30 setembro 2013

ESPERTEZA E ILUSÃO

Uma capa resume tudo


Mino Carta, na Revista CartaCapital




Berlusconi é o político mais bem-sucedido da Itália dos últimos 20 anos. Como se sabe, foi um desastre, e não espanta que tenha sido, com o condão de pagar agora pelas mazelas cometidas. Espanta, isto sim, que metade dos italianos tenha votado nele. Passo a falar de Brasil. A capa de Veja desta semana é o símbolo irretocável de um singular humor em que se misturam má-fé e estupidez. A revista da Abril mesmo assim não nos surpreende, já sabemos do que é capaz de longa data. Estarrece que larga porção da sociedade nativa, privilegiados e aspirantes ao privilégio, acredite nas interpretações de Veja e repita passagens dos seus pareceres mirabolantes.
O espetáculo midiático proporcionado na cobertura do chamado “mensalão” é, em geral, estarrecedor ao revelar em toda a sua evidência o atraso intelectual e cultural dos tais cidadãos a que me referi, jornalistas e seus patrões, leitores, espectadores, ouvintes. Todos unidos na demonstração de uma parvoíce movida a raiva, ódio de classe, medo, preconceito, hipocrisia, inveja, abissal ausência de espírito crítico.
A tigrada dita de classe média (média até agora não sei por quê) é, aliás, a própria, definitiva, irremediável prova da incapacidade de cumprir o papel que compete à burguesia. Aquele, digamos, de precipitar a Revolução Francesa. Pelo contrário, aí está a provar a ignorância, mau gosto, provincianismo, pavor da mudança. Dizia Lévi-Strauss ao definir os senhores paulistanos 80 anos atrás: “Eles se têm em alta conta e não sabem como são típicos”. Illo tempore, os senhores viam em Paris o umbigo do mundo. A tipicidade aumentou, e hoje, ao comporem uma categoria muito mais vasta, substituem a Ville Lumière por Miami.
Pouparei os amáveis frequentadores deste espaço das minhas considerações a respeito das gravatas amarelo-ouro ou da descoberta do vinho que alguns carregam aos restaurantes em bolsas apropriadas. De couro cru, para o desconforto de quem sonha com estes luxos e ainda não chegou lá. Citarei a leitura escassa ou mesmo nula: há mais livrarias em Buenos Aires do que no Brasil todo. O estudo precário, a péssima lida com o vernáculo, a eterna expectativa do favor dos amigos ou do arreglo por baixo do pano.
Cabe evocar tudo aquilo que certifica a mediocridade da turma. O caos arquitetônico, isento de módulos e linhas mestras, frequentemente inspirado em Gotham City, quando não entregue à imitação de modelos de outros cantos do mundo, escolhidos conforme a veneta do dia, sem excluir telhados normandos na previsão da neve. Ou mesmo a certeza, tipicamente local, de que São Paulo é capital gastronômica do planeta, alimentada por quem até ontem mastigava espaguete regado a uísque.
Vezos burgueses, amparados em tradições seculares, ou em modismos momentâneos, carecem de maior importância, está claro. Resta o fato desta ferocidade desvairada, para não dizer demente, diante de um episódio, embargos infringentes justificados pelas leis, e que tanto podem abrandar as penas dos condenados quanto agravá-las, conforme esclareceu em vão o ministro Celso de Mello. Cresce, na moldura do evento, a desinformação generalizada, o desconhecimento do código e do quem é quem.

Ocorre-me um amigo que eu chamava de samurai, Luiz Gushiken, ministro de Lula no primeiro mandato, primeira vítima do “mensalão” sem qualquer culpa em cartório, de fato aquele que percebeu o papel devastadoramente daninho do banqueiro Daniel Dantas, visceralmente envolvido no processo e tão chegado a petistas de outro naipe, como Márcio Thomaz Bastos, José Dirceu, Luiz Eduardo Greenhalgh, sem contar o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Gushiken morreu dia 13 passado, honrado e, receio, infeliz.
Outro injustiçado é José Genoino, que, segundo Veja, gargalha com o voto de Celso de Mello. A malta não sabe que Genoino é um herói brasileiro, esperançoso e iludido até as últimas consequências, acreditou que o Araguaia seria a Sierra Maestra brasileira, e, ao lado de 80 companheiros, lutou contra 10 mil soldados da ditadura. Torturado brutalmente, ressurgido das cinzas, ainda espera que o Brasil deixe de ser o país da casa-grande e da senzala. Ao contrário do que afirmam seus inquisidores a pretendê-lo “mensaleiro”, não sabe onde cair morto, se me permitem a linguagem rasteira.
 
 

PRECISAMOS CONTAR A HISTÓRIA VERDADEIRA

O Exército perde a batalha


Maurício Dias, na Revista CartaCapital





Passados quase 50 anos do golpe de 1964, 21 dos quais sob uma ditadura que torturou e matou presos políticos nos casarões assombrados e nos porões dos quartéis, as Forças Armadas brasileiras, notadamente o Exército, têm se deslocado com frequência para uma rota de colisão com as regras democráticas. Os generais, coronéis, oficiais e suboficiais reencarnam seus antecessores com o mesmo espírito. Ou seja, como se ainda tivessem o poder de executar regras inscritas nas cartilhas autoritárias.
Um exemplo dessa situação descabida repetiu-se na segunda-feira 23, quando a Comissão Estadual da Verdade (RJ), presidida pelo advogado Wadih Damous, além de parlamentares, foi conhecer o prédio da Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca, na zona norte da cidade, tristemente famoso por ter sido sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, mais conhecidos como DOI-Codi, sigla do mais temido órgão de repressão da ditadura.
O diálogo travado entre a deputada Luiza Erundina e o coronel Luciano Simões, comandante da Polícia do Exército (PE), fala mais do que as teorias sobre o choque entre uma democracia parcialmente resgatada e uma ditadura parcialmente insepulta.
Simões pôs-se a falar e a enaltecer a história da PE. Os visitantes ouviam calados por dever de ofício. A deputada Erundina, no entanto, notou que o militar, embalado pela narrativa pretensamente patriótica, passou a borracha na tragédia vivida dentro daquele quartel durante os anos 1970, apogeu da ditadura. A história não faz sentido com supressão de passagens de alguns episódios. Foi mais ou menos o que ela disse para o narrador fardado. Em resposta, ouviu uma observação do coronel Simões: “Eu não quero politicar”.

A parlamentar, autora de um projeto malsucedido, que punha fim à Lei da Anistia, retrucou: “Mas eu quero politizar”. Naquelas circunstâncias, houvesse ou não diálogos ríspidos, nada poderia melhorar o constrangimento do ambiente. Nem mesmo com a fidalguia protocolar de um convidativo cafezinho oferecido aos visitantes.
O mal-estar daquele dia era a extensão de situações semelhantes iniciadas no gabinete de Celso Amorim, ministro da Defesa, onde o general Enzo Peri, comandante do Exército, reuniu-se com civis para decidir se seria “permitida” a entrada de um grupo de parlamentares e advogados na ex-sede do DOI-Codi.
Peri foi apanhado de surpresa quando os parlamentares da Subcomissão de Direitos Humanos do Senado, como alternativa, anunciaram que levariam ao plenário o requerimento com o pedido oficial de visita. O general propôs formular um convite. Isso resultou, no entanto, em arrastada troca de comunicações sobre a lista de convidados. O Exército tentou vetar a presença de Erundina. O veto foi derrubado pelos parlamentares.
O objetivo da visita era e ainda é espinhoso. Transformar o local em centro de memória sobre a ditadura. Uma proposta que o general Peri chamou de “provocação barata”. Pelos parâmetros da caserna, talvez seja. Mas já não seria hora de alterar o conteúdo e a perspectiva de ensino nas escolas militares?
 
 

ANALISANDO A IMPRENSA

A pauta do copo vazio



Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



Durante o fim de semana, os principais jornais do país tiveram dois ou três bons temas para entreter seus leitores. No plano internacional, destaques para a retomada das conversações entre os Estados Unidos e o Irã e o resultado do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU, que aumentou a certeza sobre a responsabilidade do ser humano nas mudanças climáticas e consolidou os temores de um futuro mais penoso para a humanidade. Também ganhou repercussão o episódio da detenção de uma jornalista do Estado de S.Paulo, que tentou entrar em um espaço restrito da Universidade Yale, nos Estados Unidos, durante conferência fechada da qual participava o presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Joaquim Barbosa.
No meio das discussões sobre excessos da polícia americana, sutil ironia da Folha de S.Paulo, que informa também ter enviado repórter para o local, mas que, ao saber que o evento era vedado a jornalistas, resolveu se retirar.
Nas redes sociais, a costumeira radicalidade mistura condenações gerais aos Estados Unidos e críticas ao presidente do STF, que nada teve a ver com o incidente.
No cenário interno, destaque para a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na qual se constata a persistência de alguns entraves à distribuição equânime dos resultados do desenvolvimento econômico.
Os jornais fizeram uma leitura apressada dos indicadores, induzindo o leitor a concluir que as políticas oficiais de transferência de renda estão próximas do esgotamento. No entanto, quem se dedicasse a observar com mais atenção os números do IBGE do que os textos produzidos pelas redações, concluiria que estamos, na verdade, diante de uma mudança qualitativa importante no processo de redução das desigualdades sociais.
No sábado (28/9), as manchetes chamavam atenção para o fato de que a desigualdade e o analfabetismo pararam de cair, e a renda daquele 1% de brasileiros mais ricos subiu mais do que a receita média da população. Por outro lado, apesar do baixo desempenho da economia, o Brasil obteve grandes resultados em geração de emprego e renda.
Mas a imprensa segue evitando reconhecer a validade das políticas sociais e fugindo da questão da sustentabilidade do modelo econômico. Para os jornais, o copo está sempre vazio.
O desafio do futuro
No domingo (29), os jornais já haviam esquecido o assunto, embora a questão do desenvolvimento sustentável seja um dos principais desafios para os brasileiros e contenha alguns dos pontos que deverão concentrar os debates na campanha eleitoral de 2014.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE oferece um retrato muito instigante do momento por que passa o Brasil, depois de uma década em que as políticas sociais de transferência de renda produziram mudanças importantes no perfil da população. Basicamente, o que se pode dizer sobre esses indicadores é que tais políticas criaram uma nova classe de renda média, retirando milhões de famílias da pobreza, o que resulta em diminuição da desigualdade social, maior escolaridade e redução do trabalho infantil.
Um sistema econômico que gera oportunidades amplas também oferece ganhos de renda superiores para os mais educados, o que explica a manutenção das diferenças de receita entre os mais ricos e a média da população. Por outro lado, evidencia-se o desafio de integrar os mais velhos e menos educados no processo de desenvolvimento.
É nessa faixa da população que se concentram os problemas apontados pelas análises da imprensa: os cidadãos maiores de 40 anos que não tiveram até aqui a possibilidade de estudar terão cada vez menos chance de melhorar de vida e tendem a depender, no futuro, dos filhos que conseguem se educar. Esse entrave produz uma armadilha para os próximos anos, na qual os jovens de hoje terão que sustentar suas próprias famílias e os pais, que não conseguem fazer evoluir suas rendas no mesmo ritmo nem podem contar com uma aposentadoria suficiente.
Interessante observar que o analfabetismo ficou estagnado justamente entre os maiores de 40 anos, mas caiu entre os mais jovens. No entanto, é preciso concentrar esforços para que os jovens continuem a se educar, para evitar que um novo entrave composto pela baixa escolaridade se forme daqui a uma ou duas décadas.
Esses problemas estruturais do desenvolvimento brasileiro são típicos dos modelos emergenciais, que são capazes de produzir fenômenos como a mobilidade social massiva, mas carecem de sustentabilidade para criar plataformas de longo prazo.
Mas em vez de propor o avanço dessas políticas bem sucedidas, a imprensa prefere dizer que os programas sociais estão superados.
 
 
 

OS CONTRAS

A CHANTAGEM NA INFRAESTRUTURA



Mauro Santayana, na Agência Carta Maior




Nas últimas semanas, tem aumentado a pressão de diferentes setores, sobre o Estado, na questão da infraestrutura. Aproveitando-se da necessidade do setor público viabilizar os diferentes programas de concessão de ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, energia – no valor de 240 bilhões de dólares - para acelerar o crescimento da economia, todo mundo pressiona ou chantageia o governo.

Funcionários do DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - entraram em greve há dois meses, atrasando diversas licitações. Os empresários – nacionais e estrangeiros – buscam maximizar seus ganhos exigindo menores taxas de financiamento público, absoluto controle dos negócios e retorno de até 7,5%, em um mercado no qual, em alguns países, como Japão ou a Alemanha, o juro referencial do Banco Central está entre 0% e 0,5%.

E, finalmente, a grande mídia aperta alegremente os torniquetes, exagerando o que ela aponta como “fracassos”, e subestimando e desvalorizando eventuais acertos, como ocorreu com o seminário “Oportunidades em Infraestrutura no Brasil” realizado esta semana em Nova Iorque, pelo governo brasileiro.

O evento, ironizado por parte dos “analistas” de plantão, reuniu 350 fundos e investidores estrangeiros de grande porte, que controlam recursos da ordem de três trilhões de dólares.

Certa emissora de televisão reúne regularmente equipes de “especialistas” e jornalistas próprios e alheios, para desancar, quase todos os dias, a atuação do governo nesse contexto, torcendo, abertamente, para que os leilões de concessão não tenham sucesso, influenciando o resultado das eleições do ano que vem. 

Como já dizia James Carville, estrategista eleitoral de Bill Clinton na campanha contra o primeiro Bush, “é a economia, estúpido!”. Se a situação melhorar, crescem as chances de Dilma Roussef se reeleger. Mas os sucessivos entraves que vem sendo colocados às obras de infra-estrutura - greves, decisões judiciais, a hidrelétrica de Telles Pires paralisada pela terceira vez – e a sabotagem da mídia, não prejudicam apenas o atual governo. 

Como muitas são obras de longo prazo, elas afetam qualquer tendência, mesmo que de oposição, que venha a assumir o comando da Nação. E isso não apenas devido à persistência dos gargalos de infraestrutura, que prejudicam a competitividade nacional, mas também com relação às contas públicas. No final da história, depois de tantas paradas, há obras que duplicam o prazo de entrega e que triplicam de preço, e, aí, parcela da opinião pública – como a que se manifestou em junho - tende a acreditar que isso se deve à corrupção, e não vai querer saber se o culpado foi o governante que deu início à obra, ou aquele que a irá inaugurar.

Para resolver o problema, o estado precisa desmascarar alguns mitos - verdadeiros paradigmas - fabricados pela mídia, a ponto de gente do próprio governo neles acreditar. 

O principal é o de que a infra-estrutura só pode ser tocada pela iniciativa privada e com financiamento público majoritário do governo brasileiro, e que se não houver um retorno acima da média, os investidores irão debandar para outros países.

Se o Brasil não estivesse atraente para o investidor internacional, não seria o quarto destino do mundo em Investimento Estrangeiro Direto. No ano passado foram 65 bilhões de dólares, mais de cinco vezes o que recebeu, por exemplo, o México, que tem sido apresentado pelos mesmos setores da grande mídia como o novo queridinho dos mercados neste momento. 

Aportes como o do Santander, de 7,5 bilhões de dólares para investimento em infra-estrutura no Brasil, são quase simbólicos. Principalmente quando se considera que, apenas nesta semana, o banco de Emilio Botin anunciou o envio de dois bilhões de euros - faturados no mercado brasileiro - como “benefícios extraordinários” para seus investidores na Espanha. 

O leilão de Libra, mesmo que equivocado - o melhor seria entregar 100% do projeto à Petrobras – pode mostrar que nos países emergentes existem parceiros estatais e com capital suficiente para cooperar na implantação de qualquer grande projeto brasileiro. E isso, mesmo sem a presença de grandes corporações norte-americanas. 

O valor total do programa de investimentos em infra-estrutura do governo, por exemplo, não chega a 8% do que a China possui hoje, em reservas internacionais. 

Como exemplo de como atuam nessa área, os chineses pretendem construir, apenas no setor rodoviário, 88.500 quilômetros de rodovias até 2020, mais do que a distância total do sistema interestadual dos EUA, que, em 2004, tinha aproximadamente 74.650 quilômetros, segundo a Federal Highway Administration.

Para enfrentar a chantagem na área de infra-estrutura, o estado brasileiro precisa sair da dependência institucional da iniciativa privada. A retomada de grandes obras públicas, com a parceria entre estatais brasileiras e de países emergentes - que contam com recursos e know-how avançado no setor - pode provar, definitivamente, que existem alternativas para promover o crescimento e destravar o progresso da infra-estrutura em nosso país.


Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.



LIÇÕES

Mujica:" humanidade ocupou o templo com o deus mercado"



Vanessa Silva - Portal Vermelho








O presidente uruguaio Pepe Mujica voltou a surpreender o mundo com o seu discurso desassombrado na última terça-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas. Aos jornais uruguaios, Mujica prometera um “discurso exótico” e de fato fugiu do protocolo ao dizer que “tem angústia pelo futuro” e que a nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. 

“Sou do Sul e carrego inequivocamente milhões de pessoas pobres na América Latina, carrego as culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância eletrônica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios, de lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o dever de lutar pela tolerância.”

A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, sublinhou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. A nossa civilização montou um desafio mentiroso”. 

Para o chefe de Estado, que já havia surpreendido o mundo com o seu discurso durante a cúpula Rio+20, criamos uma “civilização que é contra os ciclos naturais, uma civilização que é contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite ter tempo para viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.

Mujica defendeu a utilidade da produção de recursos no mundo: temos que “mobilizar as grandes economias não para produzir descartáveis com obsolescência programada, mas para criar coisas úteis para a população mundial. Muito melhor do que fazer guerras. Talvez nosso mundo necessite de menos organismos mundiais, destes que organizam fóruns e conferências. E que no melhor dos casos ninguém obedece”. “O que uns chamam de crise ecológica é consequência da ambição humana, este é nosso triunfo e nossa derrota”.

E defendeu que é através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado.

Paz e guerra

“A cada 2 minutos gastam-se 2 milhões de dólares em orçamentos militares. As investigações médicas correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu o mandatário ao criticar a política da guerra.

Assim, criamos “este processo do qual não podemos sair e causa ódio, fanatismo, desconfiança, novas guerras; eu sei que é fácil poeticamente autocriticarmos. Mas seria possível se firmássemos acordos de política planetária que nos garanta a paz”. Ao invés disso, “bloqueiam os espaços da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a humanidade”.

O uruguaio também abordou a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do planeta”.

“Nosso pequeno país tem a maior quantidade de soldados em missões de paz e estamos onde queiram que estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com conhecimento de causa, garantiu o mandatário, que “estes sonhos, estes desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais para governar nossa história e superar as ameaças à vida”. Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo não são da África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que, globalizada, deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.

“Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida e entendermos que a espécie somos nós” e concluiu: “a espécie deveria ter um governo para a humanidade que supere o individualismo e crie cabeças políticas”.


29 setembro 2013

AS FALCATRUAS TUCANAS

O mensalão PSDB-MG é lindo

Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?

 
 
Paulo Moreira Leite, em seu blogue
 
 

O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.  
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade. 
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos  detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula? 
 
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil.  Ele foi  condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,  remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.  
 
Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para  quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
 
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros  – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”,  nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
 
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
 
Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente  sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,  butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF atrás de si.  
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer  pizza. O STF veio atrás, como o presidente   Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.  
 
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
 
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores. 
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir? 
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.
 

AINDA O ECONOMIST

Economist quer agradar Higienópolis


Miguel do Rosário, no blogue O Cafezinho



A última edição da britânica The Economist, trazendo uma capa duramente crítica ao Brasil, produziu grande euforia nas hostes coxinhas. No post anterior, eu dei uma resposta preliminar, com base apenas na capa e nas chamadas, que já prenunciavam o teor da matéria.
Agora, que tive a pachorra de ler os nove textos, mais a abertura, posso fazer uma crítica mais consistente.
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Em primeiro lugar, baixemos as armas. Eu gosto da Economist. Acho uma revista elegante e bem redigida. Quer dizer, eu gostava. Mas não foi a capa ofensiva ao Rio e ao Brasil que me fez mudar de ideia. Não sou de ligar muito para essas coisas, e na verdade não sou tão ufanista como me “acusam” alguns. Também tenho milhares de críticas ao governo federal e ao PT, com os quais, sempre é bom deixar claro, não tenho nenhum elo ou obrigação.
O que me fez mudar de ideia em relação à Economist foi o último artigo de capa, um libelo sem-vergonha em favor de intervenções armadas dos EUA. É notório que o principal público consumidor da revista hoje em dia está nos Estados Unidos. A matéria favorável à indústria bélica mostra que, infelizmente, os patrocinadores também estão lá.
Voltando à matéria sobre o Brasil, juro que li os textos com máxima boa vontade. A jornalista Helen Joyce, como quase todos na Economist, é ótima redatora e me pareceu uma profissional disciplinada. Deram-lhe uma missão, escrever uma série de textos com um viés de oposição, e ela a cumpriu com dignidade. Respeito isso.
Entretanto, temos que entender as razões. A Economist tem um evento agendado no Brasil para outubro, cujos patrocinadores são os seguintes:
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Os dois primeiros são fundos de investimento que vem perdendo bilhões com a decisão de Dilma de reduzir os juros, e o terceiro é uma petroleira estrangeira com interesse no pré-sal e uma agenda política específica e urgente para 2014.
Os palestrantes brasileiros conhecidos são os seguintes. Não riam.
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Faltou aí apenas o Alckmin e o Aécio Neves, para completar a cúpula do tucanato nacional.
Joaquim Barbosa,  por incrível que pareça, dará uma palestra sobre… reforma política, assunto que ele domina tanto quanto o ex-presidente, Ayres Brito, sabia de física quântica e hábitos alimentares de passarinhos. Ou seja, nada. Preparem-se para as bombas!
Sem contar que não consigo conceber nada de pior em termos de mau gosto e insensibilidade democrática, mas sintomático do que está acontecendo no Brasil, do que chamar o presidente do judiciário para falar de um tema cujo debate está só começando no legislativo. Montesquieu se remói no túmulo.
A estratégia empresarial da Economist, portanto, está clara como os olhos de Eduardo Campos. Ela quer seduzir a direita endinheirada de São Paulo. E nada melhor, neste sentido, do que falar mal do Brasil.
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Sobre a matéria em si, seguem algumas observações.
A reportagem abre com um tom ridiculamente professoral. Logo no subtítulo do primeiro texto, o leitor topa com o seguinte aviso:
“Tendo chegando tão perto de decolar, o Brasil travou. Helen Joyce explica o que deve ser feito para o país ganhar o espaço novamente”.
Com todo o respeito à competente Helen Joyce, se ela realmente tivesse as soluções para os problemas que assolam um país tão complexo como Brasil, ela não seria apenas uma repórter da Economist, mas uma consultora internacional que mereceria ganhar milhões de dólares por ano.
Ainda mais porque as “soluções” trazidas por Joyce não passam de clichês neoliberais, ou pior, ideias estapafúrdias e anti-povo de economistas tucanos. No texto que conclui a reportagem, Joyce confessa o viés partidário de toda a matéria:
“O país pode superar o alto e mal direcionado gasto público, através da limitação de qualquer aumento em no máximo metade da taxa de crescimento econômico, conforme economistas ligados ao oposicionista PSDB vem sugerindo.”
A ideia é socialmente criminosa e politicamente colonial. Além de idiota, claro. Se alguém sugerisse tal coisa na Inglaterra seria ridicularizado, inclusive pela Economist. Mas como é para o Brasil, e pode beneficiar os especuladores que patrocinam a Economist, então não é só válida, como apresentada como solução brilhante.
Os problemas listados pela matéria são reais. Há graves problemas de infra-estrutura. As obras demoram a terminar, e sempre ficam mais caras do que o acertado inicialmente. Os serviços públicos ainda deixam muito a desejar. Entretanto, eu fico imaginando como seria útil, a esta repórter, que ela entrasse numa máquina do tempo e voltasse ao Brasil de dez anos atrás. Desemprego altíssimo, dívida externa descontrolada, inflação alta, juros estratosféricos, crédito zero para pobres, situação de tragédia social em vasta regiões. E, sobretudo, uma criminosa falta de investimentos… em infra-estrutura.
A reportagem peca ao não fornecer ao leitor um balanço realista, com dados, sobre o universo de obras em andamento no país. O leitor certamente sairia menos pessimista se fosse informado de que entre as cem maiores obras de infra-estrutura em andamento no mundo, boa parte se encontra no Brasil.
Não podemos esquecer que as belas estradas inglesas, seu magnífico sistema ferroviário e seus portos e aeroportos modernos foram construídos com recursos e sangue oriundos da exploração colonial de países pobres, incluindo o Brasil.
O Brasil está se auto-construindo com dinheiro próprio e trabalho duro; sem explorar e humilhar nenhuma colônia, sem fazer guerras. É claro que é um processo mais lento e mais difícil. Mas quando encerrarmos este ciclo, teremos uma dignidade que poucas nações poderão exibir.
A parte em que fala de política me pareceu leviana e hipócrita, como se fosse um problema só do Brasil, ou como se ela tivesse se baseado em informações colhidas na imprensa partidária. Independente dos problemas do sistema político brasileiro, que são inúmeros, na comparação com outras democracias ocidentais, exibimos um dos melhores índices de alternância política e produção legislativa. Em lugar nenhum a democracia é um mar de rosas, nem os políticos, seja na Inglaterra, EUA, em qualquer lugar, são exemplos de idoneidade. Mas nos últimos anos testemunhamos no Brasil a criação de instâncias de controle administrativo e combate à corrupção, além das ferramentas e leis de transparência, que hoje são referência internacional.
Me parece que os “protestos” de junho, ao afetarem a popularidade do governo, acenderam as esperanças da revista de uma vitória da direita em 2014, e isso a fez estreitar laços com a oposição. A bem da verdade, a Economist vem se aproximando da oposição há tempos, sobretudo desde que o governo decidiu acelerar a queda dos juros básicos, medida que afetou severamente a rentabilidade dos fundos de investimento que patrocinam a publicação. As matérias pedindo a cabeça de Guido Mantega serviram apenas para desmascarar a ridícula arrogância da Economist, e sua defesa de rentistas globais que há séculos chupam o sangue dos brasileiros.
A matéria, vista como um todo, é um retalho de contradições, porque louva a ascensão da nova classe média e o baixo desemprego, mas critica a universalização do sistema previdenciário, sem fazer a conexão entre as duas coisas, além de omitir que se trata de um avanço que a Inglaterra e toda Europa conquistaram há muito tempo.
É lamentável constatar que a elegante e sóbria Economist tenta agradar os vira-latas medievais de Higienópolis às custas de vender soluções profundamente nocivas aos interesses populares e à nossa soberania política.