31 outubro 2015

SIMPLES ASSIM: ÓDIO DE CLASSE

Desta vez não dá


O desvairado ataque midiático movido a ódio de classe trai a fraqueza e o desespero da casa-grande

por Mino Carta, na Revista CartaCapital

Transcrevo o primeiro período do editorial do Estadão de quarta 28: “Não se pode dizer que tenha causado surpresa o fato de a Operação Zelotes da Polícia Federal ter estendido suas investigações à empresa de um dos filhos de Luiz Inácio Lula da Silva e convocado a prestar depoimento seu fiel acólito, Gilberto Carvalho”. Na mosca.

De fato, não causa surpresa alguma que a Zelotes ganhe subitamente a atenção nunca merecida. Tampouco causaram as retumbantes manchetes tanto do próprio Estadão quanto da Folha de S.Paulo que na terça 27 celebraram o evento. Há uma operação em curso, contudo, a transcender os alcances da Zelotes e quaisquer outras. A Operação Anti-Lula, Anti-Dilma, Anti-PT, precipitada por um afã destruidor capaz de atentados à verdade factual e aos valores e princípios democráticos e republicanos. 

O empenho é tanto que um mero boato espalhado pelos apaniguados (ou seriam acólitos?) de Eduardo Cunha, intérpretes do seu espírito ardiloso, a respeito da viabilidade técnica do impeachment, move as manchetes da quarta 28, para que o próprio presidente da Câmara as desminta na manhã do mesmo dia. Ele avisa, com a expressão de Buster Keaton, não ter nada a ver com o rumor. Ah, sim, Keaton: grande ator cômico do passado remoto que jamais sorria.

A Operação a serviço do ódio de classe é ampla e complexa, conta com a instrumentação da mídia nativa e evoca situações pregressas. Não é por acaso que o editorial do Estadão, que me inspira de saída, intitula-se: “Lula e o mar de lama”. Pois é, o fatídico mar de lama em que, segundo o Estadão de 60 anos atrás, então nutrido pela retórica de Carlos Lacerda, soçobrava o Palácio do Catete habitado pelo velho Getúlio Vargas.

É do conhecimento até do mundo mineral que se esboçava o golpe de 1964. A história repete-se. Como farsa, há quem diga. De minha parte, intuo um progresso, na acepção mais completa da palavra, mesmo porque não enxergo em Lula a vocação suicida que muitos historiadores apontam em Getúlio. Lula gosta da vida e quer vivê-la. Não sei se a encenação atual há de ser definida como farsa, embora não me desagrade a ideia ópera-bufa. Sobra-me apenas uma certeza, e me atrevo a decliná-la em pleno andamento do espetáculo: desta vez a manobra está destinada ao fracasso. Por ora, no que diz respeito ao impeachment. Depois, veremos.

Entenda-se. O tempo é outro. Às vezes, admito, o meu ceticismo dobra meu inextinguível otimismo na ação, mesmo assim há na trama uma patetice que trai o desespero. Uma dúvida latente dos graúdos, a denunciar a desconfiança na sobrevivência da força esmagadora que, faz 60 anos, alimentava as certezas dos senhores da casa-grande. Algo se deu pelo caminho, além de uma leve melhora nos índices da desigualdade.

Recordo épocas tragadas pelo galope do tempo, em que um termo da moda era conscientização. Talvez algo se mova agora neste sentido. Meus botões admitem a crença de que cresceu o contingente de quantos se habilitam a perceber o lado tolo, e até ridículo, de um enfadonho, desvairado ataque midiático, a aguçar o açodamento raivoso da minoria e exibir sua fraqueza.

Surpreende uma pesquisa Ibope, divulgada pelo site do infatigável Estadão, para tratar dos índices de rejeição das figuras políticas eventualmente candidatáveis às eleições de 2018. Os 55% que penalizam Lula são citados em primeiro lugar, mas o júbilo dura pouco. José Serra tem 54, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes 52, Marina Silva 50, Aécio Neves 47. Creio, em todo caso, que estas porcentagens tenham peso relativo. Muitos dos entrevistados quem sabe entendam ser a pesquisa prematura, à vista do longo prazo que nos separa do pleito.

“Apesar da rejeição – e aqui volto a citar o Estadão – o porcentual dos eleitores que com certeza votariam nele (Lula, leia-se) é maior do que a de todos os seus potenciais adversários.” Ou seja: 23% contra 15% de Aécio, 11% de Marina, 8% de Serra e 7% de Ciro. Cuja presença na liça favoreceria o petista, conforme a análise dos meus botões. Ou, por outra, se as eleições se dessem hoje, a despeito de toda a campanha contrária febrilmente desfechada pela mídia, o ex-metalúrgico, homessa!, retomaria a Presidência. 



29 outubro 2015

VERÃO QUENTE

O que eles veem


Janio de Freitas, na FSP




O impeachment de Dilma Rousseff e a cassação de Eduardo Cunha estão agora entrelaçados, mais distantes no calendário, mas com futuros separados e perspectivas diferentes.

O pedido de cassação de Eduardo Cunha, por iniciativa do PSOL e da Rede de Marina, demorou 15 dias para ir da Mesa da Câmara ao Conselho de Ética, onde chegou ontem. É um prenúncio. Os prazos do Conselho e as férias de verão do Congresso, a começarem em 22 de dezembro, não se entendem bem com a decisão sobre Cunha. Não há previsão do que o relator pretenda, entre inquirição de testemunhas e coleta de documentos, para formar sua proposta ao Conselho. Não é provável, portanto, que mesmo nessa instância preliminar haja decisão antes do recesso parlamentar.

Remota embora, no entanto pode haver. Se, porém, houver e for pela cassação de Eduardo Cunha, a proposta ainda terá de passar à instância seguinte, o plenário que efetivará a medida extrema ou a absolvição. Logo, mesmo que o Conselho de Ética submeta a proposta de cassação ao plenário, só daqui a mais de três meses haveria a decisão final.

Pressa, ou desejo mal controlado, produziu ontem a notícia "Câmara recomenda a Cunha dar aval ao impeachment". Falta muito para a Câmara chegar à etapa de iniciativas e decisões. A pedido de Eduardo Cunha, assessores teriam concluído parecer que aprova o embasamento jurídico do pedido de impeachment de Dilma assinado por Hélio Bicudo, Reale Jr. e Janaína Paschoal. Mas também há a informação –aliás, citada de raspão pelo "Globo"– de um parecer em sentido contrário e também pedido por Cunha. Para dar ares jurídicos à decisão que tome, de encaminhar ou arquivar o requerimento de impeachment. Duplicidade sensata, mas sobretudo típica de Eduardo Cunha, o astuto.

Nestes dias de "nova mídia", depois de ler o noticiário é recomendável recorrer aos mais bem informados para saber qual das informações contraditórias é mais confiável. Ou menos inconfiável. Do almoço na casa de Eduardo Cunha, anteontem, aquele jornal do Rio publicou que os presentes ouviram dele que sua decisão, sobre encaminhamento do pedido de impeachment, "dependerá de um fator externo". Qual seja, haver ou não pedido do procurador-geral da República ao Supremo para o afastamento de Cunha. A medida o levaria a agir contra Dilma. Mas também se podia ler que os outros presentes nada ouviram sobre o procurador-geral e sobre tal assunto.

É óbvio que Eduardo Cunha fez do pedido de impeachment uma arma de muitas utilidades. Mesmo inexistindo submissão do procurador-geral ao governo ou a Dilma, associá-los é a maneira encontrada por Cunha para justificar sua manipulação do impeachment. Mas, sem contrariar esse jogo, da sua e da parte do governo há sinais de novos conceitos mútuos. Os quais, se consolidados, vão se refletir em disposições também mútuas.

Em prazos, as perspectivas para Dilma, quanto ao pedido dos três juristas, são mais ou menos as de Cunha. Mesmo o potencial de um processo parlamentar proveniente do Tribunal de Contas da União, sobre as "pedaladas", é pequeno, já por não se tratar de crime de responsabilidade, como exigido para impeachment.

Logo, tudo no Brasil está e continuará, ainda por meses, pendurado em dois assuntos tão vivos quanto mortos. Ainda que se resolvam algumas pendências do governo no Congresso, para o desajuste econômico, para os próximos meses não se vislumbra promessa de situação definida, em qualquer sentido.

Afora uma hipótese, merecedora de expectativa. Na Procuradoria Geral da República aumenta a confiança em que seu material sobre Eduardo Cunha leve a muito mais do que processos comuns por recebimentos ilegais, evasão de divisas, lavagem e contas não declaradas. Nas suas considerações, a Procuradoria nem se preocupa com férias parlamentares.

Rodrigo Janot leu que o verão vai ser quente como poucos. E não havia outra notícia dizendo o oposto.

(Extraído do CONVERSA AFIADA, de Paulo Henrique Amorim)


26 outubro 2015

MÃOS LIMPAS, LAVA JATO: LIÇÕES DA ITÁLIA

Itália mostra que escândalo não purifica

Humberto Saccomandi, no Valor
Há uma tese corrente no Brasil que diz que, apesar dos escândalos e da corrupção, as instituições brasileiras estão reagindo bem e o país sairá fortalecido desta crise. Infelizmente, essa tese é frágil: a própria proposição sobre o desempenho das instituições é questionável e nada garante o panglossiano final feliz fortalecido. Basta olhar para a Itália: 23 anos depois, o país ainda sofre com as sequelas do seu grande escândalo.
A operação Lava-Jato é frequentemente comparada à operação Mãos Limpas, que abalou a Itália no começou dos anos 90. Há realmente muitos elementos em comum, mas também circunstâncias e características distintas. O que ocorreu por lá não necessariamente acontecerá por aqui, mas o caso mostra como os riscos são grandes.
A operação italiana, que começou em 17 de fevereiro de 1992, apurou o escândalo conhecido como Tangentopoli (algo como Propinópolis ou Subornópolis). Assim como a Lava-Jato, a Mãos Limpas começou investigando uma denúncia localizada de corrupção, mas acabou desvendando um gigantesco e disseminado esquema de financiamento político ilegal.
Itália ainda sofre com sequelas de seu grande escândalo
Os números da Mãos Limpas, operação tocada sobretudo por um pool de procuradores de Milão, impressionam. Mais de 5.000 pessoas foram investigadas, segundo o levantamento do livro “Mani Pulite, la Vera Storia”, de Marco Travaglio e Peter Gomez. Cerca de 3.200 foram denunciadas e 1.254 foram condenadas (mas, atenção, as denúncias contra 424 acusados prescreveram).
Não há um cálculo de quanto dinheiro foi desviado, pois a investigação italiana não estava focada numa empresa, como no caso da Lava-Jato com a Petrobras. A corrupção – basicamente o pagamento de propina para a venda de bens e serviços ao governo – estava disseminada pelos mais variados setores, em todos os níveis da administração pública. Houve até propina para venda de medicamentos hemoderivados. Alguém acredita que no Brasil seja diferente?
O mais impressionante, porém, foi o impacto político-institucional do escândalo. Em menos de dois anos, após uma sangria de eleitores, os cinco partidos (de centro-direita) mais atingidos tinham desaparecido. Foram dissolvidas siglas históricas, como a Democracia Cristã, que conduziu a Itália no imediato pós-guerra, e o Partido Socialista Italiano, que tinha mais de cem anos. Será que o PT vai igualmente acabar?
Uma geração de políticos desapareceu de cena junto com esses partidos. O líder socialista Bettino Craxi, por exemplo, que fora premiê de 1983 a 87, fugiu para a Tunísia, para não ser preso. Acabou morrendo no exílio, no ano 2000.
Essa implosão do sistema político (a esquerda italiana já estava em crise desde a queda do Muro de Berlim) teve desdobramentos perversos. Emergiram duas forças políticas altamente disruptivas: o partido populista Forza Italia, do bilionário Silvio Berlusconi (que entrou na política para salvar a si e a seu império, após a queda de Craxi, o seu protetor político), e a Liga Norte, um grupo conservador, separatista e xenófobo, de caráter territorial, isto é, presente somente no norte da Itália. Com isso, as coalizões de governo no país se tornaram mais difíceis e menos eficazes. E o debate político foi sendo aos poucos tomado pela intolerância.
Esse sistema político disfuncional, que sobreveio ao escândalo, degradou o governo, o Estado e boa parte das instituições italianas pelos 20 anos sucessivos. Executivo e Judiciário passaram anos em guerra aberta. O Parlamento legislava descaradamente em benefício pessoal de Berlusconi. Outros escândalos, menores, se sucederam. A esquerda, quando chegou ao governo, foi vítima de suas próprias divisões internas, mas também de golpes sujos, como quando o grupo de Berlusconi comprou um senador para tirar a maioria parlamentar do governo do premiê Romano Prodi, que foi obrigado assim a renunciar.
Mais recentemente, os últimos três premiês da Itália (Mario Monti, Enrico Letta e Matteo Renzi) não disputaram e não foram eleitos para o cargo. Assumiram em manobras parlamentares, num claro déficit democrático.
O resultado desse imbróglio, em termos econômicos e sociais, foi desastroso para a Itália. A economia italiana foi a que menos cresceu desde então na União Europeu (descontado o colapso recente da Grécia). O investimento estrangeiro minguou. A dívida pública explodiu. Há hoje somente uma universidade italiana entre as 200 melhores do mundo, segundo o ranking QS, o Politécnico de Milão, em 187º lugar (o Brasil tem duas, a pequena Holanda tem 12).
Nesse período, a Itália perdeu credibilidade e virou motivo de piada na Europa. Ficou célebre uma entrevista coletiva em 2011 na qual a premiê alemã, Angela Merkel, e o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, não conseguem conter o riso ao falarem de Berlusconi.
Resumindo: o escândalo e seus desdobramentos não foram a única causa, mas foram determinante para fazer a Itália mergulhar numa enorme crise política, institucional e econômica da qual o país só agora, mais de 23 anos depois, começa a vislumbrar uma saída.
Se alguém acha que um populista caricato como Berlusconi não chegaria ao poder no Brasil, pense duas vezes. Não fosse pela Justiça da Suíça, o deputado Eduardo Cunha poderia muito bem ter alcançado a Presidência, num eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff.
Assim como a Mãos Limpas não gerou uma política limpa na Itália (havia essa expectativa, mas ocorreu o contrário), a Lava-Jato certamente não vai lavar os nossos defeitos institucionais.
A tese de que o Brasil sairá fortalecido desta crise está, portanto, imbuída de um otimismo moralista e sem justificativa. A Lava-Jato não garante que seremos melhores no futuro. Garante só que éramos piores do que pensávamos no passado. O problema não da investigação, claro. É a expectativa em relação a ela.
Ou seja, cuidado com a crise supostamente purificadora que você deseja para o Brasil. O caso italiano mostra que o resultado pode ser altamente disruptivo, marcar a vida do país por décadas e gerações e ter um custo econômico altíssimo.

(Extraído do TIJOLAÇO, de Fernando Brito. 


TEIMOSA E INCIPIENTE DEMOCRACIA

A democracia arrombada

Janio de Freitas, na Folha
Crise, crise mesmo —não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises— desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.
Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio. As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.
O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.
Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.
A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.
O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal Ibad, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.
Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.
Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.
A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.

(Extraído do TIJOLAÇO, de Fernando Brito)


PARA NUNCA MAIS ACONTECER

Um momento para não esquecer



Alberto Dines, no Observatório da Imprensa



A ditadura militar começou a desabar com um ato ecumênico, verdadeiramente espiritual, celebrado na Sé de São Paulo em memória do jornalista Vlado Herzog e em protesto contra o seu assassinato dias antes nos cárceres do DOI-CODI local.
Hoje, 25 de outubro, no mesmo templo paulistano, exatos quarenta anos depois, novo culto inter-religioso desta vez para evocar aquele momento único de congraçamento humano e resistência à brutalidade.
O tempo decorrido não nos deixa mais tranquilos: fantasmas com outras roupagens substituíram os de então, novas perversidades articulam-se ostensivamente em diferentes recantos do planeta. Desatentos, tomados por estranhas derivações estamos permitindo que o país se dissolva no ódio. As certezas então produzidas pela unidade e pela solidariedade, apenas quatro décadas depois parecem irremediavelmente desfeitas.
Nesta era das gigantescas redes e vastos compartilhamentos não estamos conseguindo aquele mínimo de convergências para distinguir as sutilezas do mal. Pior: estamos sozinhos, cada um por si. A intensidade da comunicação não forma – ao contrário deforma — comunhões e comunidades. O mundo globalizado é na realidade, um tecido de solidões.
As próprias religiões estão sendo torpemente usadas para difundir desconfianças e fragmentações. O boato espalhado pela imprensa italiana sobre o tumor no cérebro do papa Francisco é uma clara manobra para desqualificar suas arrojadas tentativas de agregar, incluir, aproximar tanto na esfera dos costumes como na política.
A gigantesca e inacreditável lorota proposta pelo premiê israelense, Bibi Netanyahu — aliás filho de um eminente historiador — sobre a suposta origem palestina do projeto nazista de extermínio dos judeus na Segunda Guerra Mundial dá uma ideia da paranoia que domina os setores xenófobos da sociedade israelense. O negacionismo do Holocausto no qual os aiatolás iranianos estão engajados, jamais fabricou tão execrável disparate, inédita dessacralização do martírio dos seis milhões de vítimas do ódio racial.
Onde poderia o bilionário norte-americano Donald Trump encontrar inspiração para formatar sua jurássica plataforma política senão entre as seitas fundamentalistas dos EUA?
Com a credibilidade reduzida a pó e um pé no primeiro degrau do patíbulo o deputado Eduardo Cunha (até o momento, presidente da Câmara Federal), tenta desesperadamente armar uma base de apoio, por isso recorre com evidente desespero aos correligionários evangélicos. O projeto de sua autoria que fez aprovar há dias na Comissão de Constituição e Justiça torna quase impossível o aborto em caso de estupro apesar de garantido pela legislação. De uma perversidade medieval, torna o poder público um algoz, cumplice da maternidade precoce, incubadora de uma geração de menores abandonados que logo irão reforçar a delinquência.
Eduardo Cunha é o clássico caçador de bruxas, modelado pelo farisaísmo, a hipocrisia, servo de duas moralidades quando se trata do erário e de bens públicos, dos quais deveria ser guardião, não tem qualquer escrúpulo em apropriar-se. Mente descaradamente sem importar-se com a sua responsabilidade de guardião da fé pública.
Eduardo Cunha saiu do armário para nos lembrar que os fundamentos ideológicos e morais da brutalidade do regime militar permanecem intactos.
 Por que Cunha só faz declarações andando e apressado?
O mais cínico e assíduo dos entrevistados da cena política neste ano, Eduardo Cunha consegue passar incólume pelos diversos encontros diários com os repórteres que cobrem a Câmara Federal graças a um estratagema e uma desfaçatez que ultrapassam de longe a “cara-de-pau” de Paulo Maluf, até há poucos anos o indiscutível campeão na modalidade.
Cunha não se nega a falar, parece disponível, mas nunca recebe os repórteres parado. Procura sempre dar a impressão de que tem pressa, assuntos urgentes e transcendentais o convocam. Responde andando, rápido, sem olhar o repórter, inferiorizando-o e abatendo qualquer tentativa de réplica ou contestação das contumazes mentiras.
O comité de imprensa da Câmara deveria protestar, isso não é maneira de oferecer explicações à sociedade. E se o esperto deputado insistir na manha existem muitos recursos para sossega-lo.
***
Alberto Dines é jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa



23 outubro 2015

CORTINA DE FUMAÇA

De Volta para o Passado no Brasil de Cunha

Projetos conservadores são cortina de fumaça para tirar o foco da corrupção


Maurício Moraes, na Revista CartaCapital


O dia 21 de outubro de 2015 era a data em que o jovem Marty McFly aterrissaria com seu carro supersônico em um então distante futuro, isso lá nos idos de 1985. O protagonista do clássico filme De Volta Para O Futuro, vivido por Michael J. Fox, chegava em um mundo com carros voadores e garçons holoágricos – uma modernidade ímpar. Tivesse aterrissado em Brasilia, no entanto, a realidade seria um tanto diferente, não menos extravagante. 
O dia 21 de outubro de 2015 será lembrado como o dia em que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo das 23 contas na Suiça Cunha, fez tramitar na Comissão de Constituição e Justiça da Casa seu famigerado projeto de lei que criminaliza a heterofobia. 
O PL é uma grande peça de ficção (que faz inveja ao dito filme aqui), por considerar que os heterossexuais brasileiros estão ameaçados por gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. É como se os heteros andassem levando golpes de lâmpada na cabeça enquanto andam na Avenida Paulista, como se homens e mulheres fossem brutalmente mortos nas ruas por andarem de mão dadas ao melhor estilo tradicional família brasileira. 
A tal heterofobia é tão real quanto as declarações de Cunha de que ele não tinha nenhuma conta no exterior. Aliás, Cunha, espertalhão como é, sabe que não existe heterofobia. Essa história é só uma cortina de fumaça na tentativa de desviar a atenção das investigações que mostram suas digitais na roubalheira de dinheiro público, agora escancaradas com as fotocópias de seu passaporte e com detalhes bizarros como os carros de luxo comprados em nome de seu site Jesus.com.
Também serve para fazer uma média com sua base de religiosos fundamentalistas que acreditam em "ditadura gay" e coisas do tipo. É o tal ópio do povo já alertado pelo velho Marx. 
O perigo maior do Cunha camicase, ciente do perigo de ser defenestrado da presidência da Câmara sem ter conseguido emplacar o impeachment da presidenta da República, nem é aprovar a tal lei da heterofobia – o projeto é tão absurdo e folclório que (assim espero) não deve passar no Plenário.
A maior ameaça paira sobre os direitos das mulheres brasileiras. No mesmo dia 21 de outubro, a mesma CCJ aprovou outro projeto de lei que restringe ainda mais o direito da mulher a seu próprio corpo, e que pode ganhar maior apoio entre os deputados (é bom lembrar que 90% dos congressistas são homens). 
Segundo o projeto, as vítimas de estupro (um dos poucos casos no qual o aborto é permitido no País) terá de se submeter a um exame de corpo de delito para confirmar o crime antes de receber o devido tratamento médico. Hoje, basta a palavra da vítima. É muita humilhação para quem já sofreu tamanha violência… O projeto ainda dificulta a venda de abortivos.
Dia 21 de outubro também foi o dia em que Cunha das Contas Suíças recebeu mais um pedido de impeachment para derrubar a presidenta da República. Recebeu das mãos de sorridentes líderes da oposição, como Carlos Sampaio, do PSDB, e Paulinho da Força, do Solidariedade, que berraram contra a corrupção que seria representada por Dilma, sem sequer citar ao menos uma das 23 contas de Cunha no exterior. Indignação seletiva no mais alto grau, o da desfaçatez. 
E quando em Brasilia a gente já achava que tinha visto de tudo, no outro lado do mundo o primeiro-ministro de Israel protagoniza outra cena digna de ficção, dizendo que Hitler não foi o arquiteto do Holocausto. Culpou os palestinos pelo genocídio de milhões de judeus na Segunda Guerra. 
O revisionismo histório de Benjamin Netanyahu é bastante revelador de como funcionam as mentes maníacas de líderes que não sentem qualquer constrangimento em falar as maiores besteiras para dar sustentação a planos maquiavélicos contra quem consideram inimigos. Por lá, os palestinos. Por aqui, os LGBTs. Afinal, Cunha e Netanyahu são muito parecidos e dariam um par perfeito.
Tivesse chegado ao futuro neste dia 21 de outubro de 2015, Marty McFly talvez se decepcionasse com o fato de não termos carros que voam. O que ele tampouco imaginaria é que, por aqui, haveria gente interessada mesmo em voltar para o passado. No Brasil de Cunha, a vanguarda do atraso dá o tom.



PRECISAMOS DEMOCRATIZAR O BRASIL

O rebaixamento do QI


Mino Carta, na Revista CartaCapital



Proclama a manchete da Folha de S.Paulode sexta-feira 16: “Delator diz ter repassado R$ 2 mi para nora de Lula”. Texto a justificar o título, retumbante na primeira página, relata que, segundo o lobista Fernando Soares, o Baiano, o dinheiro foi entregue por ele a um amigo de Lula para ser levado à mulher de um dos filhos do ex-presidente, de fato dotado de quatro noras. O tal amigo, apontado como intermediário da operação, nega.
Alto e bom som, como não poderia deixar de ser, o Estadão também na sexta trombeteia: “Baiano diz que amigo de Lula acertou propina de US$ 5 mi”. De novo em cena aquele prestativo amigo, esclarece o texto, capaz de precipitar a manchete, para entregar a grana ao já ilustre Nestor Cerveró e mais dois funcionários daPetrobras.
Nem o Washington Post  manifestou tamanha empolgação ao colher as provas do envolvimento de Nixon no Watergate. Pergunto aos meus estupefactos botões em que país dito democrático e civilizado confusas delações premiadas de um lobista, obviamente a carecerem de prova, seriam apresentadas pelos principais jornais com o destaque que lhes foi conferido pelos jornalões paulistas? Respondem em uníssono: Brazil, zil, zil. Algo me preocupa, nesta e outras situações similares, a saber a imediata credulidade de quem lê, pronto a repetir quanto leu qual fosse a sacrossanta verdade.
Há quem observe: contássemos com outra mídia, a opinião pública brasileira seria bem menos enganável. À parte o fato de que tenho dúvidas em relação à expressão opinião pública, em um país de 204 milhões de habitantes onde a Folha de S.Paulo se orgulha de alcançar 20 milhões, graças a cálculos baseados no fator multiplicador. Mas, no fundo, não é este o motivo da minha preocupação. A atual diz respeito, de fato, ao quociente de inteligência (nem ouso falar no espírito crítico) do leitor.
O momento do Brasil dos graúdos, devastado pela insensatez e movido a ódio de classe, favorece o triunfo da sandice e a impossibilidade de um debate justo, honesto, equilibrado. Inteligente. Por exemplo. Em um rompante de coerência, o PT se manifesta contra apolítica econômica do ministro Levy, e a mídia nativa, como sempre fiel do pensamento único, clama contra o engodo.
Ou, por outra, avisa: não se deixem enganar, isto é jogo de cena. Pelo comedido emprego de neurônios, não seria difícil entender que a sinceridade petista, no caso, bate de frente com os propósitos da presidenta. Não há, é solar, o  estratagema das cartas marcadas. 
Na moldura, se estabelece uma preciosa informação prestada por Fernando Henrique Cardoso em seu livro de memórias. Mereceria, esta sim, muito mais destaque do que lhe foi oferecido pelos jornalões de quarta 21: em 1996, quando presidente, o príncipe dos sociólogos teve sua atenção chamada para a corrupção reinante na Petrobras e deixou de intervir. Invoco a ajuda dos meus perplexos botões: “Mas a Petrobras não era governo também na época de FHC? Ou muito me engano?”
Esta, sim, é incoerência, dizem. Como assim? Recorrem a Justiniano: quem cala consente. Donde, concluo, seria o caso de dar à confissão do presidente tucano o peso devido, do tamanho de um deslize gravíssimo, de uma indiferença criminosa. Seria, retrucam, mas FHC tem poltrona cativa, adamascada, na casa-grande, e a reverência inoxidável da mídia nativa. Sei, sei, resmungo, mas ele também, ao confessar, não nos brinda com uma prova de esperteza. Pode tudo, no entanto.
Susto enorme levei, na manhã da quarta 21, ao tropeçar na manchete do Estadão. Ao vê-la de longe imaginei a eclosão da guerra mundial. Em toda a largura da primeira página, e em duas linhas. Ao lê-la, respirei aliviado, falava de uma das habituais delações destinadas a incentivar a crença no envolvimento de Lula em algum, qualquer, negócio escuso. Tentativa patética, se não estivéssemos no Brazil, zil, zil, ambiente cada vez mais propício ao rebaixamento progressivo do QI.
Nos últimos dias, me peguei diante de duas plateias bastante distintas. Em um debate sobre o excelente livro de Paulo Henrique Amorim, O Quarto Poder, Uma Outra História, em companhia de Laura Capriglione e do próprio autor.
Outra oportunidade tive ao receber o Prêmio Especial Vlado Herzog, que me honra e me comove, mesmo porque aquele assassínio cometido na masmorra do DOI-Codi é perfeito símbolo da violência de uma ditadura feroz e insana, ditadura antes civil que militar, porque nascida nas dependências da casa-grande, de onde saiu a convocação da caserna para a execução do serviço sujo.
Na primeira plateia, falava-se em democratização da mídia. Na outra, em liberdade de imprensa ameaçada. Pontos de vista opostos, ambos equivocados, conforme meus botões, embora o segundo seja ou hipócrita ou francamente néscio. Aqui a plateia acredita que liberdade se completa por si só, sem o corolário da igualdade, de sorte a se tornar, graças a tal ausência, na liberdade dos senhores de contar a história a seu talante.
Quanto à democratização da mídia, não sei o que exatamente significa. Bastaria aplicar por meio de leis específicas o que a Constituição determina com toda clareza contra o monopólio e o oligopólioSosseguem, leões: nosso Congresso nunca dará qualquer passo neste rumo. A democracia implica naturalmente uma mídia democrática. Precisaríamos é democratizar o Brasil. 



10 outubro 2015

"LADRÕES DO GOVERNO... SOFREM DURAS CRÍTICAS... DOS BANDIDOS DA OPOSIÇÃO."

Governo volta às cordas e oposição parte para cima



Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho


 Ah, mas outro dia você escreveu o contrário, poderá lembrar algum leitor mais atento. É verdade. No último sábado, dia 3, após a reforma ministerial, o título que dei à coluna foi "Governo sai das cordas e oposição fica nos braços de Cunha". O que posso fazer? Em menos de uma semana, mudou tudo de novo. Política é como nuvem, já diziam os mais antigos: você olha, o céu está de um jeito; olha de novo, está de outro.
Dilma cortou oito ministérios e deixou o PMDB com sete na tentativa de remontar sua base aliada que estava se esfacelando. Menos de uma semana depois, o PMDB está mais dividido do que nunca e os demais partidos aliados ficaram inconformados com o quinhão que lhes coube. O descontentamento é generalizado no Congresso Nacional, como mostram as sucessivas derrotas do governo, que ainda não conseguiu quorum para votar os vetos da presidente aos projetos da "pauta-bomba".
O governo voltou para as cordas e a oposição partiu para cima com tudo, após a rejeição das contas do governo pelo TCU, por 8 votos a 0, e a reabertura das investigações no TSE sobre a campanha eleitoral  da chapa Dilma-Temer.
Na mesma quarta-feira, na Bahia, ao entregar novas unidades do programa Minha Casa Minha Vida, a presidente Dilma tentou mostrar otimismo dizendo que já começava a ver uma "luz no fim do túnel", enquanto em Brasília as trevas se espalhavam pelo horizonte.
Na volta ao Planalto, a presidente convocou para esta quinta-feira, apenas três dias depois de dar posse aos novos titulares, a primeira reunião de emergência do ministério reformado para descobrir o que não deu certo. Na verdade, deu tudo errado.
Aqui me limito a registrar o que está acontecendo, um dia após o outro, nada posso fazer contra os fatos. As nuvens mudam muito rapidamente de lugar, mas não cedem espaço para a luz do sol entrar no túnel da guerra política. "Foi a pá de cal no governo Dilma", comemorava o líder do PPS, Rubens Bueno, no plenário do TCU. Carlos Sampaio, líder do PSDB e da tropa de choque do impeachment, ficou eufórico: "Essa decisão do TCU só reforça a necessidade de levarmos adiante o processo de impeachment por crime de responsabilidade".
A iniciativa política voltou a ser da oposição e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, apesar de tudo, continua dando as cartas no plenário da Câmara para acuar o governo. Nada o abala, nem mesmo a revelação das suas contas secretas na Suiça, já confirmada pelas autoridades locais.
Para se ter uma ideia do seu poder nefasto e intimidador: apenas 30 dos 513 deputados federais (5,7% do total) assinaram a representação entregue na Corregedoria da Câmara para pedir a cassação do presidente da Casa. Quem autoriza ou não a investigação é a Mesa Diretora, controlada pelo próprio Eduardo Cunha. Ou seja, não vai dar em nada.
Quem melhor resumiu o estado da arte foi o brilhante cartunista André Dahmer na tirinha "Malvados" publicada na Folha:
"Ladrões do governo...sofrem duras críticas...dos bandidos da oposição".


07 outubro 2015

ÀS FAVAS AS PROVAS

Pedido de impeachment de Dilma não tem provas. E desde quando isso vem ao caso?

gilmartoffoli

Então, finalmente, a Folha publica hoje que os dois consultores jurídicos da Câmara dos Deputados que, separadamente, analisaram o pedido de impeachment de Helio Bicudo e Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e concluíram que não apresenta provas e, portanto, deve ser arquivado.

Seria o natural, se vivêssemos uma situação natural, juridicamente séria.
Mas não é assim e a pantomima está armada: Cunha rejeita o recurso, o PSDB recorre da decisão e tenta obter a maioria simples para que seja iniciado o exame do pedido por uma comissão da Câmara. E a máquina de desestabilização segue sua marcha.

Não é só na Câmara, porém.

Assisti ontem o longo voto da Ministra Luciana Lóssio no TSE, em que ela demonstra, ao longo de 51 páginas, que as “provas” apresentadas pelos tucanos para pedir a impugnação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer são, essencialmente, recortes de jornais, que – claro – independem também de provas.

Ora, as provas… Às favas as provas, como antes, na edição do AI-5, para lá mandou Jarbas Passarinho os escrúpulos de consciência.

Então a ação segue sem elas, valendo o voto-panfleto de Gilmar Mendes, acompanhado de seu novo amigo Dias Tófolli, contra o trabalho criterioso de Lossio e, antes, da relatora Maria Thereza de Assis Moura, que não conheceu do recurso por falta daquela superfluidade denominada prova, substituída pelo “tomo mundo sabe, está nos jornais”.

Embora hoje, no Brasil, já não se tenha segurança jurídica para coisa alguma, uma ação desta natureza vai se arrastar e seguirá como fonte de desestabilização política do Governo e de paralisia do país, tudo o que o espírito da lei cuida de evitar, mas é desconsiderado pelos que administram a Justiça.
In dubio, pau no Governo.

Já para Cunha, talvez os tucanos exijam que se apresente o cartão de autógrafos da conta na Suíça, não bastem as comunicações oficiais do governo suíço.


Enquanto isso, ele manda transmitir ao vivo a votação das contas de Dilma no TCU, fato inédito na história da TV Câmara, talvez em em homenagem ao seu colega de infortúnio, o relator Augusto Nardes, que também está sendo investigado no Supremo, acusado de ter recebido R$ 1,65 milhão de uma empresa investigada sob suspeita de envolvimento com fraudes fiscais apanhada na Operação Zelotes.

Tudo isso só nos jornais de hoje… E viva os “homens bons”…