tentativa do PSDB de defender as instituições ou de zelar pelo dinheiro público. Pode ser uma resposta exagerada ou míope diante de um fenômeno que o partido não consegue entender ou pretendia replicar e não consegue. Quem sabe exista um desejo subjacente de controle, de um ‘choque de ordem’ que preceda a privatização da crítica e do conhecimento intelectual, colocando ambos dentro de parâmetros aceitáveis pelo mercado (sobre isso, escreveu Slavoj Zizek). Ou é tentativa de intimidação, pura e simples.