28 abril 2013

A CONSTITUIÇÃO NA LONA

NO PICADEIRO

Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo




 A “crise” entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a “crise”, na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país.

Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, e nem mesmo uma qualquer de suas comissões, haja aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.

Daí a dizer dos parlamentares que “eles rasgaram a Constituição”, como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, vai uma distância só equiparável à sua afirmação de que o Brasil estava sob “estado policial”, quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial.

De autoria do deputado do PT piauiense Nazareno Fonteles, o projeto, de fato polêmico, não propõe que as decisões do STF sejam submetidas ao Congresso, como está propalado. Isso só aconteceria, é o que propõe, se uma emenda constitucional aprovada no Congresso fosse declarada inconstitucional no STF. Se ao menos 60% dos parlamentares rejeitassem a opinião do STF, a discordância seria submetida à consulta popular. A deliberação do STF prevaleceria, mesmo sem consulta, caso o Congresso não a apreciasse em 90 dias.

Um complemento do projeto propõe que as “súmulas vinculantes” –decisões a serem repetidas por todos os juízes, sejam quais forem os fundamentos que tenham ocasionalmente para sentenciar de outro modo- só poderiam ser impostas com votos de nove dos onze ministros do STF (hoje basta a maioria simples). Em seguida a súmula, que equivale a lei embora não o seja, iria à apreciação do Congresso, para ajustar, ou não, sua natureza.

O projeto propalado como obstáculo à criação de novos partidos, aprovado na Câmara, não é obstáculo. Não impede a criação de partido algum. Propõe, isso sim, que a divisão do dinheiro do Fundo Partidário siga a proporção das bancadas constituídas pela vontade do eleitorado, e não pelas mudanças posteriores de parlamentares, dos partidos que os elegeram para os de novas e raramente legítimas conveniências. Assim também para a divisão do horário eleitoral pago com dinheiro público.

A pedido do PSB presidido pelo pré-candidato Eduardo Campos, Gilmar Mendes concedeu medida limitar que sustou a tramitação do projeto no Congresso, até que o plenário do STF dê a sua decisão a respeito. Se as Casas do Congresso votassem, em urgência urgentíssima, medida interrompendo o andamento de um processo no Supremo Tribunal federal, não seria interferência indevida? Violação do preceito constitucional de independência dos Poderes entre si? Transgressão ao Estado de Direito, ao regime democrático? E quando o Supremo faz a interferência, o que é?

Ao STF compete reconhecer ou negar, se solicitado, a adequação de aprovações do Congresso e de sanções da Presidência da República à Constituição. Outra coisa, seu oposto mesmo, é impedir a tramitação regimental e legal de um projeto no Legislativo, tal como seria fazê-lo na tramitação de um projeto entre partes do Executivo.

O ato intervencionista e cogerador da “crise”, atribuído ao STF, é de Gilmar Mendes -e este é o lado lógico e nada surpreendente do ato. Mas o pedido, para intervenção contra competência legítima do Congresso, foi de um partido do próprio Congresso, o PSB, com a aliança do PSDB do pré-candidato Aécio Neves e, ainda, dos recém-amaziados PPS-PMN.

Com o Congresso e o STF, a Constituição está na lona. 




COM CONHECIMENTO DE CAUSA

STF x Congresso, uma disputa
imatura


Pedro Estevam Serrano, na Revista CartaCapital




A separação de Poderes em nossa Constituição é clausula pétrea. Não existe emenda constitucional tendente a aboli-la.
A expressão “tendente a abolir” significa não apenas que é inconstitucional a emenda que pretenda a extinção da separação como também a que altere o modelo especifico de separação adotado pela Constituição de 1988.
 Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Diversos são os modelos de separação de Poderes existentes no mundo. Há os que dão preponderância ao Legislativo, como no caso dos parlamentarismos; em outros, o Executivo – ou mesmo o Judiciário e as Cortes Constitucionais – tem preponderância. Nossa Constituição não adotou nenhum deles. Promoveu um mix pelo qual, dentre outras características, cabe ao Legislativo a inovação primária da ordem jurídica criando originariamente direitos e obrigações por meio da lei e ao STF o controle de constitucionalidade das leis e emendas constitucionais com definitividade no sistema.
Nossa Constituição, no inciso III do paragrafo 4º do seu artigo 60 tornou intangível e imutável tal modelo. Só pode mudar por uma nova Constituinte.
Nos meios de comunicação, durante a semana, tivemos a oportunidade de constatar uma “queda de braço” entre Legislativo e Judiciário. A meu ver, nenhum lado tem razão integral.
De um lado, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a chamada PEC 33. O texto pretende submeter à aprovação do Congresso as decisões do STF pela inconstitucionalidade de leis e emendas. Óbvia inconstitucionalidade, ofensiva ao modelo de separação de poderes, e destruidora da principal competência do STF no sistema: interpretar com definitividade a Constituição.
Ao submeter a decisão do Supremo ao crivo do Congresso, a PEC 33 retira da Corte a definitividade de suas interpretações constitucionais no controle de constitucionalidade, a sua principal função e poder como Corte Constitucional. Isso implicaria em seu inconstitucional esvaziamento.
De outro lado, nos mesmos jornais – algumas páginas à frente – vimos notícias da nova decisão liminar do STF, emitida com base em decisões recentes daquela Corte, impedindo a tramitação de projeto legislativo tendo por fundamento a inconstitucionalidade no seu mérito.
Realiza-se aí uma espécie de controle judicial preventivo de constitucionalidade. Isso, a nosso ver, não tem sentido em nosso sistema.
Nossa Constituição autoriza o controle abstrato de constitucionalidade apenas pela via adequada, qual seja a da Ação Direta proposta pelo procurador-geral da Republica ou outro legitimado específico, não por mandado de segurança individual, bem como só em relação a leis e emendas já aprovadas e promulgadas e não quanto a meros projetos e proposituras apresentadas no âmbito interno do Legislativo.
Promover medidas de impedimento de tramitação de projetos legislativos por conta de seu mérito constitucional, e não por aspectos formais da própria tramitação, em essência, é impedir o livre exercício da função parlamentar, que se realiza através da apresentação e debates de tais projetos.
Ao agir assim o STF, a título de defender a Constituição, invade a competência do Parlamento, fere a liberdade parlamentar e – o que me parece mais relevante – restringe indevidamente a soberania popular.
Ambos os Poderes, portanto, ferem com tais medidas a separação de Poderes ao intervir na esfera de competência alheia procurando drenar em proveito próprio a esfera legítima de poder do outro.
É, portanto, benvinda a decisão do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), de suspender a tramitação da PEC 33. O momento exige equilíbrio e espirito público dos mandatários e togados envolvidos. Ambos os Poderes devem promover medidas de contenção interna para evitar uma crise que tem apresentado pouca maturidade democrática
Na queda de braço entre Legislativo e STF, saem feridas a nossa Constituição, a democracia e nossa cidadania.



CONFLITO DE PODERES

A paz do fim de semana


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




Em meio ao tiroteio entre representantes do Judiciário e do Congresso Nacional, alguns sinais de que a crise entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal pode ser amenizada nos próximos dias por pura inércia. Na curiosa agenda da imprensa brasileira, os fins de semana são propícios a certo esvaziamento de tensões, talvez porque os jornais não têm jornalistas em número suficiente para manter plantões mais reforçados. Assim, as declarações da sexta-feira costumam dar o tom geral até a terça-feira seguinte, quando os repórteres colhem novas declarações e realimentam o velho teatro de opiniões mutantes.
Curiosamente, é o Poder Executivo que sobe ao palco para desarmar os espíritos, embora os jornais ainda apostem no agravamento das controvérsias. O Globo é o mais explícito, ao anunciar em manchete: “Confronto entre STF e Congresso se agrava”. Ainda mais curioso é o fato de que os jornais tomam partido em favor da Suprema Corte com muito mais empenho do que as entidades corporativas da magistratura, que mantêm discreto distanciamento dos embates.
Esses movimentos indicam que a crise pode se desvanecer como num passe de mágica, sem que nenhuma das partes tome qualquer iniciativa – ou talvez por isso mesmo, apenas por inanição, ou seja, por falta de declarações a serem colhidas e amplificadas pela imprensa.
Um final assim anódino seria um sintoma ainda mais grave do processo de deterioração das instituições republicanas, submetidas ao jogo de conveniências de interesses muito particulares.
Se os protagonistas do mais recente bate-boca na imprensa tomassem realmente a sério o que dizem ou fazem, levariam às últimas consequências seus atos: o Congresso aprovaria a proposta de controle do STF pelo Legislativo e a Corte Suprema definiria a legislação sobre a criação de novos partidos. Quem sabe, dessa inversão de papéis poderia surgir o embrião de algumas reformas muito reclamadas pela sociedade.
Mas não há hipótese de isso vir a acontecer: não há, no Judiciário ou no Legislativo, líderes capazes de transformar uma crise em oportunidade de mudança, e a presidente da República tem sua cota de problemas a resolver. Os dirigentes do Senado e da Câmara tiveram suas reputações manchadas ainda antes de tomarem posse, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, em duas cenas de destempero, jogou fora o patrimônio que lhe foi emprestado pela imprensa no julgamento da Ação Penal 470.
E o brasileiro?
Segundo uma pesquisada Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o brasileiro prefere “dar um jeitinho” sempre que pode, em vez de cumprir as regras. Esse pode ser o sintoma mais claro de que o cidadão não confia nas instituições, a começar do Judiciário, aquele poder que deveria assegurar o cumprimento das normas da vida civil.
Se as regras não são respeitadas, muito menos quem as faz: o Brasil tem uma estrutura partidária cuja representatividade se deteriora a cada período eleitoral, por conta de alianças que atendem essencialmente aos interesses dos grupos que dominam as agremiações. Esse jogo vicioso acaba por afetar também o poder Executivo.
Curiosamente, o melhor texto disponível na imprensa por estes dias, a respeito da origem da atual crise institucional, não foi produzido por nenhum dos diários genéricos de circulação nacional, mas pelo Valor Econômico, o principal jornal brasileiro especializado em economia e negócios. Sob o título “A arenga no poder”, a autora observa que “se a lei eleitoral é ruim, a intervenção judicial é pior”, lembrando que o desequilíbrio nas relações partidárias foi criado por uma intervenção do Tribunal Superior Eleitoral, em 2002, quando decidiu que as coligações entre partidos deveriam ser verticalizadas: uma coligação no plano federal deveria se reproduzir nas disputas estaduais.
Na ocasião, a norma favorecia o grupo do governo, liderado pelo PSDB, e prejudicava a candidatura do petista Lula da Silva. Mas, apesar de não contar oficialmente com uma grande máquina eleitoral, Lula venceu e depois teve que fazer concessões para formar uma aliança que lhe permitisse governar.
Essa análise apresentada pelo Valor permite ao leitor entender como uma intervenção do Judiciário criou a circunstância que, mais tarde, iria levar à Ação Penal 470. A regra da verticalização não sobreviveu à realidade e acabou contribuindo para confundir o eleitorado, que não entende por que razão velhos inimigos acabam dividindo palanques.
Tais formulações contribuem para reduzir a confiança do cidadão no sistema político-partidário e desmoralizam a democracia. Mas a imprensa hegemônica não parece especialmente preocupada com esse risco.


QUEM ESTÁ SE DESMORALIZANDO?


A autodesmoralização do STF

http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/
Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Uma das teses mais idiotas que circulam nos círculos de sempre no Brasil afirma haver uma “tentativa de desmoralização” do STF.

Vocês me dão uma pausa para risada?

Ora, não existe propósito em desperdiçar tempo e energia para desmoralizar nada que se autodesmoralize.

Ou alguém afirma que Fux, para ficar num caso, é vítima de uma campanha?

É mentira que ele:

1) Procurou Dirceu?

2) Admitiu que se encontrou com ele em sua campanha patética por uma vaga no Supremo, mas afirmou não saber que Dirceu era réu do Mensalão?

3) Julgou casos em que estava envolvido o escritório de um velho amigo que, não bastasse este vínculo de camaradagem, é patrão de sua filha, num monstruoso conflito de interesses?

Isto se chama “autodesmoralização” em grande escala.

Saiamos de Fux e examinemos seu chefe, Joaquim Barbosa.

Qual a atitude de Barbosa sobre o comportamento de Fux?

Seria muito esperar uma admoestação sobre a busca frenética de apoio político. Afinal, o próprio JB tem uma história não muito edificante neste capítulo. Pobre Frei Betto.

Mas sobre a conexão entre Fux e um grande escritório: nada a dizer? Nenhuma mensagem aos brasileiros?

O silêncio de JB neste assunto – e ele tem conversado com jornalistas como Merval e Mônica Bérgamo para defender a si próprio – é, também ele, desmoralizador.

Desmoraliza a ele mesmo e ao Supremo. (Acrescento aqui que desmoraliza também os jornalistas que o entrevistaram, por deixarem de fazer uma pergunta essencial.)

Gastar 90 mil reais na reforma de banheiros também não contribui para elevar a imagem de JB, e muito menos ele ter chamado de “palhaço” o repórter do Estadão que, ele sim, perguntara o que tinha que ser perguntado.

É importante lembrar, quando se reflete sobre o mensalão e os recursos que vão aparecendo, que os brasileiros não conheciam as monumentais fragilidades dos integrantes do Supremo à época do julgamento.

Vigorava a crença, alimentada pela mídia, de que eram Catões.

A mídia “a serviço do Brasil” não dera a seus leitores as informações mínimas essenciais sobre a natureza real da principal corte brasileira.

Ora, estava escrito num livro de Frei Betto muito anterior ao julgamento como JB chegou ao Supremo – mas nenhuma linha foi dedicada a isso entre as milhares sobre o caso.

Ou não é importante saber que JB foi escolhido não pela excelência e sim porque Lula quis colocar um negro no Supremo?

Diante de tantas informações novas que mostram a face real dos juízes que foram absurdamente incensados, é natural que cresça a pressão para que todos os recursos cabíveis sejam analisados do jeito que devem ser, no Brasil ou no direito internacional.

Havia, antes do julgamento, pistas sobre a debilidade dos juízes, é verdade. Mas eram apenas pistas.

Uma que julgo particularmente forte foi dada por Marco Aurélio Mello.

O discurso que ele fez em maio de 2006, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, é revelador.

Vou selecionar duas frases que valem por mil:

1) “Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos.”

2)“Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta.”

O que está dito aí é que Mello tomou como absolutamente verdadeiras as notícias que leu num momento de acachapante vale tudo jornalístico em que todas as fronteiras éticas foram cruzadas.

O símbolo dessa era foi uma capa da Veja em que se publicou um dossiê com a informaçãode que Lula tinha milhões no exterior . Ah, sim, os leitores entre vírgulas foram avisados de que a revista não conseguira confirmar nem desmentir uma informação de tamanha gravidade.

Foi o boimate na versão política.

Crer cegamente na imprensa – nas manchetes – como Mello pode levar a erros brutais.

E não só no Brasil.

Nos dez anos da Guerra do Iraque, há algumas semanas, a mídia americana foi obrigada a enfrentar os erros colossais que cometeu na época.

O maior deles – que representou o apoio a um ataque que acabaria por destruir virtualmente um país inteiro – foi afirmar que o Iraque tinha, como dissera Bush, “armas de alto poder de destruição”.

Não tinha.

Olhando para trás, as marcas da precariedade do Supremo já estavam impressas naquele bestialógico de 2006 – aliás saudado como “discurso histórico” por alguns colunistas.






ENTENDENDO O ENTREVERO

Foi o Congresso que ameaçou, ou o STF
intimidou?

Maria Inês Nassif, no Jornal GGN




A reação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de parlamentares oposicionistas à aprovação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de número 33, que define poder recursal do Congresso a leis declaradas inconstitucionais pelo STF, pode ser tirada da catalogação de fato político e inserida na lista de manipulação de informação. Com toda certeza, os ministros que estão reagindo desproporcionalmente a uma tramitação absolutamente trivial de uma emenda constitucional no Congresso, e os parlamentares que entraram com um mandato de segurança para a Câmara interromper uma tramitação de matéria constitucional, estão fazendo uso político desses fatos. Vamos a eles:
  1. A emenda tramita desde 2011. Foi proposta pelo deputado Nazareno Fontelenes (PT-PI) em 25 de maio do ano passado e encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça em 06 de junho. O relator da matéria é o deputado João Campos (PSDB-GO) – um parlamentar da oposição. Não existe hipótese de a emenda ter sido uma armação de parlamentares governistas como uma retaliação ao Supremo, que condenou dois deputados que integram a CCJ e, na última semana, suspendeu a tramitação de um projeto que limita a criação de partidos no Senado. Deixando claro: os parlamentares da CCJ não tiraram uma emenda da cartola para aborrecer o STF nesse período em que se constrói um clima de conflito permanente entre Congresso e STF para validar decisões questionáveis daquela corte em assuntos de competência exclusiva do Legislativo – como a liminar dada pelo ministro Gilmar Mendes a uma ação do PSB, suspendendo a tramitação de uma lei no Senado, também na quarta-feira.
  2.  Aliás, o fato de José Genoíno (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) terem se tornado personagens dessa história comprova o uso político desse episódio. No ano passado, quando a emenda foi apresentada, Genoino sequer tinha mandato parlamentar.  Ele e Cunha apenas a votaram, como os demais integrantes da Comissão: não pediram a palavra, não defenderam a aprovação, nada. Apenas votaram a favor de um parecer de um parlamentar da oposição.
  3. A PEC estava na agenda de votação da CCJ desde o início dos trabalhos legislativos, em fevereiro deste ano. Não foi agendada numa semana de conflito entre Congresso e Supremo para retaliar o Poder Judiciário simplesmente porque esperava a votação desde fevereiro.
  4. A votação de admissibilidade de uma proposta de emenda constitucional, ou mesmo de lei, pela CCJ, não é uma apreciação de mérito. Quando o plenário da CCJ vota a favor da admissibilidade, não quer dizer que a maioria da Comissão concordou que essa emenda deve se tornar uma norma constitucional. Quando aprova a admissibilidade, a CCJ está dizendo que aquela proposta cumpre os requisitos de constitucionalidade para continuar a tramitação até chegar ao plenário da Câmara – onde, aí sim, o mérito da proposta será analisado, em dois turnos, para depois cumprir dois turnos no Senado. E apenas com três quintos do quórum de cada casa. Isto é: o primeiro passo da tramitação da PEC 33 foi dado na quarta-feira. Daí, dizer que o Congresso estava prestes a aprovar a proposta para retaliar o STF só pode ser piada, ou manipulação da informação.
  5. Ainda assim, se uma Comissão Especial, lá na frente (se o STF não usar a força contra o Congresso para sustar a tramitação da matéria), resolver aprovar o mérito, e os plenários da Câmara e o Senado entenderem que é bom para a democracia brasileira estabelecer um filtro parlamentar para as decisões de inconstitucionalidade do STF, essa decisão apenas cumpriria preceitos constitucionais (embora Constituição esteja numa fase de livre interpretação pelos ministros da mais alta corte). Não precisa ser jurista para entender que a proposta tem respaldo na Constituição.  Foi com base em dois artigos da Carta de 1988 que os parlamentares votaram pela admissibilidade da PEC. O artigo 52, que fala da competência exclusiva do Senado Federal, diz, em seu inciso X, que o Senado pode “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. No artigo 49, determina que é da competência do Congresso Nacional “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
  6. Diante dessas evidências constitucionais e da história da tramitação da PEC na Câmara, fica a pergunta: quem está ameaçando quem? É o Congresso que investiu contra o STF, ou o contrário?


MANIPULAÇÕES

Dias de abril: o piloto sumiu?

Saul Leblon, no Blog das Frases




Há três semanas, o conservadorismo comanda as expectativas do país. 

O carnaval do tomate e a furor rentista marcaram a segunda quinzena de abril. 

Deu certo. 

No dia 17, o BC elevou os juros.

Ato contínuo, vários indicadores desautorizaram as premissas da terapia ortodoxa. 

Os preços dos alimentos – não o único, mas um fator sazonal importante na pressão inflacionária – perderam fôlego. O do tomate desabou. 

Não apenas isso. 

O cenário internacional desandou.

Recordes de desemprego na Europa vieram se somar à deflação das commodities, ademais da decepção com a velocidade da retomada nos EUA.

Tudo a desaconselhar o arrocho pró-cíclico evocado pelos especialistas em incursões aos abismos e às bancarrotas. 

Há cinco anos eles advertem que a resistência do Brasil à crise é um crime contra o mercado. (Leia também: ‘O Brasil é um crime contra o mercado’)

Nenhuma voz do governo ou do PT soube salgar o diagnóstico conservador com a salmoura pedagógica das evidências opostas.

Dilma poderia ter ido à TV. É sua responsabilidade esclarecer a opinião pública quando o futuro do país esta sendo ostensivamente jogado na sarjeta das manipulações.

Não significa mistificar os problemas de uma transição macroeconômica difícil rumo a um novo ciclo de investimento. 

Mas, sim, separa-los de interesses que não são os da nação. 

As ferramentas macroeconômicas não tem partido. 

Mas a forma de combina-las, a dose e a direção, dependem de opções políticas mediadas pela correlação de forças. 

Um pedaço da correlação de forças se define no diálogo com a sociedade.

Disputar as expectativas, em certos momentos, é tão decisivo quanto ajustar as linhas de passagem entre um ciclo e outro. 

Um governo que toma decisões ancorado em diálogo direto com suas bases, e apoiado por elas, irradia uma capacidade de comando que desencoraja o assalto conservador. 

Se Lula ficasse mudo em 2008, o jogral pró-cíclico faria do Brasil um imenso Portugal . 

O quadro hoje é outro?

Sempre é outro. 

É para isso que existe governo. Se a história fosse estável e previsível , bastariam burocracias administrativas. 

Veio a terceira quinzena de abril. 

Enquanto o PT se preocupa com Eduardo Campos, o verdadeiro partido oposicionista alimentava um clima de dissolução institucional. 

É só aquecimento: o lacerdismo togado e seu diretório midiático podem muito mais. 

A pauta da ‘caça ao Lula’ voltou às manchetes.

Grunhida pela boca do casal Roberto Gurgel e esposa, sub-procuradora Claudia Sampaio. 

Estamos em linha com a nova tradição latino-americana.

A implosão institucional de governos progressistas tem no lacerdismo togado um laboratório de ponta no país.

São sucessivas as contribuições ao modelo.

Na desta semana, o STF desautorizou o Congresso a analisar a PEC sobre novos partidos, subtraindo espaço do Legislativo na divisão dos poderes. 

A ideia de um Judiciário que diga ao Congresso o que ele pode e o que ele não pode discutir e votar é estranha à democracia. 

Mas não ao método conservador, que pauta um Brasil cada vez mais explícito, à direita, em seus duetos e sintonias .

Respira-se a certeza da impunidade associada à supremacia asfixiante do poder de difusão conservador.

Avulta daí a progressiva desenvoltura de personagens que se dispensam do recato e da liturgia observada nos velhos conspiradores. 

Joaquim Barbosa se manifesta como uma extensão de Merval Pereira. 

E vice-versa. 

Gurgel acossa Lula e agasalha o líder de Carlinhos Cachoeira no Congresso, Demóstenes Torres, com uma aposentadoria de R$ 22 mil. 

E ninguém dá gargalhadas. 

Como diz o senador Requião, falta humor à crítica política. 

Falta também capacidade de se escandalizar.

Um delegado ex-integrante do aparato da ditadura diz que Otávio Frias e Sergio Fleury eram parceiros de teoria e prática. 

Tomavam chá das cinco no DOPS. 

Dá para acreditar? 

Dá para ter certeza de que as veladas ligações entre o dispositivo midiático e a ditadura precisam ser investigadas. Por uma comissão de verdade.

Quem se dispõe? 

Silêncio constrangedor.

O ministro Mercadante defende a Folha e o ‘seu’ Frias – como ele se refere ao falecido pai de Otavinho, em nota tocante. (Leia o artigo demolidor de Paulo Nogueira, do blog do Centro do Mundo; nesta pág.)

Toffoli, ministro do Supremo, dá ultimato à Câmara: os representantes do povo tem 72 horas para explicar o que estão pretendendo com a PEC-33 que determina que algumas decisões do STF sejam submetidas ao Congresso e eleva de seis para noves votos o quórum do Supremo ao invalidar emendas constitucionais do Legislativo. 

Paulo Bernardo alia-se ao oligopólio da mídia . 

A Secom sustenta a Globo. 

E o sub do sub do Banco Central vai discursar no Banco Itaú, espécie de diretório informal do PSDB. Prega o choque de juros.

O piloto sumiu.

Esse filme não é novo.

E nunca acaba bem.

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* Texto retificado e atualizado em 27/04, às 11hs31




TUMULTUANDO





Vendilhões do tempo

Maurício Dias, na Revista CartaCapital




A oposição fará um novo esforço, agora no Senado, para derrubar o projeto aprovado na Câmara dos Deputados pela base governista, na terça-feira 23. Ele impede que os partidos criados a partir de agora se beneficiem do tempo de rádio e televisão, além dos recursos do Fundo Partidário, por meio dos parlamentares agregados à nova sigla após se desligarem de outra já existente.

O tempo no rádio e na tevê tem sido um fator de estratégia eleitoral para uns e de sobrevivência para outros. É negociação política entre os grandes e os pequenos. Nesse último caso, aqueles que dispõem de um tempo abaixo de 1 minuto no horário da propaganda eleitoral gratuita. São quase 20 (tabela), considerando a representação eleita em 2010.
Fonte: Hardy Waldschmidt - TRE/MS (*) Partidos sem bancada ou criados após 2010
Fonte: Hardy Waldschmidt – TRE/MS (*) Partidos sem bancada ou criados após 2010
O novo Movimento Democrático, MD, fusão do PPS com o PMN não escapou dessa situação. A soma do tempo das duas agremiações alcança somente 78 segundos e 78 décimos. O crescimento mais visível é na bancada da Câmara dos Deputados, do número de vereadores e prefeitos.
Há um mercado eleitoral milionário em torno da “venda” do tempo nas coligações. Oficialmente, o tempo é cedido para financiar candidaturas dos partidos menores que não conseguem doações no mercado nem acesso ao dinheiro do Fundo Partidário.
Problema existente. A legislação permite a cessão do tempo, mas proíbe a transação em dinheiro. A proibição é atropelada. Os candidatos e os próprios programas eleitorais dos “nanicos” são financiados pelos partidos maiores: PT, PSDB, PMDB e DEM, entre alguns outros, e já agora o pudico PSB. Os socialistas andam à caça de aliados em busca de apoio para a eventual candidatura do governador pernambucano, Eduardo Campos.
É dessa transação por baixo do pano que nasceu o escândalo inadequadamente chamado de “mensalão”. O PT, conforme afirmou Roberto Jefferson, acertou ceder recursos para a campanha eleitoral do PTB, em 2004. Jefferson admitiu ter recebido 4 milhões de reais dos 20 milhões acertados.
O projeto aprovado agora, de certa forma, põe um pouco de “ordem na casa”. Paralelamente, no entanto, cria uma contradição com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011, na criação do PSD do ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab.
No entendimento do STF, o mandato pertence ao partido. Do ventre dessa decisão nasceu um monstrengo chamado “portabilidade”. Ou seja, fica com o deputado a possibilidade de transferir o tempo e o porcentual do Fundo Partidário para a agremiação que migrou. Curiosa contradição: o mandato é do partido e o tempo é do candidato.
A nova situação criada pelo projeto atinge e talvez inviabilize esforços como os da ex-ministra Marina Silva e do sindicalista Paulinho, que trabalham na formação de novos partidos. A oposição montou na oportunidade para atacar o governo em geral e a presidenta Dilma em particular.
Desarmar a criação de novos partidos pode ser um golpe no processo de “mutirão” sonhado pela oposição. Mais candidatos na disputa de 2014 (Marina, principalmente) pode ser a oportunidade, senão a única, de provocar um segundo turno na eleição presidencial.
A dúvida da oposição é legítima. O governo nega esse objetivo. O choro é livre.




26 abril 2013

SUPREMO X CONGRESSO

Em rota de colisão


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa





A leitura dos jornais de quinta-feira (25/4) indica que o Brasil está na iminência de sofrer uma crise institucional sem possibilidade de solução fácil: numa sucessão de lances rápidos e incisivos, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional interferem mutuamente nas atribuições um do outro, causando a deterioração das relações entre os poderes da República.
O conflito está nas manchetes. Diz o Globo: “Câmara dá 1º passo para tirar poder do STF”. Anuncia a Folha de S. Paulo: “STF suspende projeto que beneficia Dilma na eleição”.
Globo se refere à aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de emenda que submete ao Congresso Nacional as decisões da Suprema Corte. A Folha noticia que o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar barrando a tramitação, no Congresso, de projeto de lei que retira dos novos partidos o amplo acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda na televisão. O Estado de S. Paulo deixou os dois assuntos em segundo plano e achou mais apropriado destacar uma proposta do senador mineiro Aécio Neves (PSDB), que pretende restabelecer o mandato de cinco anos e acabar com a reeleição para cargos executivos.
O conflito é explícito entre os dois poderes, mas, segundo os jornais, o Legislativo atua em favor da Presidência da República, que detém a maioria no Congresso, e estaria sufocando a oposição. O noticiário não esclarece de que lado estaria o Supremo Tribunal Federal, e se supõe, então, que se trata de um poder moderador, dedicado a preservar a Constituição. Também fica sem esclarecimento o papel de um quarto poder, a própria imprensa, que tem entre suas funções implícitas a de mediar a comunicação institucional, e certamente também tem interesses próprios nessa disputa.
Tanto quanto no Congresso Nacional, as ações da Suprema Corte dependem da diversidade para produzirem equilíbrio, com a diferença de que no STF um só ministro pode tomar decisões capazes de paralisar os demais poderes, pelo menos temporariamente.
O trágico, para a democracia brasileira é que, no momento, nenhuma dessas instituições pode se apresentar com credenciais para produzir um entendimento entre as partes.
A teoria e a prática
Os três poderes da República estão claramente contaminados por certo radicalismo, que se agrava rapidamente com a proximidade de eleições. Como suas ações, intenções e manifestações passam pelo filtro da imprensa, seria natural que o leitor e eleitor pudesse contar com alguma fonte confiável para conferir suas convicções. Mas a prática dos jornais não aconselha uma leitura inocente: a narrativa da imprensa denuncia escolhas que definem a interpretação dos fatos antes mesmo que aconteçam.
Por exemplo, se tal ou qual personagem da vida pública fizer um gesto, tomar uma atitude ou produzir uma ação, a imprensa, em sua expressão hegemônica, examinará tal manifestação conforme essa matriz de valores que delimitam o campo da disputa ideológica que é o pano de fundo de toda controvérsia. De tão viciado o jogo, é provável que já nenhum dos lados se lembre de como tudo começou, mas os editores sabem muito bem o que está em disputa.
Mas não é tudo parte do jogo democrático? – perguntaria alguém ainda abençoado pela inocência. Sim, diria o analista ponderado. Acontece que, na transferência dos fatos isolados para o chamado espaço público, os atos, gestos e manifestações ganham outro significado, que lhes dá a imprensa.
É na narrativa, essência do fazer jornalístico, que ocorre tal transformação. Assim, da palavra de um político ou de um magistrado a imprensa constrói uma realidade. O ponto central dessa crise é, portanto, a capacidade ou o interesse da imprensa em fazer uma mediação minimamente equilibrada da controvérsia.
Como diz o teórico português Nelson Traquina, o jornalista precisa dominar o “saber da narração” e o papel “essencialmente conservador e legitimador” do jornalista deve ser exercido na “região do consenso”, ou seja, na temática que congrega os valores consensuais da sociedade, como a defesa da democracia e da legitimidade dos poderes.
Outra coisa é a “esfera da controvérsia legítima”, onde as principais virtudes do jornalismo seriam relacionadas à objetividade. Finalmente, há também, segundo essa teoria, o terceiro campo, a “esfera do desvio”, onde o jornalismo deveria identificar na agenda pública o que seriam atos políticos legítimos ou ilegítimos.
Aqui sucede, como diria o falecido Joelmir Beting, que na prática a teoria é outra.



UTOPIA

Os sonhos de uma civilização realmente
planetária

Leonardo Boff, na Agência Carta Maior




Em parte, o desamparo atual que toma conta de grande parte da humanidade, se deriva de nossa incapacidade de sonhar e de projetar utopias. Não qualquer utopia. Mas aquelas necessárias que podem se transformar em topias, quer dizer, em algo que se realiza, mesmo imperfeitamente, nas condições de nossa história. Caso contrário, nosso futuro comum, da vida e da civilização correm graves riscos.

Temos, portanto, que tentar tudo, para não chegarmos tarde demais ao verdadeiro caminho, que nos poderá salvar. Esse caminho passa pelo cuidado, pela sustentabilidade, pela responsabilidade coletiva e por um sentido espiritual da vida.

Valho-me das palavras inspiradoras de Oscar Wilde, o conhecido escritor irlandês que disse acerca da utopia: “Uma mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno sequer de ser espiado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo, em seguida, para uma terra ainda melhor...O progresso é a realização de utopias.”

Pertence ao campo da utopia projetar cenários esperançadores. Vamos apresentar um, de Robert Müller, que por 40 anos foi um alto funcionário da ONU, chamado também de “cidadão do mundo” e “pai da educação global”. Era um homem de sonhos, um deles realizado ao criar e ser o primeiro reitor da Universidade da Paz, criada em 1980 pela ONU em Costa Rica, único pais do mundo a não ter exército.

Ele se imaginou um novo relato do Gênesis bíblico: o surgimento de uma civilização realmente planetária na qual a espécie humana se assume como espécie junto com outras com a missão de garantir a sustentabilidade da Terra e cuidar dela bem como de todos os seres que nela existem. Eis o que ele chamou de “Novo Gênesis”:

“E Deus viu que todas as nações da Terra, negras e brancas, pobres e ricas, do Norte e do Sul, do Oriente e do Ocidente, de todos os credos, enviavam seus emissários a um grande edifício de cristal às margens do rio do Sol Nascente, na ilha de Manhattan, para juntos estudarem, juntos pensarem e juntos cuidarem do mundo e de todos os seus povos.

E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o primeiro dia da Nova Era da Terra.

E Deus viu que os soldados da paz separavam os combatentes de nações em guerra, que as diferenças eram resolvidas pela negociação e pela razão e não pelas armas, e que os líderes das nações encontravam-se, trocavam idéias e uniam seus corações, suas mentes, suas almas e suas forças para o benefício de toda a humanidade.

E Deus disse:" Isso é bom."E esse foi o segundo dia do Planeta da Paz.

E Deus viu que os seres humanos amavam a totalidade da Criação, as estrelas e o Sol, o dia e a noite, o ar e os oceanos, a terra e as águas, os peixes e as aves, as flores e as plantas e todos os seus irmãos e irmãs humanos.

E Deus disse:"Isso é bom." E esse foi o terceiro dia do Planeta da Felicidade.

E Deus viu que os seres humanos eliminavam a fome, a doença, a ignorância e o sofrimento em todo o globo, proporcionando a cada pessoa humana uma vida decente, consciente e feliz, reduzindo a avidez, a força e a riqueza de unspoucos.

E Deus disse:"Isto é bom." E esse foi o quarto dia do Planeta da Justiça.

E Deus viu que os seres humanos viviam em harmonia com seu planeta e em paz com osoutros, gerenciando seus recursos com sabedoria, evitando o desperdício, refreando os excessos, substituindo o ódio pelo amor, a avidez pela satisfação, a arrogância pela humildade, a divisão pela cooperação e a suspeita pela compreensão.

E Deus disse:" Isso é bom." E esse foi o quinto dia do Planeta de Ouro.

E Deus viu que as nações destruíam suas armas, suas bombas, seus mísseis, seus navios e aviões de guerra, desativando suas bases e desmobilizando seus exércitos, mantendo apenas policiais da paz para proteger os bons dos violentos e os sensatos dos insanos. 

E Deus disse:" Isso é bom". E esse foi o sexto dia do Planeta da Razão.

E Deus viu que os seres humanos instauravam Deus e a pessoa humana como o Alfa e o Omega de todas as coisas, reduzindo instituições, crenças, políticas, governos e todas as entidades humanas a simples servidores de Deus e dos povos. E Deus os viu adotar como lei suprema: "Amarás ao Deus do Universo com todo o teu coração, com toda tua alma, com toda atua mente e com todas as tuas forças; amarás teu belo e esplendoroso planeta e o tratarás com infinito cuidado; amarás teus irmãos e irmãs humanos como amas a ti mesmo. Não há mandamentos maiores que estes”.

E Deus disse:"Isso é bom." E esse foi o sétimo dia do Planeta de Deus".

Se na porta do inferno de Dante Alighieri estavava escrito: “Abandonai toda a esperança, vós que entrais” na porta da nova civilização na era da Terra e do mundo planetizado estará escrito em todas as linguas que existem na face da Terra: “Não abandoneis jamais a esperança, vós que entrais” 

O futuro passa por esta utopia. Seus albores já se anunciam.


Leonardo Boff é teólogo e escritor.




JUDICIÁRIO

Que tal reformar?


Fábio Konder Comparato




Com exceção dos profissionais do foro, ninguém mais se interessa neste País pela atuação dos magistrados. No teatro político, eles não costumam subir ao palco, e quando o fazem, infelizmente nem sempre é para exercer o papel de juízes, mas algumas vezes de réus. Acontece que, sem um Judiciário independente e eficaz não existe adequado controle do poder e, por conseguinte, efetiva garantia de respeito aos direitos humanos.

Tomemos, por exemplo, o caso da Corte de Justiça situada no topo da pirâmide: o Supremo Tribunal Federal. Seu funcionamento deixa muito a desejar, por duas razões principais: sua composição e a natureza de suas atribuições.
Os defeitos de composição do Supremo Tribunal Federal
Em todas as nossas Constituições republicanas, segundo o modelo norte-americano, determinou-se a nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal.
Nos Estados Unidos, esse controle senatorial funciona adequadamente, já tendo havido a desaprovação de doze pessoas indicadas pelo Chefe de Estado para a Suprema Corte. Algumas vezes, quando o Presidente dos Estados Unidos percebe que a pessoa por ele escolhida não será aprovada pelo Senado, retira a indicação. Assim procedeu o Presidente George W. Bush em 2006, quanto à indicação à Suprema Corte de Harriet Miers, conselheira da Casa Branca.
No Brasil, ao contrário, até hoje o Senado somente rejeitou uma nomeação para o Supremo Tribunal Federal. O fato insólito ocorreu no período conturbado do início da República, quando as arbitrárias intervenções decretadas por Floriano Peixoto em vários Estados suscitaram o acolhimento, pelo Supremo Tribunal, da doutrina extensiva do habeas-corpus, sustentada por Rui Barbosa. Os líderes oposicionistas, nos Estados sob intervenção federal, puderam assim escapar da prisão. Furioso, Floriano resolveu então nomear para preencher uma vaga no Supremo o Dr. Barata Ribeiro, que era seu médico pessoal. Literalmente, não houve violação do texto constitucional, pois a Carta de 1891 exigia que os cidadãos nomeados para o Supremo Tribunal Federal tivessem “notável saber e reputação”; o que ninguém podia negar ao Dr. Barata Ribeiro. Foi somente pela Emenda Constitucional de 1926, e em razão daquele episódio, que se resolveu acrescentar o adjetivo “jurídico” à expressão “notável saber”.
Mas essa qualificação aditiva em nada mudou a prática das nomeações para o Tribunal. Como gostava de contar o grande advogado Evandro Lins e Silva, quando Getúlio nomeou para o Supremo o presidente do infame tribunal de segurança nacional, o escrivão daquele pretório anunciou, em alto e bom som, que era candidato à próxima vaga na mais alta Corte de Justiça do País; pois, dizia ele, “reputação ilibada ninguém me nega, e notável saber jurídico vem no decreto de nomeação”...
Ora, o que se vem assistindo ultimamente, de forma constrangedora, é uma frenética corrida ao Palácio do Planalto de candidatos ao Supremo Tribunal, na esperança de serem escolhidos pelo Presidente da República. Há até, como se sabe, quem repita a tentativa várias vezes, após sucessivas “bolas na trave”. 
O excesso de atribuições
A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, como seu objetivo precípuo, “a guarda da Constituição” (art. 102). Mas a consecução dessa finalidade maior é simplesmente obliterada pelo acúmulo de atribuições daquela Corte (aquilo que os juristas denominam “competência”), para julgar processos de puro interesse individual ou de grupos privados.
Segundo informa a Secretaria do Supremo Tribunal Federal, há atualmente em andamento naquela Corte mais de 68.000 processos. O que perfaz, abstratamente, a média aproximada de mais de 6.000 por Ministro. Tal significa na prática que, tirante alguns casos especiais, os processos levam em média uma dezena de anos para serem julgados. 
Esboço de solução
O que fazer, então? Certamente, não podemos nos resignar a “tocar um tango argentino”, como sugeriu um poema de Manuel Bandeira; muito embora a situação judiciária no país vizinho pareça bem melhor do que a nossa.
Eis porque proponho a transformação do atual Supremo Tribunal Federal em uma Corte Constitucional.
Ela seria composta de 15 Ministros, nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas tríplices de candidatos oriundos da magistratura, do Ministério Público e da advocacia. Tais listas seriam elaboradas, respectivamente, pelo Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Transitoriamente, os atuais Ministros do Supremo Tribunal Federal passariam a compor a Corte Constitucional, com o acréscimo de mais quatro novos membros, nomeados como indicado acima.
O novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, o exercício com êxito de alguma atividade lobista; além de estabelecer, já de início, uma seleção de candidatos segundo um presumível saber jurídico.
A competência da Corte Constitucional seria limitada às causas que dissessem respeito diretamente à interpretação e aplicação da Constituição, transferindo-se todas as demais à competência do Superior Tribunal de Justiça.
Este último passaria a ter uma composição semelhante à da Corte Constitucional, mas contaria doravante com um mínimo de 60 Ministros; ou seja, quase o dobro do fixado atualmente na Constituição.
Bem sei que esta proposta, se oficializada, suscitará, segundo nossa inveterada tradição anti-republicana, a resistência de todos aqueles que só cuidam de proteger seus interesses próprios, virando as costas ao bem comum. Mas o essencial é pôr desde logo o dedo na ferida e exigir o indispensável tratamento terapêutico.
***Fábio Konder Comparato, nascido em Santos, no dia 8 de outubro de 1936, é advogado, escritor e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, onde também recebeu o título de Professor Emérito, em 2009.  Doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. Especializou-se inicialmente em Direito comercial, tendo publicado O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Em 2005, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, prêmio entregue pela ONG brasileira Grupo Tortura Nunca Mais a todos aqueles que tal ONG consideram ter se destacado na luta pelos Direitos Humanos. Publicou, entre outros livros, Para viver a democracia e um projeto de Constituição para o Brasil, intitulado Muda Brasil.

Fonte: www.maureliomello.blogspot.com.br