25 maio 2015

MOMENTO REVELADOR

Meu pai enganou-se


Mino Carta, na Revista CartaCapital




Ao chegar a São Paulo em agosto de 1946, meu pai tinha certeza de aportar no país do futuro. Com ele vinham a mulher e dois filhos, ou seja, meu irmão Luis e eu, ambos rapidamente remetidos ao Colégio Dante Alighieri. São Paulo era uma cidade composta e pacata, não abrigava favelas ou exibia pobreza nas ruas, os homens, todos sem exceção, assim me pareceu, usavam chapéu no inverno e meias brancas quase sempre.
A cidade tinha 1 milhão e meio de habitantes e 50 mil carros, e as chapas dos senhores apresentavam números baixos, às vezes um apenas, até o 9. O conde Chiquinho Matarazzo tinha direito ao número 1 para o seu carrão preto, não recordo se Cadillac ou Lincoln Continental. Quando chegamos, nos postes da Avenida São João, a mais importante do Centro, estavam pendurados cartazes que apresentavam uma perturbadora Rita Hayworth no papel de Gilda, em tamanho gigante, a convidar a população ao Cine Ipiranga para assistir ao filme homônimo. 
Morávamos no Jardim Paulistano e meu irmão e eu andávamos 10 minutos até o ponto final do bonde. Jogava futebol na rua, quando toda pedra ou lata merecia meu chute, e nas manhãs de domingo no campo do Corintinha da Maria Carolina, de terra e desnível de dois metros entre um gol e outro. Cedo vinham os carrinhos carregados de verdura para bater à porta das casas, e um coxo passava com seu aviso em tom de ladainha: cinco cá-beças de alho, dois cruzeiros. Telefone era luxo, a pagamento usava-se o da venda na esquina mais próxima. Os graúdos moravam nos casarões da Avenida Paulista, eram quatrocentões, ou seja, originários de Portugal que pretendiam ter chegado pouco após Cabral, ou italianos e árabes enriquecidos, às vezes muito, estes últimos chamados de turcos por terem desembarcado com passaporte do Império Otomano.
Diluídas nos tempo as histórias aventurosas do mítico ladrão Amleto Gino Meneghetti, capaz de escalar as paredes das mansões e de dizer: “A diferença entre um banqueiro e eu é que aquele tem paciência”. Os carcamanos e os descendentes de espanhóis ficavam nos bairros operários, Brás, Bexiga, Mooca, Pari, onde havia décadas representavam o braço válido da transformação de São Paulo no maior centro industrial do Hemisfério Sul.
O Brasil mudaria a partir desta região da cidade, em sentidos diversos. De noite, as famílias levavam as cadeiras para as calçadas, tomava-se vinho e jogava-se aos gritos a morra, um palitinho em que os dedos da mão substituem os palitos. Illo tempore, e me refiro ao período que vai de 1946 até o golpe de 64, estavam vivos, só para lembrar alguns, Gilberto Freyre, Raymundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Candido Portinari, Nelson Rodrigues, e havia jornalistas como Claudio Abramo.
Que sobrou daquela cidade e daquele Brasil? Sabemos dos efeitos trágicos do golpe civil-militar. Mas já naquela risonha quadra paulistana as oligarquias esticavam seus tentáculos. Vínhamos da época das monoculturas, dos coronéis, dos senhores de engenho, que plantaram hábitos antes que raízes. Vínhamos das greves de São Paulo nas duas primeiras décadas do século passado, resolvidas por Altino Arantes com a expulsão de 400 anarquistas. Mesmo assim, Getúlio Vargas cuidara de criar Volta Redonda e a Petrobras, a CLT e o salário mínimo.
O mal irreparável causado pelo golpe é escancarado aos nossos olhos, interrompeu um processo habilitado a levar o Brasil à contemporaneidade. Vivemos até hoje as consequências do golpe, e das tradições e dos humores gerados pela colonização predatória e pela escravidão. Baseados na inesgotável vocação golpista, na corrupção endêmica, e até na vocação da rasteira e do passa-moleque, própria do agir necessariamente subdoloso do escravo.
Quando cheguei ao Brasil, a nossa cultura olhava para Paris, os filhos dos senhores haviam estudado na França, embora os pais viajassem para Marselha em companhia de vacas leiteiras, a garantir a qualidade do café da manhã. Logo nos entregamos ao exemplo dos Estados Unidos, e com esta escolha erguemos uma caricatura. Foi o primeiro passo da desgraça, estética, se quiserem, a qual não é de modo algum secundária, a alimentar e fecundar provincianismo, ignorância, insensibilidade, mau gosto, arrogância, bem como inúmeros recalques. O momento que atravessávamos não é inútil, ao menos é revelador.
Meu pai, está claro, enganava-se.
 
 

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

Uma sociedade suicida


Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



“Ele foi vítima de vítimas, que são vítimas de vítimas”, desabafou para o jornal carioca O Dia a ex-mulher e mãe dos dois filhos do cardiologista carioca assassinado quando pedalava no início da noite no entorno da aprazível Lagoa Rodrigo de Freitas. O suposto assassino tem 16 anos e já cometeu quinze delitos, o primeiro aos 12.
Instantaneamente, baixaram das nuvens bruxas e demônios transformando o horror, o luto e a solidariedade em indignação, sede de vingança, rancor difuso e generalizado contra tudo que pareça provocar a violência. Reacendeu-se o debate sobre o rebaixamento da maioridade penal engrossando as legiões dos que clamam por imediatas providências e soluções definitivas contra o crime e a impunidade.
O arrasador depoimento do pensador espanhol Manuel Castells publicado na Folha de S.Pauloum dia antes da barbaridade abalou ainda mais a imagem que inventamos a nosso respeito como consolo para o fracasso coletivo: “A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata”.
É possível que o sociólogo pretendesse dizer algo distinto do publicado, porém é lícito acreditar que um observador tão atilado, sensível e articulado expressasse uma dolorosa e inequívoca constatação: o país está se matando. Literalmente.
Uns aos outros. Somos todos agentes e sujeitos da mesma violência, assustadores e assustados, governantes e governados, progressistas e reacionários, crentes e descrentes, militares e magistrados, policiais e policiados, professores e aprendizes – todos, sem exceção, se bicam, se dilaceram, se esfaqueiam. Todos sangram. Enquanto rios secam, o sangue escorre copioso nas calçadas e ruas.
No limite
Importado de outras paragens pelas moderníssimas redes sociais, o pragmatismo das bestas e dos primitivos disseminou-se velozmente e está demonstrando que uma faca de cozinha, baratíssima, fácil de esconder e utilizar, pode ser tão mortífera quanto uma garrucha. Pela universalização do uso, armas brancas convertem-se com relativa facilidade em armas de destruição em massa.
A sociedade que não é simpática, como nos qualifica Castells, é uma sociedade enfezada, agressiva, incapaz de percepções mais sutis. Matar-se é uma forma verbal complicada, pode sugerir intensidade (“fulano está se matando de trabalho”) ou uma ação deliberada para provocar a própria extinção.
Desnorteada como está, desarvorada, despassarada, sobretudo inexperiente e impaciente, a sociedade examinada por Castells é uma sociedade potencialmente suicida. Diante da tempestade perfeita onde as angústias materiais associam-se a uma antiga ausência de proteção, onde a inexistência de perspectivas de mudança alia-se ao incrível desgaste dos modelos, discursos e referências, incapazes de expressar o desespero, as vítimas das vítimas das vítimas das vítimas – nós – lentamente nos encaminhamos para a beira do abismo.
Mais perto, talvez seja possível descortinar as perdas e retroceder. Estamos no limite.
 
 
 

SINAIS INVERTIDOS

Por dentro do mercado eleitoral


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



O fim de semana mostra uma imprensa com os sinais invertidos: os jornais chamados de genéricos politizam a economia, produzindo certa confusão em torno do ajuste em tramitação no Congresso, e o principal diário de economia e negócios apresenta a melhor análise do projeto de reforma política que causa grande desentendimento no Parlamento.
Mas esse não é um fato isolado: diante da perda de qualidade dos títulos genéricos, o Valor Econômico se consolida como uma alternativa para quem ainda busca na mídia tradicional os elementos para interpretar o cotidiano brasileiro.
Dada a crescente importância do noticiário econômico na vida das pessoas, pode-se afirmar que, ao completar quinze anos, o jornal que ocupou o lugar da extinta Gazeta Mercantil conquista uma posição confortável para tentar novos avanços. Seus concorrentes, além da versão digital da revista Exame, são o caderno de Economia do Estado de S.Paulo e os sites de publicações estrangeiras especializadas. Nesse mercado, é preciso combinar o público mais bem posicionado na hierarquia das empresas com os jovens executivos em ascensão na carreira.
O fato de o Estado, assim como os outros diários genéricos de circulação nacional, ter contaminado seu noticiário econômico com o viés partidário que condiciona suas escolhas editoriais abre uma perspectiva para o Valor se posicionar um pouco além de sua especialidade.
Com cerca de 60 mil assinantes, o diário nascido de uma parceria do Globo com a Folha de S.Paulo se beneficia do fato de ter menos flutuações em sua carteira de leitores fiéis e aprofunda seu relacionamento com protagonistas do mundo dos negócios por meio do serviço digital Valor PRO.
Apesar de um erro estratégico primário nos seus primeiros anos de vida, quando sucumbiu à onda dos brindes para conquistar assinantes, o projeto ganhou corpo à medida em que a Gazeta Mercantil agonizava. Quinze anos depois, seu núcleo de especialistas pode ampliar as incursões nos campos em que dominam a Folha, o Estado e o Globo. Portanto, não se deve estranhar se oValor aumentar o destaque a temas da política, pois esse seria um caminho natural para captar leitores exigentes que estão frustrados com a queda de qualidade dos três diários de circulação nacional.
Aposta na inteligência
A edição do fim de semana, que circula a partir da sexta-feira, oferece uma espécie de revista na qual se pode encontrar uma coleção de bons textos sobre cultura e política, como a entrevista produzida pelo debate entre o presidente da Câmara dos Deputados e os cientistas políticos Jairo Nicolau e Fernando Limonji, publicada na sexta (22/5).
Enquanto os outros jornais se concentram nos detalhes da disputa política, o texto de Valorpermite ao seu leitor penetrar profundamente nos bastidores do poder e entender aquilo que para o outro público não passa de picuinha.
O confronto de dois scholars com o presidente da Câmara revela como a política real foi se distanciando dos paradigmas que justificam, em tese, o esforço pela democracia. Pressionado por interlocutores qualificados, Eduardo Cunha se vê obrigado a apresentar respostas mais consistentes do que aquelas que distribui durante entrevistas coletivas, quase sempre com um sorriso zombeteiro a denunciar o desprezo que nutre pela imprensa.
O título do caderno é esclarecedor: “A reforma do mercado eleitoral”.
Mesmo que discorde de sua visão específica da atividade política e do sistema partidário que patrocina, o leitor se vê obrigado a refletir sobre as razões do presidente da Câmara, que personifica o triunfo do chamado baixo clero após décadas de uma guerra de extinção entre os grupos políticos mais ideologizados que dominaram a cena até aqui.
Pode-se entender, na conversa dura mantida pelos três debatedores, como o extrato da representação partidária mais pragmático e menos comprometido com princípios programáticos se articula para consolidar o poder adquirido nos últimos meses.
Pode-se imaginar que o esforço de Eduardo Cunha para se impor como líder de uma maioria suprapartidária no Congresso irá durar o tempo que a Justiça levar para envolvê-lo definitivamente na Operação Lava Jato. Mas, ainda assim, o debate publicado pelo Valor Econômico é uma grande contribuição para a formação de opiniões mais consistentes entre seus leitores: trata-se de uma aposta na inteligência do leitor.
Enquanto isso, os três diários genéricos de circulação nacional seguem investindo na escola de formação de midiotas conduzida por seus colunistas pitbulls.
 
 
 

22 maio 2015

OS TUCANOS METERAM A MÃO EM CUMBUCA

O 'mico' da 'coluna Aécio'


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A Folha de S. Paulo anuncia em nota na sua primeira página, na edição de sexta-feira (22/5): “Grupos anti-Dilma dizem que PSDB e Aécio são traidores”. O Estado de S. Paulo, em reportagem interna sobre o mesmo tema, informa: “Grupos se dizem traídos por tucanos”.
A imagem que ilustra o texto do Estado mostra doze – isso, exatamente uma dúzia – de manifestantes que caminham pela Rodovia Anhanguera, com destino a Brasília, onde pretendem fazer sua pregação em favor do impeachment da presidente da República. Quando saíram de São Paulo, no fim de abril, os integrantes da marcha foram estimulados por líderes do PSDB, que imaginavam uma espécie de “coluna Prestes” invertida, a recolher, pelo caminho, milhares de cidadãos descontentes com o governo, numa chegada triunfal à rampa do Planalto. Mas, como no poema de Hesíodo, as relações entre os homens e os deuses devem se submeter ao crivo da verdade, e esta nem sempre se manifesta como desejam os humanos.
Entre o fim de abril e esta última semana de maio, a expectativa do grupo de manifestantes, estimulada por discursos inflamados do senador que perdeu a eleição presidencial em 2014, não foi justificada pelos fatos. O descompasso entre os trabalhos políticos e os dias de marcha acaba por produzir a ruptura entre os doze aloprados que imaginam reverter a decisão das urnas e os oportunistas que os apadrinharam.
Por sugestão do jurista Miguel Reale Jr., convocado a emitir parecer sobre a proposta do impeachment, os líderes do PSDB acharam melhor ingressar com processo contra a presidente Dilma Rouseff na Justiça comum, talvez confiantes na ação dos julgadores que o poeta grego chama de “comedores de presentes”. Mas o Judiciário, já embaraçado com a interferência do Congresso em suas atribuições, não dá sinais de que irá acolher tal petição.
Representantes dos grupos que pedem a interrupção do mandato da presidente da República teriam ouvido na semana passada, na capital federal, promessas de parlamentares do PSDB e de outros partidos de oposição de que entrariam com o pedido formal de impeachment assim que os marchadores alcançassem a Praça dos Três Poderes. Desde quarta-feira (20/5), a uma semana da chegada da marcha a Brasília, prevista para o dia 27, a página do Movimento Brasil Livre, um dos grupos que organizam o protesto, exibe um quadro dizendo que o senador Aécio Neves traiu a causa (ver aqui).
Ignorância política
Segundo o Estado de S.Paulo, líderes do PSDB avaliam, reservadamente, rever a estratégia de apoiar explicitamente a marcha, quebrando a promessa de dar um caráter apoteótico à sua chegada a Brasília.
O ex-deputado federal Francisco Graziano, assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, disse à Folha de S. Paulo que entende a frustração dos que querem o impeachment, mas considera que “atacar Aécio, FHC ou o PSDB mostra ignorância política”. De repente, os tucanos descobrem que meteram a mão em cumbuca.
Restará aos protestadores, certamente, o apoio do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e talvez a presença do deputado Paulo Pereira da Silva (SDD-SP), cujas biografias não justificam os cuidados que precisam ter os líderes do PSDB.
O principal partido de oposição embarcou na aventura dos golpistas pela mão do senador Aécio Neves, que foi demovido do plano de impeachment pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na semana passada. Agora, precisa de um discurso consistente para evitar o constrangimento de se haver associado aos aloprados que seguem para Brasília.
Não se pode prever o que irá ocorrer na capital federal na quarta-feira (27/5), mas certamente não será a grande festa cívica que esperavam os organizadores do protesto. Nesse período, o núcleo principal das propostas de ajuste econômico já terá sido aprovado, ou uma nova agenda estará acertada entre o Executivo e o Congresso Nacional.
Analistas acreditados pela imprensa já registram uma redução das tensões entre os poderes, que vêm sendo estimuladas pela mídia desde a posse da presidente Dilma Rousseff em segundo mandato.
A decisão da presidente, de elevar a alíquota da Contribuição Social sobre o lucro líquido dos bancos, tende a reconciliá-la com parte de seu eleitorado, pela simbologia da medida, combinada com a manutenção da carência de um mês para pagamento de abono salarial, que beneficia os trabalhadores.
Tudo de que os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, não precisam, neste momento, é barulho de manifestantes. O “mico” do impeachment fica com o PSDB, que vai ter que explicar, daqui para a frente, se considera que eleição é para valer ou se, nas próximas disputas, caso venham a ser derrotados novamente, os tucanos irão outra vez mobilizar a “coluna Aécio”.
 
 

18 maio 2015

"PROVA DA FALTA DE PROVA"

Janio de Freitas: Cadê as provas?

17 de maio de 2015 | 04:20 Autor: Miguel do Rosário, no TIJOLAÇO
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Em sua coluna de domingo, o experiente Janio de Freitas, colunista da Folha, pergunta aos procuradores da Lava Jato: onde estão as provas?
Eu entendi o seu texto da seguinte maneira:
Tudo bem, observa Freitas, que alguns dos deputados ou ex-deputados acusados tem uma ficha mais suja do que pau de galinheiro. Tão suja que torna mais fácil ainda acusá-los sem provas.
O valente jornalista se pergunta: mesmo diante de deputados tão suspeitos, como aliás são suspeitos uma porção de outros deputados, não seria de bom tom, do ponto-de-vista de uma justiça cega e democrática, que os procuradores tivessem elementos consistentes para mantê-los presos?
Diante das perguntas de repórteres, as respostas – observa o colunista – “não puderam sair da vaguidão”.
Os procuradores (…) foram bastante fracos. Mas as respostas eram “isso [as provas] vai ser apurado durante a ação”, “ainda não temos”, “estamos buscando”, coisas assim.
A pretendida indicação objetiva de prova foi mais insatisfatória. “Deu mais de mil telefonemas” para tal ou qual entidade pode ser um indício, mas, no caso, nada prova. Pior ainda: “Ele tinha entrada na Caixa”. Ainda que somadas, constatações assim podem fazer convicção, mas é improvável que façam condenação.
Pois é, prezado Janio, bem vindo ao Brasil e às suas conspirações midiático-judiciais. Só ressalvaria uma coisa: apesar de sua experiência, você esqueceu que nos últimos tempos, a existência de provas tornou-se um detalhe pueril para prender alguém. Alguns magistrados superiores já andaram condenando até mesmo sem provas, porque “a literatura assim o permite”…
*
Abaixo, trecho da coluna de Janio publicado hoje, na Folha.
17/05/2015
As entrevistas dos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, para comunicar a denúncia formal contra quatro ex-deputados, confirmam a impressão de que as delações premiadas movimentam muitas acusações e suspeitas, mas não suprem a carência de investigações para produzir provas. E, sem provas, as delações agitam e impressionam, no entanto não superam a sua precariedade para enfrentar as exigências de um julgamento correto.
Não que as acusações aos quatro sejam infundadas. Podem ser em tudo verdadeiras. É mesmo o que sugerem os currículos de Pedro Corrêa e Luiz Argôlo, e ainda as afirmações recentes sobre o ex-petista André Vargas e Aline Corrêa, filha de Pedro. Chega a parecer que foram escolhidos, para inaugurar a galeria dos denunciados, por não provocarem questionamentos às acusações expostas.
O que não diminuiu os pedidos, dos repórteres aos entrevistados, de esclarecimentos e mais pormenores sobre pontos envolvendo as esperadas provas. As respostas não puderam sair da vaguidão. Os procuradores não tergiversavam, foram bastante fracos. Mas as respostas eram “isso [as provas] vai ser apurado durante a ação”, “ainda não temos”, “estamos buscando”, coisas assim.
A pretendida indicação objetiva de prova foi mais insatisfatória. “Deu mais de mil telefonemas” para tal ou qual entidade pode ser um indício, mas, no caso, nada prova. Pior ainda: “Ele tinha entrada na Caixa”. Ainda que somadas, constatações assim podem fazer convicção, mas é improvável que façam condenação.
Para uma operação que há um ano e dois meses já punha suspeitos na cadeia, o coletado contra os quatro denunciados e, ao que parece, dos mais fáceis acusáveis é, pelo que foi exposto, muito pouco. A impressão de disparidade entre as delações premiadas prioritárias e as investigações policiais necessárias permanece. Agora, ela sim, com prova. (…)”
*
Ao final da coluna, Janio rebate observação recente de Fernando Henrique Cardoso:
Bem claro
Fernando Henrique em Nova York: “Esses malfeitos vêm de outro governo, isso deve ficar bem claro. Vêm do governo Lula. Começou aí”.
Se é para “ficar bem claro”, vêm de outro governo sim. Como disse Pedro Barusco, em sua delação premiada e na Câmara, “começou em 1997″ na Petrobras do governo Fernando Henrique. Ou o que é dito em delação premiada só vale contra adversários de Fernando Henrique?”

O DISSE ME DISSE DO PREÇO DA GASOLINA

Gasolina cara ou barata? O Brasil está exatamente no meio, entre 170 países.

 
 
Fernando Brito, no Tijolaço
 
 
 
suazmini
Toda hora você escuta que o Brasil está “lá em cima” nos índices de deficiências: em educação, saúde, burocracia, etc. Muitas vezes é verdade.
Mas escuta e lê nas redes sociais (e às vezes no jornal) que a gasolina brasileira está entre as mais caras do planeta.
Como esta discussão veio à tona depois que a Petrobras apresentou um ótimo resultado em seu balanço, expurgado do que devia e do que não devia ter sido cortado, algumas pessoas atribuíram isso ao preço da gasolina aqui.
Como eu tenho uma vaga ideia de que o papel do jornalismo é informar – e, ao opinar, fazê-lo com base em fatos – já tinha conseguido alguns dados sobre o assunto.
Agora, com a ajuda de um leitor, publico um aplicativo que permite saber o  preço de gasolina e diesel em qualquer país do mundo (são 170 na lista), em qualquer moeda que se deseje.
O Brasil está exatamente no meio da tabela, no preço de bomba.
Acima dele, além dos Estados Unidos, onde gasolina é uma espécie de deusa nacional, a imensa maioria é dos países que nadam em petróleo.
Escolhendo o país e a moeda, dólar ou real, você pode chegar às suas conclusões, sem se emprenhar pelos ouvidos com a história de que a gasolina – cuja matéria prima, o petróleo, custa a mesma coisa em qualquer parte do mundo, exceto para as petronações. E convém lembrar que apenas 1/3 do preço da gasolina é o valor pago à Petrobras para produzi-la
 
 

NÃO DESPERTE O CÃO QUE DORME

Cuidado com ele


lula-sindicalista
Trinta e cinco anos depois, este cenário talvez se repita em ponto maior



Mino Carta, na Revista CartaCapital


A situação de caos que o País vive precipita um grande equívoco e duas urgências. Destas, uma investe Dilma Rousseff. Esgota-se o tempo que lhe sobra para tentar rever posturas, orientações, escolhas.
Não esqueço a última vez em que estive com ela, em companhia de Sergio Lirio e André Barrocal, para entrevistá-la às vésperas das últimas eleições. Impressionou-me o isolamento da presidenta sobrepujada pelo álgido cenário fascistoide transplantado para o Trópico no Palácio da Alvorada, enorme redoma de solidão. A outra urgência diz respeito a Lula. O ex-presidente chegou a uma peremptória encruzilhada e tem de escolher a saída que mais lhe convém.
Recordo o dia, mais ou menos recente, em que ouvi de Lula a seguinte frase: “Um presidente considera-se bem-sucedido quando se reelege, e digno da excelência quando elege seu sucessor”. Inviável o impeachment de Dilma sonhado por muitos opositores, é difícil, nas circunstâncias atuais, deixar de imaginar um final melancólico para o segundo mandato da presidenta. Se for assim, ela não fará seu sucessor.
Como observava Mauricio Dias em sua Rosa dos Ventos, na edição passada, faltam para a sucessão quadros potáveis no governo e no PT. Resta mirar em Lula. A própria oposição ajusta a alça. Eis o verdadeiro inimigo, antes de qualquer outro. O que a elite brasileira mais teme é a volta por cima do ex-presidente. O ex-operário, de novo!? Vaias e panelaços que de uns tempos para cá lhe são reservados, além de patéticos, não escondem o medo, e não exagero no emprego da palavra. Resta ver se Lula pretende, ou não, transformar o Brasil em uma infinda Vila Euclydes.
Ele pode, é o único, verdadeiro líder do povo brasileiro, se quiser, enche as praças. Ao longo de dois mandatos realizou avanços importantes, inferiores a meu ver, àqueles que poderia e deveria realizar. Bastou, contudo, para deixar a Presidência com altíssima aprovação, nunca dantes navegada. O que pretende a partir deste momento não está claro. Evidente é sua irritação. Não contemplo somente os comportamentos midiáticos, as acusações de envolvimento em escândalos variados, os apupos do preconceito elitista, como prova seu discurso no evento da CUT promovido em São Paulo dia 1º de maio. De fato, abala-se também a críticas ao governo Dilma, a rigor as primeiras públicas.
Estamos na encruzilhada e o equívoco seria a consequência, a depender da escolha de Lula ao determinar seu caminho. Se decidir, em lugar da aposentadoria, pela disputa do poder, assistiremos a um imperioso retorno à ribalta, mesmo que agora não seja seu objetivo descer à liça em 2018. Quanto ao equívoco, suponho ser geral, da oposição, da chamada elite, da mídia, bem como do PMDB, do próprio PT, e do governo que o partido haveria de sustentar.
Lula tem todas as condições, e mais algumas, de reassumir uma liderança avassaladora, em parte abandonada para deixar espaço a Dilma Rousseff. Quem supõe que, ao sabor do dito petrolão, da tibieza governista e do martelar midiático, Lula esteja encurralado, engana-se além da conta. Quem se ilude, corre o risco de, como se diz, cutucar a fera com vara curta.
O Brasil vai mal, graças a um acúmulo de erros e desmandos, de resto encadeados no decurso das décadas de sorte a se tornarem mal endêmico, mas o jogo, o trágico enredo que entrega o País ao caos, não está encerrado. Diz um antigo provérbio italiano: non destar il cane che dorme. Não desperte o cão que dorme.


MENOS QUALIFICAÇÃO, MAIS REPRESENTAÇÃO

A cara do Brasil


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Diante de um governo fragilizado por forte crise decorrente da soma de conflitos políticos e de problemas econômicos, o Congresso Brasileiro, cuja regra é o vício e a exceção é a virtude, aproxima mais claramente hoje a identidade entre os eleitores e os eleitos. A semelhança vai muito além da coincidência. Não há nada de novo nessa situação, mas pela primeira vez é possível perceber com mais nitidez a cara do Brasil refletida em um Senado capitaneado pelo alagoano Renan Calheiros e uma Câmara, pelo deputado fluminense Eduardo Cunha. É tamanha a semelhança entre representantes e representados que o resultado faz lembrar o trabalho de criação de bons escultores em mármore de Carrara.
A hipocrisia reinante regalou-se com a costura feita pelo governo, via fisiologismo, para consolidar o apoio dos deputados à primeira aprovação de uma Medida Provisória no contexto do ajuste fiscal. Uma vitória política de Dilma. 
Parece, entretanto, que nunca antes governo algum usou esse sistema de troca para evitar dissidências na base político-partidária. Fisiologismo e corporativismo são moedas antigas, condenáveis, em circulação no mercado político. 
Sempre foi assim. No Império, as comendas; na República, as prebendas. Está nos anais da história mais recente ou, pelo menos nos arquivos deste colunista, um exemplo sintomático disso. Em 2002, no correr de uma entrevista ao extinto Jornal do Brasil impresso, o diplomata Paulo Tarso Flecha de Lima, iniciado nas negociações entre Executivo e Legislativo no gabinete de Juscelino Kubitschek, contou que a resistência dos parlamentares durava até serem chamados para uma conversa no Catete. O presidente dizia: “Do que vocês precisam?” 
E assim tudo se resolvia. Os aliados não se encantavam somente com o histórico sorriso do Nono, apelido do amável  JK. 
Naquele tempo, “anos dourados” para quem tinha o convite da festa, o Congresso girava, em geral, em torno de uma elite mais escolarizada do que rica. O pulso das duas casas podia ser medido por alguns líderes e políticos mais destacados, ambos eleitos pelos coronéis rurais. 
Senado e Câmara eram, então, resquícios do portentoso Parlamento do Segundo Reinado, inspirado no parlamentarismo britânico. Prevalecia, no ocaso do Império, a política dos barões assinalados. Os candidatos faziam curta peregrinação entre os eleitores, um jogo de cena, porque tinham garantidos os votos controlados por eficientes cabos eleitorais. 
Onde está o maior erro dessa história até então? Está na composição qualificada e na representação falsa.
O deslocamento maciço de pessoas do interior para as grandes cidades provocou mudanças fortes no processo eleitoral. Os coronéis rurais perderam força. Praticamente desapareceram. O dinheiro passou a ser o senhor das votações. A televisão tornou-se um instrumento fundamental e decretou o fim dos palanques. Houve um encarecimento monumental nos custos das campanhas.
Diante disso, o controle de postos privilegiados nas administrações públicas passou a ser o gerador de disputa e de recursos para os partidos. A representação de hoje é menos qualificada. É, porém, mais representativa. 
 
 

LULA É O ALVO

A imprensa apoia Dilma


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa



A sexta-feira (15/5) marca um ponto de inflexão no noticiário político, no qual se pode perceber que há uma mudança na narrativa da imprensa sobre os efeitos da disputa entre o Executivo e o Congresso Nacional. Também é possível que se trate de uma reversão na parábola desenhada pelos acontecimentos em Brasília, com a redução das tensões e alguma acomodação nas próximas semanas.
As duas figuras de geometria analítica, comumente usadas no controle de risco em comunicação, se referem a uma tendência natural das crises, que costumam se comportar, metaforicamente, como um objeto lançado para o alto: se responder apenas à força inercial, o objeto vai em algum momento atingir o ápice da parábola e começar a cair. Se houver uma força adicional capaz de dar novo impulso a ele, o objeto irá sofrer uma inflexão no ponto de exaustão da força inicial, em que se começa a curva descendente, e receberá novo impulso, retomando a ascensão com uma curva inversa, para cima.
O fato que determina esse momento curioso da nossa crônica política é a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de uma emenda que extingue, na prática, o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias.
O tema é bastante explorado pelos diários de circulação nacional, com boas reportagens, análises variadas e um ponto em comum: em maior ou menor grau, os jornais condenam a decisão e mobilizam seus colunistas para questionar o que chamam de irresponsabilidade do Legislativo.
O sistema proposto pelos deputados, chamado de fórmula 85/95, garante aposentadoria integral para os homens que se aposentarem quando a soma da idade com o tempo de contribuição atingir 95 e as mulheres alcançarem o número 85 na mesma conta.
Embora o assunto envolva uma alta complexidade, que inclui as perspectivas de longevidade das próximas gerações, a composição de renda das famílias e outros fatores, é consenso entre os analistas que a iniciativa vai causar um grande impacto nas despesas do governo com a previdência social.
A imprensa observa que o custo será insignificante nos primeiros quatro anos, porque as pessoas tenderão a adiar a aposentadoria para se beneficiar da nova regra, assegurando um benefício maior no longo prazo. Mas os textos assumem que o sistema previdenciário sofrerá um choque de mais de R$ 40 bilhões na primeira década.
Lula é o alvo
O leitor curioso e atento se perguntaria: por que a mídia tradicional se mostra tão preocupada com o futuro, e ao mesmo tempo incentiva uma crise política que afeta as chances de desenvolvimento do Brasil?
Da mesma forma, o que explicaria, para além das picuinhas partidárias, o fato de que boa parte da oposição votou contra seus interesses de longo prazo e parte da aliança governista contrariou seu discurso tradicional de defesa do trabalhador para se opor à proposta?
Os jornais exploram o sinal invertido entre petistas e tucanos, e surpreendem ao tomar o partido da presidente Dilma Rousseff nessa questão.
Uma razão pode estar no fato de que, até mesmo quando imersa até os ossos na disputa partidária, a imprensa precisa definir um limite para as ações populistas dos presidentes da Câmara e do Senado, que jogam para a plateia para fugir dos holofotes da Operação Lava Jato. Em algum momento há de se impor a responsabilidade nesse cenário que um articulista doEstado de S. Paulo chama de “clima de bundalelê”.
Para os pouco afeitos à nova linguagem jornalística, convém registrar que a expressão “bundalelê” representa a atitude provocativa de alguém que exibe as nádegas em público, como ocorreu na quarta-feira (13/5) em que foi votada a medida provisória que define as regras da pensão por morte.
Até o Jornal Nacional, da Globo, mostrou rapidamente o ativista da Força Sindical, de camisa preta (ver aqui a cena que acontece aos 30 segundos do vídeo) tirando as calças e mostrando o traseiro aos deputados.
O fato de os principais jornais do país, que têm investido no desgaste da imagem da presidente Dilma Rousseff, definirem um limite para as diatribes da dupla que dirige o Congresso Nacional precisa ser visto sob diversos ângulos.
Um deles é a percepção de que, apesar da crise política, o governo já aprovou as medidas básicas destinadas a conter os gastos públicos, e o Brasil volta a receber novos investimentos, o que pode reacender a economia em curto prazo. A outra razão é menos nobre: o principal alvo da imprensa não é a atual presidente da República, que, mal ou bem, vem retomando as rédeas do governo. O projeto da mídia tradicional é atingir a reputação do ex-presidente Lula da Silva, para minar suas chances caso venha a se candidatar em 2018.