07 dezembro 2015

EM DIREÇÃO AO CADAFALSO

A imolação de Cunha


Maurício Dias, na Revista CartaCapital




Não foi por qualquer razão de natureza técnica. Ao contrário. A decisão tomada porEduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados, de acolher o pedido deimpeachment de Dilma foi, acima de tudo, um ato de desespero.
Este é o fator preponderante de um movimento, muito além de mero jogo político, temperado pelo sentimento de vingança. Cunha jogou a toalha. Um gesto simbólico de desespero.
Ele confiava desconfiando no acordo com feitio de chantagem imposto por ele ao Partido dos Trabalhadores. Esperava contar com os votos de três angustiados deputados petistas, integrantes do Conselho de Ética.
Nota distribuída pelo presidente do PT, Rui Falcão, anunciou o afastamento de Cunha. O partido juntou os cacos e uniu-se contra a maldita aliança que provocava engulhos. Com isso, perdeu a maioria no Conselho de Ética. A suposta barganha foi para o espaço. Cunha reagiu.
Sem a maioria no Conselho de Ética, ele será empurrado em direção ao cadafalso na Câmara que preside. Vai responder à denúncia de ter mentido a seus pares quando garantiu não ter contas no exterior, conforme a denúncia contra ele encaminhada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal. Os argumentos apresentados por Cunha são frágeis. Risíveis até. Ele está sem saída.
Meses atrás, ao anunciar seu rompimento com Dilma, ele prometeu “incendiar” o governo. Isso porque julgava que Dilma pudesse interferir nas ações do Ministério Público Federal ou mesmo nas ações da Polícia Federal. Se quisesse, não deveria.
Cunha, no centro da crise política, foi mais longe. Com apoio da oposição, notadamente o PSDB, atrapalhou bastante, e ainda atrapalha, a administração de Dilma. Ele contribuiu efetivamente para a desmontagem da base do governo no Congresso. 
Ao perder o apoio envergonhado do PT, voltou ao ninho tucano. Estimulado, fez o que os adversários do governo pretendiam. Mas não terá o apoio necessário para evitar a reação interna. Para tentar queimar Dilma ateou fogo às vestes. Agora arde sozinho. Será que os tucanos vão blindá-lo?
O golpe, em formato de impeachment, dificilmente será bem-sucedido.
Os números governam o processo se ele seguir o curso. Uma comissão especial com 66 titulares, representação proporcional ao tamanho das bancadas. Se não cair nesta fase, será discutido e votado pelo plenário da Câmara. O processo de impeachment, para ser aberto, precisará alcançar dois terços da Câmara. Ou seja, 342 deputados.
No Senado a aprovação será ainda mais difícil. A maioria necessária para aprovação é de dois terços. Nesse caso, 54 senadores dos 81 existentes. A oposição, ciente disso, vai promover com os meios que tiver e a influência nos meios de comunicação os movimentos ditos “espontâneos”.  Essa é outra história.
Mas o curso do destino de Eduardo Cunha está traçado. Será desonroso. Voltará mais cedo para casa. Talvez antes passe pela cadeia.


09 novembro 2015

NÃO "PEGOU"

O impeachment da democracia


Luiz Gonzaga Belluzzo, na Revista CartaCapital



Em 1992 os caras-pintadas acorreram às ruas para pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.
Pouco antes, em longa conversa comigo na presença do jornalista Roberto Müller Filho, Ulysses Guimarães desfiou temores e preocupações diante do iminenteimpeachment do presidente eleito pelo voto popular.
Os receios do Senhor Diretas concentravam-se no “vício antidemocrático” dos donos do poder, habituados a manejar os cordéis do arbítrio a seu talante e ao sabor de seus interesses.  A cavalgada do mandonismo pode ocorrer no lombo dos fardados ou nos ombros dos bacharéis habilitados a chicanas e firulas de variado sabor doutrinário.
Às vésperas da morte trágica, Ulysses compreendeu que a campanha popular pelas eleições diretas e a Constituição ainda sofriam o assédio insidioso, persistente do velho e sempre renovado arranjo oligárquico que controla a vida dos brasileiros.
Reafirmo, em seguida, o que disse em colunas anteriores: nas almas dosimpichadores brasileiros de hoje estão entrelaçadas as brutalidades do atraso oligárquico e a hipermodernidade da barbárie “internética” que intoxica o ambiente social com sua nuvem de ignorâncias.
As baixarias revelam, sobretudo, indigência cultural e desprezo absoluto pelos valores do liberalismo político, o que nos coloca na rabeira do processo civilizador, ou, se quiserem, na vanguarda do movimento de retorno à idade da pedra lascada. O Estado Democrático de Direito não “pegou” na Terra de Santa Cruz. Seus princípios jazem inertes nos compêndios.
As garantias individuais ainda não saíram dos códigos para ganhar vida nos ambientes sociais frequentados pelos abusos dos senhoritos da “ordem” e seus sequazes. O Datafolha informa que 76% dos que exibem sua ignorância nas manifestações pró-impeachment têm nível superior. A cifra é uma delação não premiada, com o indicador apontado para a impotência da educação em conter a degradação dos indivíduos na sociedade capitalista de massas.
Os brasileiros – alguns hoje se manifestam nas ruas – foram submetidos a um processo de “esquecimento coletivo” promovido cum ira et sine studio por uma conspiração de silêncio. A conspirata envolve não só os conhecidos esbirros do conservadorismo, os senhores da mídia e seus lacaios nas redações, mas também o sistema educacional, do ensino básico ao superior, empenhado em formar analfabetos funcionais ou, na melhor das hipóteses, “especialistas” incapazes de compreender o mundo em que vivem. A turma do andar de cima exalta as virtudes da educação, mas promove com esmero e persistência as crueldades da Pátria Deseducadora.
Impeachment
Manifestação em São Paulo pela saída de Dilma Rousseff | Crédito: Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
A estrutura de classes no Brasil é muito original: na cúspide, os predadores que se atiram com incontida sanha e apetite nos juros da dívida pública; no meio, os trouxas e os espertalhões ideológicos das camadas falantes semi-ilustradas; lá embaixo, os “ferrados” que tentam desesperadamente escapar da miséria.
A turma de cima não tem o hábito de dar refresco ao inimigo. Em suas fileiras abrigam-se os liberais que apoiam golpes de Estado, as camadas endinheiradas e remediadas que mal toleram a soberania popular e as gentes midiáticas que abominam a opinião divergente.
No recente seminário realizado no Brasil, a revista The Economist insistiu em se abeberar nas fontes de sempre, as sabedorias funcionais do cosmopolitismo caboclo. Para não desperdiçar a oportunidade, incrustaram o juiz Moro na coroa de celebridades que os nativos costumam exibir para inglês ver.
Nas duas matérias de capa que há tempos trataram do Brasil, a revista britânica enredou-se em dois extremos ridículos: na primeira capa, a exaltação precipitada; na segunda, o besteirol fecundado nas ideologias que levaram a economia mundial ao desastre financeiro.
Não tiveram tino para perceber que as lideranças das classes dominantes brasileiras e seus porta-vozes na mídia estão sempre alinhados com o que há de mais expressivo no caquético capitalismo brasileiro.
O arranjo social do atraso preconiza uma sociedade submissa ao rentismo, refém da estagnação, prisioneira da defesa da riqueza estéril alimentada pelos fluxos de hot dollars. Imobilizados nos pântanos do parasitismo, os bacanas e sabichões acovardam-se diante dos azares da incerteza, avesso aos riscos de construção da nova riqueza.
Aí está desvelado, em sua perversidade essencial, o “segredo” das reivindicações antissociais dos vassalos do enriquecimento sem esforço cevado por taxas de juro absurdas. Clamam pelo aumento do desemprego. Este é o alto preço que o presente agrilhoado ao passado cobra do futuro.



06 novembro 2015

ESPÍRITO GUERRILHEIRO

O espírito do passado


Mino Carta, na Revista CartaCapital



 Véspera eleitoral de 2010, almoço em uma “mansão” de bairro “nobre”. Singulares situações, embora largamente justificadas, me escalam à mesa de alguns “colunáveis” a rodearem o rei da Suécia, como se sabe casado com brasileira e desde então a fazer lobby do seu célebre caça Gripen. Coloquei algumas palavras entre aspas por obra de respeitosa adequação ao linguajar do jornalismo nativo.
Permito-me uma digressão. Eu também moro em região “nobre”, os Jardins paulistanos, e me abalo a garantir que de nobre ali não há coisa alguma. O bairro do almoço, de fato um banquete, é ainda mais graúdo, e me pergunto como o chamariam os repórteres ao confrontá-lo com o meu. Nobilíssimo? Principesco?
Reina naquele recanto uma acentuada balbúrdia arquitetônica, de sorte a impor no mesmo cenário a casa dos sete anões, sempre à espera da neve, e Tara, moradia neoclássica de Scarlett O’Hara, em meio aos algodoais. Ou a vivenda de Zorro e um disco voador.
Há outros contrastes, contudo, naquele faiscante rincão: nele se encravam favelas do tamanho de históricas cidades europeias, uma Siena ou uma Bruges. Sem maior tormento por parte dos moradores, acham tudo muito natural. Afora os assaltos.
Retorno ao almoço opíparo. Inquietava a alguns dos convivas a perspectiva de ver eleita uma “guerrilheira” (continuam as aspas) de origem búlgara, uma tal de Dilma Rousseff. A conversa produzia um ruído desagradável aos meus ouvidos e lá pelas tantas não me contive e, de lança em riste, proclamei que uma coisa é ser guerrilheiro contra uma ditadura e outra é sê-lo contra um Estado de Direito.
É a diferença entre Dilma, digamos, e Cesare Battisti, o assassino que ganhou asilo no Brasil graças à devastadora ignorância nativa, alimentada, inclusive, por muitos ditosesquerdistas nas nossas plagas.
Exagerei, repito. Em determinados momentos pareço-me com Pickwick, a personagem de Dickens que perdia as estribeiras enquanto aumentava a empolgação do revide. Deveria eu era ter dado uma gargalhada. Nem sempre, infelizmente, reajo como convém no confronto com a selvageria.
Por exemplo. Como reagir diante das últimas capas das revistas Veja Época? Independentemente das acusações que precisam ser provadas, algo similar não aconteceria, disso tenham certeza, em qualquer país civilizado e democrático.
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Os adeptos do “Fora Dilma” acham, em boa ou má-fé, que o impeachment resolve / Thyago Marcel/Câmara dos Deputados
Ninguém à mesa imaginava que algum dia ainda culparia Lula por ter cumprido a mesma tarefa desempenhada pelo rei da Suécia, afável presença, alheia ao entrevero, e a quem não foi simples explicar-lhe as razões. De todo modo, alguém perguntara se um nascido em terra estrangeira, ou seja, o acima assinado, teria direito de tomar aquelas ofensivas atitudes.
A evocação se deve a uma consideração posterior: Dilma Rousseff não foi a “guerrilheira” sugerida naquele almoço guardado na memória. Fez, porém, um governo inquestionável até final 2013, conforme prova em sua magistral coluna desta edição o professor Delfim Netto. Os problemas fermentaram em seguida, e não apenas como efeito da crise econômica mundial. Os resultados estão aí, e nos penalizam a todos.
Os adeptos do “Fora Dilma” acham, em boa ou má-fé, que o impeachment resolve. Enganam-se, obviamente. Nada pior do que golpear fatalmente a nossa incipiente democracia. Do seu lado, Dilma, para não conferir sentido à sua presidência, não tem, na minha opinião, outra saída a não ser encarnar o espírito da guerrilheira prometida, e temida, e não cumprida.
Adaptada aos dias de hoje e às esperanças de quem sonha o Brasil como um país feliz para todos. Trata-se de reencontrar a energia da juventude combativa para assumir a chefia afetiva do governo e reavaliar as políticas até aqui implantadas, e as figuras políticas chamadas a pô-las em prática.
Trata-se, sobretudo e antes de mais nada, de enfrentar de cara aberta uma oposição desvairada, apoiada pelo delírio midiático e favorecida pela tibieza das reações dos seus alvos. Contra a desesperança, é preciso mostrar imperiosamente que o País não está desgovernado.



04 novembro 2015

A QUALQUER PREÇO

Lula assombra a oposição


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Há mais de 12 anos a oposição tucana, após ser expulsa de um ciclo de poder de oito, procura com o apoio solidário da mídia um remédio para voltar a ocupar o Palácio do Planalto e os demais vetustos conservadores.
Para isso é preciso vencer Lula. A qualquer preço. Como não pode fazer o ex-presidente beber cicuta e, ainda mais, sem um programa alternativo de governo convincente, a dita oposição sentou-se ao piano para tocar o samba de uma nota só: corrupção.
Essa hipocrisia moralista remete à célebre observação entediada de Millôr Fernandes: “Estou cansado de sentar à mesa com corruptos para falar da corrupção”.
Na continuidade desse objetivo político, os oposicionistas, sem sucesso, abalados por quatro derrotas na disputa pela Presidência da República, partiram para o desespero. Resolveram sacrificar os políticos e ospartidos e, para isso, não se importaram em atear fogo às próprias vestes.
A oposição plantou vento e colheu tempestade.
Essa é a tradução mais próxima do resultado apontado pela recém-publicada pesquisa Ibope, cujo objetivo foi o de perceber o sentimento do eleitor sobre os prováveis presidenciáveis na eleição de 2018. O resultado está nos porcentuais elevadíssimos de repulsa aos políticos e, por dedução, à política.
Lula lidera esse ranking negativo com 55% de rejeição, em empate quase numérico com José Serra, que tem 54%. Em empate técnico com esses dois, estão Geraldo Alckmin eCiro Gomes, com 52%, seguidos por Marina Silva com 50% e por Aécio Neves com 47% de rejeição.
Intenção-de-votos-2015
Embora a pesquisa foque a rejeição, pode-se projetar o possível resultado nas urnas, se a eleição fosse hoje, a partir da resposta dos eleitores a duas perguntas: a certeza do voto e a possibilidade de votar (tabela).
“O resultado da pergunta sobre a certeza do voto, manifestada pelo eleitor, é, nesse momento, a mais consistente indicação da pesquisa”, assegura Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope.
Há algumas surpresas no resultado dessa sondagem. A elevada rejeição a Aécio e a Marina. Ele tinha 32% e Marina 31% em outubro de 2014. Um aumento de 15% e 19%, respectivamente.
O porcentual de rejeição a Lula, elevada em 22% desde maio de 2014, é facilmente explicável. Além do intenso ataque da mídia, o ex-presidente recebe reflexos da crise econômica conjuntural.
Os resultados da pesquisa fazem vislumbrar uma trajetória para a vitória de Lula maior do que a de seus adversários. O esforço do desmanche da política e dos partidos beneficia os líderes com capacidade de transferir e captar votos de diferentes classes sociais. Favorece, assim, a Lula.


31 outubro 2015

SIMPLES ASSIM: ÓDIO DE CLASSE

Desta vez não dá


O desvairado ataque midiático movido a ódio de classe trai a fraqueza e o desespero da casa-grande

por Mino Carta, na Revista CartaCapital

Transcrevo o primeiro período do editorial do Estadão de quarta 28: “Não se pode dizer que tenha causado surpresa o fato de a Operação Zelotes da Polícia Federal ter estendido suas investigações à empresa de um dos filhos de Luiz Inácio Lula da Silva e convocado a prestar depoimento seu fiel acólito, Gilberto Carvalho”. Na mosca.

De fato, não causa surpresa alguma que a Zelotes ganhe subitamente a atenção nunca merecida. Tampouco causaram as retumbantes manchetes tanto do próprio Estadão quanto da Folha de S.Paulo que na terça 27 celebraram o evento. Há uma operação em curso, contudo, a transcender os alcances da Zelotes e quaisquer outras. A Operação Anti-Lula, Anti-Dilma, Anti-PT, precipitada por um afã destruidor capaz de atentados à verdade factual e aos valores e princípios democráticos e republicanos. 

O empenho é tanto que um mero boato espalhado pelos apaniguados (ou seriam acólitos?) de Eduardo Cunha, intérpretes do seu espírito ardiloso, a respeito da viabilidade técnica do impeachment, move as manchetes da quarta 28, para que o próprio presidente da Câmara as desminta na manhã do mesmo dia. Ele avisa, com a expressão de Buster Keaton, não ter nada a ver com o rumor. Ah, sim, Keaton: grande ator cômico do passado remoto que jamais sorria.

A Operação a serviço do ódio de classe é ampla e complexa, conta com a instrumentação da mídia nativa e evoca situações pregressas. Não é por acaso que o editorial do Estadão, que me inspira de saída, intitula-se: “Lula e o mar de lama”. Pois é, o fatídico mar de lama em que, segundo o Estadão de 60 anos atrás, então nutrido pela retórica de Carlos Lacerda, soçobrava o Palácio do Catete habitado pelo velho Getúlio Vargas.

É do conhecimento até do mundo mineral que se esboçava o golpe de 1964. A história repete-se. Como farsa, há quem diga. De minha parte, intuo um progresso, na acepção mais completa da palavra, mesmo porque não enxergo em Lula a vocação suicida que muitos historiadores apontam em Getúlio. Lula gosta da vida e quer vivê-la. Não sei se a encenação atual há de ser definida como farsa, embora não me desagrade a ideia ópera-bufa. Sobra-me apenas uma certeza, e me atrevo a decliná-la em pleno andamento do espetáculo: desta vez a manobra está destinada ao fracasso. Por ora, no que diz respeito ao impeachment. Depois, veremos.

Entenda-se. O tempo é outro. Às vezes, admito, o meu ceticismo dobra meu inextinguível otimismo na ação, mesmo assim há na trama uma patetice que trai o desespero. Uma dúvida latente dos graúdos, a denunciar a desconfiança na sobrevivência da força esmagadora que, faz 60 anos, alimentava as certezas dos senhores da casa-grande. Algo se deu pelo caminho, além de uma leve melhora nos índices da desigualdade.

Recordo épocas tragadas pelo galope do tempo, em que um termo da moda era conscientização. Talvez algo se mova agora neste sentido. Meus botões admitem a crença de que cresceu o contingente de quantos se habilitam a perceber o lado tolo, e até ridículo, de um enfadonho, desvairado ataque midiático, a aguçar o açodamento raivoso da minoria e exibir sua fraqueza.

Surpreende uma pesquisa Ibope, divulgada pelo site do infatigável Estadão, para tratar dos índices de rejeição das figuras políticas eventualmente candidatáveis às eleições de 2018. Os 55% que penalizam Lula são citados em primeiro lugar, mas o júbilo dura pouco. José Serra tem 54, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes 52, Marina Silva 50, Aécio Neves 47. Creio, em todo caso, que estas porcentagens tenham peso relativo. Muitos dos entrevistados quem sabe entendam ser a pesquisa prematura, à vista do longo prazo que nos separa do pleito.

“Apesar da rejeição – e aqui volto a citar o Estadão – o porcentual dos eleitores que com certeza votariam nele (Lula, leia-se) é maior do que a de todos os seus potenciais adversários.” Ou seja: 23% contra 15% de Aécio, 11% de Marina, 8% de Serra e 7% de Ciro. Cuja presença na liça favoreceria o petista, conforme a análise dos meus botões. Ou, por outra, se as eleições se dessem hoje, a despeito de toda a campanha contrária febrilmente desfechada pela mídia, o ex-metalúrgico, homessa!, retomaria a Presidência. 



29 outubro 2015

VERÃO QUENTE

O que eles veem


Janio de Freitas, na FSP




O impeachment de Dilma Rousseff e a cassação de Eduardo Cunha estão agora entrelaçados, mais distantes no calendário, mas com futuros separados e perspectivas diferentes.

O pedido de cassação de Eduardo Cunha, por iniciativa do PSOL e da Rede de Marina, demorou 15 dias para ir da Mesa da Câmara ao Conselho de Ética, onde chegou ontem. É um prenúncio. Os prazos do Conselho e as férias de verão do Congresso, a começarem em 22 de dezembro, não se entendem bem com a decisão sobre Cunha. Não há previsão do que o relator pretenda, entre inquirição de testemunhas e coleta de documentos, para formar sua proposta ao Conselho. Não é provável, portanto, que mesmo nessa instância preliminar haja decisão antes do recesso parlamentar.

Remota embora, no entanto pode haver. Se, porém, houver e for pela cassação de Eduardo Cunha, a proposta ainda terá de passar à instância seguinte, o plenário que efetivará a medida extrema ou a absolvição. Logo, mesmo que o Conselho de Ética submeta a proposta de cassação ao plenário, só daqui a mais de três meses haveria a decisão final.

Pressa, ou desejo mal controlado, produziu ontem a notícia "Câmara recomenda a Cunha dar aval ao impeachment". Falta muito para a Câmara chegar à etapa de iniciativas e decisões. A pedido de Eduardo Cunha, assessores teriam concluído parecer que aprova o embasamento jurídico do pedido de impeachment de Dilma assinado por Hélio Bicudo, Reale Jr. e Janaína Paschoal. Mas também há a informação –aliás, citada de raspão pelo "Globo"– de um parecer em sentido contrário e também pedido por Cunha. Para dar ares jurídicos à decisão que tome, de encaminhar ou arquivar o requerimento de impeachment. Duplicidade sensata, mas sobretudo típica de Eduardo Cunha, o astuto.

Nestes dias de "nova mídia", depois de ler o noticiário é recomendável recorrer aos mais bem informados para saber qual das informações contraditórias é mais confiável. Ou menos inconfiável. Do almoço na casa de Eduardo Cunha, anteontem, aquele jornal do Rio publicou que os presentes ouviram dele que sua decisão, sobre encaminhamento do pedido de impeachment, "dependerá de um fator externo". Qual seja, haver ou não pedido do procurador-geral da República ao Supremo para o afastamento de Cunha. A medida o levaria a agir contra Dilma. Mas também se podia ler que os outros presentes nada ouviram sobre o procurador-geral e sobre tal assunto.

É óbvio que Eduardo Cunha fez do pedido de impeachment uma arma de muitas utilidades. Mesmo inexistindo submissão do procurador-geral ao governo ou a Dilma, associá-los é a maneira encontrada por Cunha para justificar sua manipulação do impeachment. Mas, sem contrariar esse jogo, da sua e da parte do governo há sinais de novos conceitos mútuos. Os quais, se consolidados, vão se refletir em disposições também mútuas.

Em prazos, as perspectivas para Dilma, quanto ao pedido dos três juristas, são mais ou menos as de Cunha. Mesmo o potencial de um processo parlamentar proveniente do Tribunal de Contas da União, sobre as "pedaladas", é pequeno, já por não se tratar de crime de responsabilidade, como exigido para impeachment.

Logo, tudo no Brasil está e continuará, ainda por meses, pendurado em dois assuntos tão vivos quanto mortos. Ainda que se resolvam algumas pendências do governo no Congresso, para o desajuste econômico, para os próximos meses não se vislumbra promessa de situação definida, em qualquer sentido.

Afora uma hipótese, merecedora de expectativa. Na Procuradoria Geral da República aumenta a confiança em que seu material sobre Eduardo Cunha leve a muito mais do que processos comuns por recebimentos ilegais, evasão de divisas, lavagem e contas não declaradas. Nas suas considerações, a Procuradoria nem se preocupa com férias parlamentares.

Rodrigo Janot leu que o verão vai ser quente como poucos. E não havia outra notícia dizendo o oposto.

(Extraído do CONVERSA AFIADA, de Paulo Henrique Amorim)


26 outubro 2015

MÃOS LIMPAS, LAVA JATO: LIÇÕES DA ITÁLIA

Itália mostra que escândalo não purifica

Humberto Saccomandi, no Valor
Há uma tese corrente no Brasil que diz que, apesar dos escândalos e da corrupção, as instituições brasileiras estão reagindo bem e o país sairá fortalecido desta crise. Infelizmente, essa tese é frágil: a própria proposição sobre o desempenho das instituições é questionável e nada garante o panglossiano final feliz fortalecido. Basta olhar para a Itália: 23 anos depois, o país ainda sofre com as sequelas do seu grande escândalo.
A operação Lava-Jato é frequentemente comparada à operação Mãos Limpas, que abalou a Itália no começou dos anos 90. Há realmente muitos elementos em comum, mas também circunstâncias e características distintas. O que ocorreu por lá não necessariamente acontecerá por aqui, mas o caso mostra como os riscos são grandes.
A operação italiana, que começou em 17 de fevereiro de 1992, apurou o escândalo conhecido como Tangentopoli (algo como Propinópolis ou Subornópolis). Assim como a Lava-Jato, a Mãos Limpas começou investigando uma denúncia localizada de corrupção, mas acabou desvendando um gigantesco e disseminado esquema de financiamento político ilegal.
Itália ainda sofre com sequelas de seu grande escândalo
Os números da Mãos Limpas, operação tocada sobretudo por um pool de procuradores de Milão, impressionam. Mais de 5.000 pessoas foram investigadas, segundo o levantamento do livro “Mani Pulite, la Vera Storia”, de Marco Travaglio e Peter Gomez. Cerca de 3.200 foram denunciadas e 1.254 foram condenadas (mas, atenção, as denúncias contra 424 acusados prescreveram).
Não há um cálculo de quanto dinheiro foi desviado, pois a investigação italiana não estava focada numa empresa, como no caso da Lava-Jato com a Petrobras. A corrupção – basicamente o pagamento de propina para a venda de bens e serviços ao governo – estava disseminada pelos mais variados setores, em todos os níveis da administração pública. Houve até propina para venda de medicamentos hemoderivados. Alguém acredita que no Brasil seja diferente?
O mais impressionante, porém, foi o impacto político-institucional do escândalo. Em menos de dois anos, após uma sangria de eleitores, os cinco partidos (de centro-direita) mais atingidos tinham desaparecido. Foram dissolvidas siglas históricas, como a Democracia Cristã, que conduziu a Itália no imediato pós-guerra, e o Partido Socialista Italiano, que tinha mais de cem anos. Será que o PT vai igualmente acabar?
Uma geração de políticos desapareceu de cena junto com esses partidos. O líder socialista Bettino Craxi, por exemplo, que fora premiê de 1983 a 87, fugiu para a Tunísia, para não ser preso. Acabou morrendo no exílio, no ano 2000.
Essa implosão do sistema político (a esquerda italiana já estava em crise desde a queda do Muro de Berlim) teve desdobramentos perversos. Emergiram duas forças políticas altamente disruptivas: o partido populista Forza Italia, do bilionário Silvio Berlusconi (que entrou na política para salvar a si e a seu império, após a queda de Craxi, o seu protetor político), e a Liga Norte, um grupo conservador, separatista e xenófobo, de caráter territorial, isto é, presente somente no norte da Itália. Com isso, as coalizões de governo no país se tornaram mais difíceis e menos eficazes. E o debate político foi sendo aos poucos tomado pela intolerância.
Esse sistema político disfuncional, que sobreveio ao escândalo, degradou o governo, o Estado e boa parte das instituições italianas pelos 20 anos sucessivos. Executivo e Judiciário passaram anos em guerra aberta. O Parlamento legislava descaradamente em benefício pessoal de Berlusconi. Outros escândalos, menores, se sucederam. A esquerda, quando chegou ao governo, foi vítima de suas próprias divisões internas, mas também de golpes sujos, como quando o grupo de Berlusconi comprou um senador para tirar a maioria parlamentar do governo do premiê Romano Prodi, que foi obrigado assim a renunciar.
Mais recentemente, os últimos três premiês da Itália (Mario Monti, Enrico Letta e Matteo Renzi) não disputaram e não foram eleitos para o cargo. Assumiram em manobras parlamentares, num claro déficit democrático.
O resultado desse imbróglio, em termos econômicos e sociais, foi desastroso para a Itália. A economia italiana foi a que menos cresceu desde então na União Europeu (descontado o colapso recente da Grécia). O investimento estrangeiro minguou. A dívida pública explodiu. Há hoje somente uma universidade italiana entre as 200 melhores do mundo, segundo o ranking QS, o Politécnico de Milão, em 187º lugar (o Brasil tem duas, a pequena Holanda tem 12).
Nesse período, a Itália perdeu credibilidade e virou motivo de piada na Europa. Ficou célebre uma entrevista coletiva em 2011 na qual a premiê alemã, Angela Merkel, e o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, não conseguem conter o riso ao falarem de Berlusconi.
Resumindo: o escândalo e seus desdobramentos não foram a única causa, mas foram determinante para fazer a Itália mergulhar numa enorme crise política, institucional e econômica da qual o país só agora, mais de 23 anos depois, começa a vislumbrar uma saída.
Se alguém acha que um populista caricato como Berlusconi não chegaria ao poder no Brasil, pense duas vezes. Não fosse pela Justiça da Suíça, o deputado Eduardo Cunha poderia muito bem ter alcançado a Presidência, num eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff.
Assim como a Mãos Limpas não gerou uma política limpa na Itália (havia essa expectativa, mas ocorreu o contrário), a Lava-Jato certamente não vai lavar os nossos defeitos institucionais.
A tese de que o Brasil sairá fortalecido desta crise está, portanto, imbuída de um otimismo moralista e sem justificativa. A Lava-Jato não garante que seremos melhores no futuro. Garante só que éramos piores do que pensávamos no passado. O problema não da investigação, claro. É a expectativa em relação a ela.
Ou seja, cuidado com a crise supostamente purificadora que você deseja para o Brasil. O caso italiano mostra que o resultado pode ser altamente disruptivo, marcar a vida do país por décadas e gerações e ter um custo econômico altíssimo.

(Extraído do TIJOLAÇO, de Fernando Brito. 


TEIMOSA E INCIPIENTE DEMOCRACIA

A democracia arrombada

Janio de Freitas, na Folha
Crise, crise mesmo —não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises— desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.
Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio. As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.
O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.
Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.
A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.
O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal Ibad, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.
Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.
Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.
A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.

(Extraído do TIJOLAÇO, de Fernando Brito)


PARA NUNCA MAIS ACONTECER

Um momento para não esquecer



Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



A ditadura militar começou a desabar com um ato ecumênico, verdadeiramente espiritual, celebrado na Sé de São Paulo em memória do jornalista Vlado Herzog e em protesto contra o seu assassinato dias antes nos cárceres do DOI-CODI local.
Hoje, 25 de outubro, no mesmo templo paulistano, exatos quarenta anos depois, novo culto inter-religioso desta vez para evocar aquele momento único de congraçamento humano e resistência à brutalidade.
O tempo decorrido não nos deixa mais tranquilos: fantasmas com outras roupagens substituíram os de então, novas perversidades articulam-se ostensivamente em diferentes recantos do planeta. Desatentos, tomados por estranhas derivações estamos permitindo que o país se dissolva no ódio. As certezas então produzidas pela unidade e pela solidariedade, apenas quatro décadas depois parecem irremediavelmente desfeitas.
Nesta era das gigantescas redes e vastos compartilhamentos não estamos conseguindo aquele mínimo de convergências para distinguir as sutilezas do mal. Pior: estamos sozinhos, cada um por si. A intensidade da comunicação não forma – ao contrário deforma — comunhões e comunidades. O mundo globalizado é na realidade, um tecido de solidões.
As próprias religiões estão sendo torpemente usadas para difundir desconfianças e fragmentações. O boato espalhado pela imprensa italiana sobre o tumor no cérebro do papa Francisco é uma clara manobra para desqualificar suas arrojadas tentativas de agregar, incluir, aproximar tanto na esfera dos costumes como na política.
A gigantesca e inacreditável lorota proposta pelo premiê israelense, Bibi Netanyahu — aliás filho de um eminente historiador — sobre a suposta origem palestina do projeto nazista de extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial dá uma ideia da paranoia que domina os setores xenófobos da sociedade israelense. O negacionismo do Holocausto no qual os aiatolás iranianos estão engajados, jamais fabricou tão execrável disparate, inédita dessacralização do martírio dos seis milhões de vítimas do ódio racial.
Onde poderia o bilionário norte-americano Donald Trump encontrar inspiração para formatar sua jurássica plataforma política senão entre as seitas fundamentalistas dos EUA?
Com a credibilidade reduzida a pó e um pé no primeiro degrau do patíbulo o deputado Eduardo Cunha (até o momento, presidente da Câmara Federal), tenta desesperadamente armar uma base de apoio, por isso recorre com evidente desespero aos correligionários evangélicos. O projeto de sua autoria que fez aprovar há dias na Comissão de Constituição e Justiça torna quase impossível o aborto em caso de estupro apesar de garantido pela legislação. De uma perversidade medieval, torna o poder público um algoz, cumplice da maternidade precoce, incubadora de uma geração de menores abandonados que logo irão reforçar a delinquência.
Eduardo Cunha é o clássico caçador de bruxas, modelado pelo farisaísmo, a hipocrisia, servo de duas moralidades quando se trata do erário e de bens públicos, dos quais deveria ser guardião, não tem qualquer escrúpulo em apropriar-se. Mente descaradamente sem importar-se com a sua responsabilidade de guardião da fé pública.
Eduardo Cunha saiu do armário para nos lembrar que os fundamentos ideológicos e morais da brutalidade do regime militar permanecem intactos.
 Por que Cunha só faz declarações andando e apressado?
O mais cínico e assíduo dos entrevistados da cena política neste ano, Eduardo Cunha consegue passar incólume pelos diversos encontros diários com os repórteres que cobrem a Câmara Federal graças a um estratagema e uma desfaçatez que ultrapassam de longe a “cara-de-pau” de Paulo Maluf, até há poucos anos o indiscutível campeão na modalidade.
Cunha não se nega a falar, parece disponível, mas nunca recebe os repórteres parado. Procura sempre dar a impressão de que tem pressa, assuntos urgentes e transcendentais o convocam. Responde andando, rápido, sem olhar o repórter, inferiorizando-o e abatendo qualquer tentativa de réplica ou contestação das contumazes mentiras.
O comité de imprensa da Câmara deveria protestar, isso não é maneira de oferecer explicações à sociedade. E se o esperto deputado insistir na manha existem muitos recursos para sossega-lo.
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Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa