31 agosto 2015

APOIO MORAL

Meu querido amigo Nassif,



J. Carlos de Assis, no Jornal GGN


Querido amigo Nassif,
Não fosse pela coragem profissional que sempre demonstrou, não fosse por sua ética inatacável na prática do jornalismo, não fosse pela generosidade em assumir a defesa dos perseguidos injustamente, não fosse por tudo isso e tudo mais que ilustra sua honra, eu teria me surpreendido pelo processo que acaba de mover contra o ministro Gilmar Mendes, que se apresenta como uma nódoa deprimente no Supremo Tribunal Federal.
Já era tempo. Esse magistrado levou ao extremo a capacidade de indignar a Nação. Ofereço-me à lide. Quero estar a seu lado nesse processo. Acredito que ainda não houve tempo para contaminação de todos os juízes de primeira instância e de todos os ministros do Supremo pelos desvios de alguns deles, desvios que estão sendo praticados no que deveria ser a Corte Suprema, mas que, em alguns casos, como no chamado “domínio do fato”, se tornou a suprema aberração do Direito pela ação e às vezes pela omissão.
Não me cabe julgar coisa julgada pela maioria do Supremo, embora as sentenças do mensalão ainda estejam escandalizando meu senso de justiça, como foi no caso do “J´accuse” de Émile Zola, dez aos após o julgamento na França, a terrível injustiça praticada contra o capitão Dreyfus. Mas pego carona em sua ação para me insurgir contra a aberração corrente segundo a qual um ministro do Supremo, justamente Gilmar Mendes, seu caluniador e difamador, senta-se no processo que, já definido pela maioria, visa a eliminar a maior fonte de corrupção do sistema eleitoral brasileiro, o financiamento empresarial de campanhas eleitorais. A decisão já foi dada, como disse, pela maioria. Mas Gilmar, para escândalo da Nação, usando de um artifício regimental esdrúxulo para o qual já apelou em outras oportunidades favorecendo apaniguados políticos, retarda seus efeitos solitariamente, de forma absolutamente suspeita, talvez em cumplicidade com o presidente da Câmara que maneja por passar lei a fim de manter esse esbulho eleitoral da cidadania.
Fomos nós dois, você tendo entrado na “Folha” um pouco depois de mim, em São Paulo, e eu no Rio, que praticamente inventamos no Brasil o jornalismo investigativo em matéria econômica. Jamais poderia ter um continuador, parceiro e aperfeiçoador tão competente e tão consciencioso. Creio que nenhum de nós foi processado por reportagens caluniosas. No meu caso, fui processado pela Lei de Segurança Nacional, no fim da ditadura, a qual não cuidava de criminalizar fatos, mas supostas intenções do autor. Você merece a glória de ter sido injuriado por Gilmar Mendes. Que sorte. No meu caso, apenas ameacei fazer a prova da verdade e me safei da condenação da ditadura. Seu caluniador também está tentando dar marcha a ré. Você, creio eu, vai aproveitar a oportunidade para ir mais longe. Tem a oportunidade de desmoralizar alguém que, por voluntárias declarações no plenário do Supremo, e não pelo exercício limpo da magistratura, terá que prestar contas de sua honra a um juiz de primeira instância e a seus próprios colegas no STF.

Cordialmente,
J. Carlos de Assis*

*Jornalista, economista e professor, autor do recém-lançado “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, ed. Textonovo, SP.


AS BUFAS DE GILMAR

Gilmar Mendes bufa, mas não vai atropelar a Justiça

lombroso
Como se previa (prever o obvio não tem graça) o Ministro Gilmar Mendes reagiu aos “coices” à observação do Procurador Geral da Justiça, Rodrigo Janot de que  apontou como inconveniente Justiça e o próprio MP se tornarem “protagonistas exagerados do espetáculo da democracia”.

Dura, mas civilizada crítica, bem diferente do grosseiro diapasão daquele que, segundo o insuspeito Joaquim Barbosa, está acostumado a falar “com os seus capangas lá do Mato Grosso”, onde Mendes  acha que pode dizer coisas deste naipe:

“O procurador deveria se ater a cuidar da Procuradoria Geral da República e procurar não atuar como advogado da presidente Dilma”

Imagine, para avaliar o grau de ofensa, o  que se conteria numa afirmação idêntica, só que partida de Janot:

“O Ministro deveria se ater à  sua função de magistrado e não procurar aturar como advogado de Aécio Neves”.

Gilmar Mendes, que demonstra interesse em escrafunchar as contas de Dilma até achar algo que lhe permita criar o fato político de pedir a cassação de seu mandato e abrir caminho para que a oposição torne este pedido razão bastante para o impedimento da presidenta, vai demonstrar o mesmo rigor, agora que a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do processo de prestação de contas da campanha do senador Aécio Neves no TSE apontou 15  irregularidades na contabilidade entregue pelo tucano, inclusive o “sumiço” de alguns milhões de reais doados pela Odebrecht?

Ou alguém estaria errado em imaginar que Mendes, na próxima sessão do TSE em que se toque no  assunto, vá deixar de despejar sua ira nos outros ministros, a maioria deles incapazes de reagir exigindo decoro e dignidade no exercício da função?

Seja como for, a grosseria verbal de Gilmar Mendes corresponde, inequivocamente, a uma percepção de que não estão todos avassalados diante de sua fúria e que não será simples como com os “capangas do Mato grosso”  fazer suas vontades.



30 agosto 2015

UMA OBSESSÃO

Regule o golpe, Gilmar!


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



Nesse turbulento mês de agosto, tido como agourento, o ativismo político do ministroGilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal, não fez justiça à toga. Cresceu nele a manifestação descarada deoposição aos governos Lula e Dilma. Indicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, ao qual serviu na função de advogado-geral da União, este polêmico e controvertido juiz poderia mesmo ser identificado como um tucano de carteirinha.
Se ele não faz justiça, justiça se faça a ele. Muitas vezes o magistrado vai além, muito além do próprio ofício e não esconde. Há vários exemplos disso. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, Gilmar Mendes participou de um café da manhã na residência oficial do presidente da Câmara,Eduardo Cunha, no qual foi servido também o debate sobre o “agravamento da crise”. Teria sido feita, naquela tertúlia, a avaliação do processo no qual Dilma é investigada por suposto financiamento irregular para a sua campanha eleitoral.
Gilmar sentenciou: “O impeachment foi discutido de forma lateral”. Na semana passada, agiu exatamente a respeito do assunto. Pediu para o Ministério Público de São Paulo investigar uma empresa com serviços prestados à campanha petista. Um direito dele, também vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, mas em clara demonstração de predileção política. Ele tinha aprovado, anteriormente, a prestação de contas da presidenta. Virou o voto.
A cogitação pela saída de Dilma do poder tornou-se um tema tão obsessivo para Gilmar Mendes, Aécio Neves e Eduardo Cunha, entre tantas outras figuras da oposição, incluídos aí os manifestantes País a fora. Isso nos remete a uma situação similar ocorrida em El Salvador, país da América Central. A semelhança está no livro A Presidência da República,de Otto Prazeres, publicado em 1922. O autor era então, curiosamente, secretário da presidência da Câmara dos Deputados.
Onde Prazeres fala em “Revolução”, leia-se “Golpe”. É o erro dele nesse caso. Fica mantido o texto original. Descreve: “Durante as luctas provocadas pelo pleito presidencial no Brasil, fallou-se diariamente em revolução. Cogitava-se a revolução como quem cogita de cousa mais normal”. O golpe, diz ele, virou um marco. Adaptado aos dias de hoje, isso se explicaria assim: “Os juros vão baixar após o golpe... o dólar vai baixar após o golpe... você será contratado após o golpe”.
Para sanar esse mal, ele propõe a inclusão na Constituição de um artigo legitimando o golpe. Apoiou-se, para isso, no antecedente efetivado em El Salvador. “O legislador constitucional salvadorenho, vendo que era impossível evitar a epidemia das revoluções, achou mais prudente regulal-as no pacto fundamental”, justifica o autor. Dito isso, transcreve o artigo introduzido na “lei básica”.
“O direito de insurreição não produzirá em nenhum caso a abrogação das leis, ficando limitado em seus effeitos a destituir (...) as pessoas (...) e a nomear (...) as que devam substituil-as”.
Simples assim.  Com o apoio da base de Eduardo Cunha, Aécio Neves poderia encomendar a Emenda Constitucional a Gilmar Mendes e ele se encarregaria de introduzir na proposta o atual modernismo.



29 agosto 2015

Hora de encerrar o perigoso jogo de exclusões chamado “Nós e os outros”.

O fracasso da República Nova


Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



Não será fácil nem rápido: na busca da verdade alcançamos, enfim, a esfera da consciência. Com as delações premiadas, o circulo vicioso chegou à derradeira etapa e, agora, diante da eminência de uma catástrofe, a opção é convertê-lo em ciclo virtuoso.
Hora de reconhecer erros e confessar enganos. Bater no peito, Penitenciar-se.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu o sinal ao pedir à presidente Dilma que admitisse os equívocos ou renunciasse. A presidente soube captar a mensagem iniciando um rosário de pequenas e surpreendentes autocríticas. FHC foi adiante e na última terça, num encontro com empresários em São Paulo proclamou com todas as letras: “o sistema político brasileiro fracassou e somos todos responsáveis.”
A singela confissão e ao mesmo tempo a mais dramática constatação do fracasso da República Nova não tocou nas almas, ninguém se tocou. Publicada apenas no “Globo” não ressoou como deveria, mas na beira do abismo, aguçam-se os ouvidos. Na quinta-feira, o senador José Serra (PSDB-SP) publicou no “Estadão” um texto que pode ser entendido como complemento natural à sugestão de expiação coletiva proposta por FHC.
Animada profissão de fé parlamentarista, acompanhada por uma detalhada rememoração do seu torpedeamento na Constituinte pelos ambiciosos presidencialistas José Sarney, Leonel Brizola, Marcos Maciel e Orestes Quércia, o artigo contém hábil saída para minimizar os efeitos do terremoto provocado pela Operação Lava Jato: ao contrário do imediatismo e precariedade da experiência parlamentarista anterior (1961), o sistema só passaria a funcionar a partir de 2018. As investigações prosseguem, os culpados são punidos, mas estanca-se a crise institucional. Evitam-se traumas e, sobretudo, elimina-se para sempre a perigosa fermentação entre eventuais vencidos e vencedores. O fracasso foi de todos e todos começarão o novo sistema em pé de igualdade.
Apesar do irreversível desgaste da sua imagem, a José Sarney deve ser creditado o mérito de ter inaugurado, dias depois do segundo turno de 2014, a salutar opção confessional, pró-arrependimentos e remordimentos, através de um sonoro mea-culpa publicado na Página Três da “Folha”. Jamais deveria ter retornado à arena política depois de exercer a presidência, reconheceu. Ao mesmo tempo oferecia à presidente reeleita a magna tarefa de preparar o país para um maduro retorno ao parlamentarismo no decorrer do seu novo mandato.
Ninguém o leu, nem o levou a sério — esta talvez seja a verdadeira crise da nossa imprensa: só manchetes são lidas e percebidas. A Operação Lava Jato já estava em curso, ninguém poderia prever seus incríveis desdobramentos, mas a experimentada raposa política tão próxima do banquete pressentia aquilo que FHC identificou um semestre depois: o naufrágio do atual sistema político.
Hora de encerrar o perigoso jogo de exclusões chamado “Nós e os outros”.



28 agosto 2015

BRASIL E A GRÉCIA

Mas se a política econômica não muda...


Mino Carta, na Revista CartaCapital






Dilma Rousseff perguntou aos entrevistadores dos jornalões nativos na segunda 24: “Nós não queremos a Grécia, queremos?” Acabava de anunciar que uma reforma da Previdência Social se faz necessária, para o bem do povo brasileiro, excluídos, suponho, os possuidores de caríssimos planos de saúde, integrantes de uma categoria especial, embora também façam parte da nação. Ao menos teoricamente.

Na terça 25, tivemos ciência de que ninguém se surpreendeu entre os entrevistadores com a pergunta da entrevistada, a qual implica, obviamente, um não peremptório, ao admitir a incumbência de um risco grego a ameaçar o Brasil. Por que, dona Dilma? O País não figura na União Europeia, não tem Angela Merkel e seu ministro das Finanças nos calcanhares e, bem ao contrário da Grécia, é potencialmente um dos mais ricos do mundo, graças, antes de mais nada, a extraordinários favores da natureza.

O risco é outro. A prosseguir a política econômica em curso, caminhamos para o suicídio de uma nação, evento de dimensões históricas nunca dantes navegadas. Emerge da memória um episódio a que já me referi tempos atrás. Faz 37 anos um místico americano do fanatismo do Apocalipse doutrinou 917 crentes até levá-los ao suicídio para lhe seguirem o exemplo, fiéis na vida e na morte. 

Dilma não é Jim Jones, mas quem quiser reparar no gráfico que ilustra estas páginas, perceberá que o caminho está traçado. Que um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e apenas 200 milhões de habitantes, pouquíssimos para tanto espaço, dono de terras férteis e riquezas imensas nas suas entranhas, sofra a crise atual, avassaladora, é desplante inominável.

Imaginar que a culpa é de Dilma Rousseff e dela somente, como milhões acreditam, é prova de uma insensatez sem limites, nascida da ignorância e da parvoíce, e também da credulidade e da despolitização, quando não do ódio de classe no caso de quantos não sofrerão com a reforma da Previdência Social.

A história conta, em proveito de quem ainda sabe ler, que a culpa abarca uma porção maior da sociedade brasileira, muito maior do que governantes contingentes. Refiro-me às chamadas elites, moradoras da casa-grande, e dos aspirantes a inquilinos, uns e outros empenhados até hoje em manter de pé a vivenda senhorial a par da senzala.

A origem do mal está na permanência de um sistema inalcançado pelo Iluminismo e seus efeitos, embora convivamos com computadores e celulares (que no Brasil funcionam pessimamente). Em primeiro lugar, a insensatez reinante resulta do desconhecimento da Razão, com R grande mesmo, imposta para a modernidade pelo século das luzes.

Aquele século XVIII concentra os ideais de três revoluções, a francesa, a inglesa e a americana, é o século de Montesquieu e de Adam Smith, dos Founding Fathers e da Tomada da Bastilha. O pensamento então revolucionário moldou o mundo, mas não aportou no Brasil até hoje. Parece que, por obra e desgraça do neoliberalismo, há décadas o mundo se distancia do pensamento iluminista, mas esta é outra conversa.

Fiquemos no Brasil. Houve alguns, raros, momentos a justificar esperança. A eleição de Getúlio em 50. No final dos anos 50 e começo dos 60. A eleição de Lula. Sempre damos para trás, de sorte a recompor a situação que parecia superada. É por isso que somente a conciliação das elites, vetusto instrumento dos autênticos donos do poder, manterá Dilma na Presidência, sem detrimento das pressões destinadas a cercá-la e a acuá-la até o fim do segundo mandato.

Não é descartável, em todo caso, a probabilidade de turbulências de intensidade variável em meio à monumental crise de duração prevista (talvez pelos otimistas) em dois anos. A incógnita diz respeito à situação social precipitada pelo aperto econômico que devolve à miséria aqueles que haviam saído dela durante o governo Lula.

ROIC-das-companhias

Justa apreensão suscita a disseminação das favelas, a começar por São Paulo. Prever que os índices de criminalidade irão in crescendo é de praxe em um país cada vez mais desigual, onde no ano passado mais de 60 mil cidadãos morreram assassinados. Temos a chance de dilatar o número dos tombados. Haverá excelentes ocasiões para uma contribuição à chacina por parte dos fuzileiros da polícia.

Se a senzala se espalha, há inquilinos da casa-grande entregues a outro gênero de vicissitude. Volto a chamar a atenção para o gráfico: explica também os tormentos de inúmeros empresários. A desvalorização das indústrias abandonadas ao seu destino fermenta inexoravelmente. A do aço, para citar um exemplo, já perdeu 70% a 80% do seu valor. Ao comparar as trajetórias do gráfico, anotem o tamanho do desastre. 

Dilma convoca os jornalões e faz seu mea-culpa, muito sui generis, bom que se diga. Erramos, sim, admite. No entanto, a política econômica não muda, donde as linhas do gráfico prosseguirão no rumo já definido, estacionária a azul, para baixo a vermelha. Jamais seremos iguais à Grécia de Tsipras, nem por isso viveremos melhor. Não resisto, porém, à tentação de perguntar aos meus intrigados botões: até onde vai a sinceridade do mea-culpa? Na zona situada entre o fígado e a alma, Dilma acredita mesmo ter errado? Não respondem, mas percebo neles uma expressão de dúvida aguda.

Na moldura dos eventos, a Operação Lava Jato é, de certa forma, muito menor do que a corrupção. Não esta de que se cogita, a de sempre. Nascida há cinco séculos da impunidade, reforçada pela construção da casa-grande e da senzala, ou, se quiserem, de sobrados e mocambos, a corrupção à brasileira é mal endêmico.

Própria do jogo do poder, já vimos navegar neste mar icebergs mais imponentes que o petrolão, e nem se fale do chamado “mensalão” petista. Neste domínio, os tucanos são imbatíveis, mas a impunidade os bafeja automaticamente, digamos assim. De fato, o PSDB é o clube recreativo da casa-grande.

A indignação, estimulada em todas as camadas da população pela campanha midiática e por seus ecos difusos, transcende a percepção de que o mau costume viceja largamente também entre os indignados. O cartaz da foto ao lado, a prometer a solução para quem sofreu a suspensão da habilitação a dirigir, anuncia descaradamente a tramoia, garantida obviamente pela compra da complacência da repartição competente.

A 100 metros da Avenida Paulista, em uma esquina paulistana frequentadíssima, altamente credenciada à sedução. É um estandarte da amoralidade coletiva. Quem entende como e por que o sistema está podre e se vale dele, ou é hipócrita ou covarde, salvo a minoria que reage contra o alvo certo.  Quem não se dá conta, é porque vive no limbo e aceita qualquer vexame, como as chibatadas de antanho.




26 agosto 2015

SÍNDROME DE ESTOCOLMO



O que leva Dilma a dar entrevistas para jornais que vão sacaneá-la? 



Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo



Síndrome de Estocolmo?
Síndrome de Estocolmo?
Leio na internet que há 43 anos, num dia 23 de agosto, o mundo cunhou a expressão Síndrome de Estocolmo.
Como todos sabemos, é aquela aberração psicológica pela qual vítimas podem desenvolver laços amorosos com seus agressores.
Pensei nisso ao saber que Dilma decidira dar uma entrevista à Folha, ao Globo e ao Estadão.
Os editores iriam aproveitar qualquer chance para colocá-la em situação constrangedora.
E foi exatamente o que ocorreu.
Os textos dos jornais se centraram no seguinte: Dilma admitiu que demorou para perceber o tamanho da crise.
Apenas o El País, não interessado em arrasar Dilma, sublinhou um fato essencial para compreender a admissão: Dilma se referia à crise internacional.
Mais especificamente, aos efeitos dela na economia brasileira.
São duas coisas completamente diferentes.
Dilma foi sacaneada, mas onde a surpresa?
Do jeito que a coisa foi apresentada pela mídia, ficou a impressão de que Dilma confessou que os jornais estavam certos e ela errada.
Comentaristas e políticos da oposição aproveitaram para atacá-la. Merval disse que Dilma fez, enfim, uma autocrítica.
No G1, um leitor, que assina Almada, postou um comentário em que dizia que ele vinha alertando o governo fazia meses. O bom Almada deu até o endereço para que outros leitores leiam as preciosas advertências econômicas que ofereceu, nos últimos meses, a Dilma.
Quer dizer: os jornais conseguiram se autocongratular, como voluntarioso Almada, pela cobertura sinistra que fizeram da crise econômica.
O que houve de fato foi o seguinte.
A Bolsa de Valores da China teve que explodir para os jornais reconhecerem, com enorme atraso, que a crise é mundial, e não local.
Era estratégico restringi-la ao Brasil porque ficava mais fácil definir Dilma como incompetente.
O dólar subiu no mundo inteiro nestes primeiros meses do ano, e você lia a imprensa brasileira e tinha a sensação de que isso ocorria apenas no Brasil.
Idem para a crise do petróleo. Era coisa nossa. Quer dizer, dela, Dilma.
Éramos uma ilha problemática num mundo repleto de soluções, na tese farisaica da mídia.
A China teve que tropeçar para que a farsa fosse abandonada.
Mas eis que Dilma decide conceder uma entrevista a jornais que tratam de massacrá-la todos os dias.
Síndrome de Estocolmo, me ocorre.
E então no noticiário que sai da entrevista Dilma é tratada como inepta.
Quem deveria fazer uma autocrítica é a imprensa, que manipulou por meses seguidos seus leitores com a versão falsa de que a crise se restringia ao Brasil.
Mas isso não virá.
Com a contribuição de Dilma, a versão que a mídia propagará é que os jornais cansaram de avisar que a coisa estava feia.
É definitivamente um mistério o que leva Dilma a conversar com publicações que jamais surpreenderão por tratá-la com decência.



24 agosto 2015

A LEGALIDADE E A LEGITIMIDADE VÊM DAS URNAS

A maioria e o golpe


Maurício Dias, na Revista CartaCapital



 A verdadeira razão da voracidade da oposição contra Dilma vem da baixíssima aprovação do governo, como tem sido destacado em diversas pesquisas. Isso virou um ponto importante na lista dosgolpistas. A desaprovação das contas do governo no TCU e o processo aberto no TSE são truques políticos da oposição para confundir a sociedade. Nem tudo vem daí.
As decisões dos julgamentos nos tribunais são incertas e, assim, a conjuntura econômica negativa conjugada pela avaliação positiva do governo, reduzida a 8% da população, tornou-se fator determinante na luta pelo afastamento de Dilma do poder. Os golpistas marcham por essa estrada e ela desemboca, para citar o exemplo mais emblemático, na Avenida Paulista. Atrás disso há variados interesses. Os pessoais, os políticos e, também, os poderosos interesses econômicos daqui e d’além-mar. 
Uma crise econômica circunstancial sempre resulta, para os governos, em desaprovação. Mas esse momento não justifica o assalto ao poder. No jogo da democracia, a maioria de hoje pode ser a minoria de amanhã. E vice-versa. 
Pesquisas de avaliação do Ibope, considerando o item “ótimo e bom”, indicam que dos seis últimos governos civis apenas Itamar Franco, em dois curtos anos de governo, e Lula, nos dois mandatos, terminaram com aprovação maior do que a avaliação inicial. Sarney, Collor, FHC e Dilma, no primeiro governo, concluíram com aceitação pior do que aquela do começo de mandato.
Lula é um caso à parte. Iniciou o segundo mandato com aprovação de 51% e terminou com 80%. A pior avaliação dele, ocorrida no primeiro mandato, foi de 29%. Sarney fica com a lanterninha, com 7% de aprovação. Um empate técnico com Dilma (tabela). 
Não há diferença entre os 7% de Sarney, os 8% de Dilma, os 12% de Itamar e os 17% de FHC. Números negativos. Pesquisa, como se sabe, é o retrato do momento em que é levada a campo. Ouvir a sociedade pode ser bom sinalizador das administrações. Embora a maioria seja referência básica do regime democrático, às vezes é preciso destoar desse princípio. Negá-lo em dadas circunstâncias, em nome de outros valores tão ou mais fundamentais. 
A história é recheada desses exemplos. 
Uma grande maioria apoiou a ascensão de Hitler, na Alemanha, em meio a uma crise econômica monumental. Thomas Mann preferiu perder a cidadania. Saiu do país. Recusou participar daquela maioria que aderiu ao ódio nazista.
Guardadas as proporções, o Brasil vive paradoxo semelhante. 
Há quem o ignore e há quem o abrace. Abraço comprometedor pelo qual se deixou levar o ex-presidente FHC, no oportuníssimo dia seguinte à manifestação. Ele usou o trampolim dos protestantes para defender surpreendente argumento:  “O governo, embora legal, é ilegítimo”. 
É o ex-presidente ou o ex-sociólogo que avoca o poder de deslegitimar Dilma?
Vêm das urnas a legalidade e a legitimidade. Protestos, embora legítimos, não abonam golpes. Salvo por meio de intervenção militar como em 1964.



























21 agosto 2015

PRECONCEITO E INTOLERÂNCIA DOMINAM O MUNDO

O ciclo do ódio


Wálter Maierovitch, na Revista CartaCapital



Preconceito e intolerância dominam o mundo. Aqui se fala do populismo reacionário na Europa, da Alemanha de Schäuble, de Netanyahu. Desafiam a condenação de Francisco


Conta-se que Albert Einstein teria dito ser mais fácil desintegrar o átomo do que acabar com os ódios na sociedade. Basta atentar para os primeiros sete meses de 2015 para lhe dar razão.
Sobre o tráfico de desesperados migrantes para a Europa, comove o relato do sírio Eyas Hasoun, dado ao jornal Corriere della Sera no apagar de julho e logo após a morte da sua filha Raghad, de 11 anos.
A menina sofria de diabetes.  A esperança do pai era operá-la na Alemanha, onde ambos pretendiam chegar. Viajantes de um barco precário saído da Líbia, destinado ao tráfico de  seres humanos e  operado por uma das dezenas de organizações criminosas que passaram a deter parte do controle territorial e social do país depois da queda de Muammar Kaddafi, assassinado em 20 de outubro de 2011.
Segundo programado pelos traficantes de seres humanos, o barco chegaria à ilha siciliana de Lampedusa e Hasoun e Raghad fugiriam da Itália  para a Alemanha. Pai e filha enferma pretendiam manter a clandestinidade e, para isso, tentariam evitar o obrigatório registro imigratório, medida geradora de proibição de ingresso em país da União Europeia diverso daquele do desembarque. A esperança de Hasoun virou pó ao cabo da aventura vivida para deixar uma Síria em guerra, evitar as tropas fiéis a Bashar el-Assad e as decapitação por “soldados” fanáticos do Estado Islâmico. Em alto-mar, o traficante no comando da embarcação atirou a mochila de Raghad às águas, embora sabedor de conter toda a medicação necessária a mantê-la viva. Pela falta de insulina, Raghad agonizou e morreu no curso da travessia, sem largar a mão do pai, desesperado e sem alternativas.
Nem essa tragédia conseguiu abrandar a xenofobia europeia, encabeçada por líderes populistas-fascistas, como a francesa Marine Le Pen e o italiano leghista Matteo Salvini. Em cena, na Europa de hoje, duas posturas opostas. De um lado o papa Francisco, que recomenda priorizar o ser humano. Do outro, o odioso discurso da direita europeia pelo fim da migração continental, e a sustentar o enganoso discurso do “ajudar nas próprias casas, nos seus países”, como se fosse possível dissuadir fugitivos e enviar ajuda do Chifre da África à Guiné Equatorial e aportes à Ásia. Fora isso, até a esfinge de Gizé sabe que dirigentes africanos gostam de embolsar ajuda internacional e manter na miséria os seus povos.
Nesta semana, dois barcos saídos da Líbia, ambos à deriva e um deles a fazer água, emitiram o SOS, captado por portos italianos. Houve pronta ajuda e 700 fugitivos foram salvos. Esse episódio, na esteira da tragédia da menina Raghad, e de tantas outras. Desta vez, o secretário da CEI (a CNBB da Itália), monsenhor Galantino à frente, surge em cena para repisar o pensamento do papa Francisco na condenação do ódio aos imigrantes. É um revide claro a campanha da direita europeia, a clamar contra a “invasão” do continente. A ofensiva reacionária conta inclusive com a adesão de Beppe Grillo, ex-cômico, populista e líder do Movimento 5 Estrelas, hoje segundo partido da Itália com tendência ao crescimento.
A solução possível e realista em face do fenômeno imigratório e do combate ao tráfico e exploração de seres humanos ainda não foi encontrado pela União Europeia. O recente sistema de cotas, pelo qual cada país haveria de receber um número determinado de imigrantes, está à beira da falência, pelo simples fato de que chega mais gente do que o planejado. Nada melhor para a direita radical à busca de votos. O ódio assumiu uma função cada vez mais decisiva no mundo, ao sabor do preconceito e da intolerância.
Em matéria, pontifica a Alemanha, tão desmemoriada em relação ao seu próprio passado: campeão na arena, o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, de fé luterana, protagonista do episódio do “GreExit”. E Schäuble até esqueceu ter sido a reconstrução da Alemanha pós-Hitler bancada pelos vencedores da Guerra. Para o ministro, o caso da Grécia continua sendo de simples condomínio. E a condômina da União Europeia que não cumpre as regras e deixa de pagar os débitos sujeita-se ao despejo. 
Contribuição importante ao ciclo do ódio: o premier de Israel, Benjamin Netanyahu, proclama o “erro histórico” do acordo com o Irã. 









A CRISE É TAMBÉM CULTURAL

Tragicomédia


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Que sobra das manifestações de domingo 16 de agosto? Ódio de classe. Inextinguível, inesgotável, inexorável ódio de classe. Insuportável para qualquer democrata autêntico. Não figuram na categoria, obviamente, os barões midiáticos e os seus sabujos. Tampouco, Aécio Nevese o tucanato em geral, encabeçado porFernando Henrique Cardoso. Diriam dele as vovós de antanho: está gagá.
Ao contrário do que divulgaram os jornalões de segunda 17, as manifestações não foram o sucesso esperado pelos organizadores. Reunir 800 mil brasileiros em 169 municípios de um país de 200 milhões de habitantes não impressiona,apesar das reações entre eufóricas e triunfantes da mídia e da oposição. A última versão dessas novas marchas da Família, com Deus e pela Liberdade levou às ruas, meses atrás, o dobro de participantes. Nem esta comoveu.
Uma pesquisa do Datafolha nos diz quem compareceu: mais homens que mulheres, bem mais brancos que pretos ou pardos, a maioria passou dos 51 anos de idade e mais de 70% votaram em Aécio Neves.Como as marchas do golpe de 64, manifestações burguesas e burguesotas, como de resto prova o grau elevado de escolaridade dos marchadores, a denunciar ao mesmo tempo o baixo nível das nossas escolas.
Sim, o pessoal está movido a ódio de classe, com particularidades tropicais. A vocação festeira e o impulso ficcional da fantasia estimulado pela estiagem. Não ganham a praça para clamar contra Dilma, Lula e o PT, e sim contra o que supõem ser a presidenta, o ex-presidente e seu partido. Figuras romanescas que em outros tempos chamariam de comunistas, representantes de uma esquerda metida a redentora do povão enquanto chafurda na corrupção. Algo assim como um Robinson Crusoe que caiu na gandaia.
CartaCapital há mais de uma década lamenta que o PT tenha se portado no poder como todos os demais partidos. No caso de Dilma Rousseff, enxerga uma presidenta que descumpriu as promessas da campanha, inapetente no jogo político, proba, porém, acima de qualquer suspeita. Quanto a Lula, é o presidente mais amado do Brasil pós-ditadura a despeito do chamado “mensalão”, seu governo foi o primeiro a implementar uma política social, modesta, e uma política internacional independente, primorosa.
Vale acentuar também que, no hediondo capítulo dos escândalos, o PT no governo é bem menos vistoso do que o PSDB. À sombra de dois mandatos de FHC, o tucanato esbaldou-se diante do olhar conivente e protetor da mídia nativa. Nuvens imaculadas singraram os céus e o PSDB, capaz de escândalos monumentais, se assumia como partido da reação e seu presidente mergulhava nos braços de Clinton.
Nestes dias FHC se apressa a uma contribuição póstuma, digamos assim, ao saudoso Febeapá de Stanislaw Ponte Preta, uma das figuras do passado que faz tanta falta ao Brasil de hoje, parvo quando não vulgar, incapaz de graça, menos ainda de relâmpagos de humor como já se deu nos tempos idos e sepultados. Se bem entendi, do alto da sua comprovada vocação de contorcionista do retoque constitucional. FHC propõe agora mais uma reforma, pela qual o presidente, embora eleito conforme a lei, teria de renunciar tão logo as pesquisas indicassem desfavor popular.
Conclusão: Dilma Rousseff teria de entregar-se passivamente a um “gesto de grandeza” e renunciar à vista das pesquisas negativas, a tornarem seu governo “ilegítimo”. Deixo a Marcos Coimbra a tarefa de confrontar FHC presidente com a atual presidenta (páginas 28 e 29). Registro apenas que o PSDB adere de pronto ao pensamento do seu príncipe para justificar o abandono da ideia do impeachment impossível.
Realista, pelo contrário, a análise do ex-ministro das Comunicações de FHC, Luiz Carlos Mendonça de Barros, grande personagem da maior bandalheira/roubalheira da história do Brasil, as privatizações tucanas, quando chamava o então presidente de “bomba atômica” ao lhe atribuir poderes nucleares. Diz ele, talvez inspirado por sua condição recente de empresário, além de investidor, que a solução conveniente está hoje no “acordão”, que prefiro chamar, mais propriamente, de conciliação das elites. A qual está em gestação, nas barbas de tucanagens, marchas e panelaços.
Os jornalões divulgam o besteirol tucano em uníssono e em manchetes, enquanto o governo acuado exibe sua incapacidade de reação à altura, que se recomendaria enérgica, com o exato tempero da ironia. Como se vê, a crise não é somente econômica, política e social, é também cultural.